1968 foi um tempo excitante de um muito vasto movimento, e deu, ele próprio, origem a um amplo leque de movimentos. Não teria havido um movimento global de solidariedade, por exemplo, se 1968 não tivesse existido. Foi extraordinário em termos de direitos humanos, direitos das minorias e também em relação às preocupações ambientais.
Os Pentagon Papers (Documentos do Pentágono, o relatório governamental ultrassecreto, de 7.000 páginas, sobre a Guerra do Vietname) são a prova de que, imediatamente a seguir à Ofensiva de Tet, o mundo empresarial se manifestou contra a guerra porque achou que ela saía demasiado cara, embora, sabemos agora, houvesse propostas no interior do governo para que fossem enviadas mais tropas americanas. Depois, LBJ (Lyndon Baines Johnson) anunciou que não enviaria mais tropas para o Vietname.
Os Pentagon Papers dizem-nos que, devido ao medo em face de uma crescente agitação urbana, o governo teve de pôr fim à guerra, já que não tinha a certeza de ter tropas suficientes para enviar para o Vietname e tropas suficientes para suprimir a revolta na frente doméstica.
Uma das reações mais interessantes a emergir de 1968 surgiu na primeira publicação da Comissão Trilateral que entendia que se estava perante uma “crise da democracia” por haver demasiada participação das massas. No final da década de 60, esperava-se que as massas fossem passivas, não que entrassem na esfera pública e se fizessem ouvir. Quando assim aconteceu, chamaram-lhe um “excesso de democracia” e houve quem achasse que se estava a pôr demasiada pressão no sistema. O único grupo que nunca expressava as suas opiniões era o empresarial e corporativo porque era aquele cujo envolvimento na política era aceitável.
A comissão reivindicava mais moderação na democracia e um retorno à passividade. Afirmava, ainda, que as “instituições de doutrinação” – escolas, confissões religiosas – não estavam a cumprir a sua função e teriam de ser mais duras.
A medida padrão de atuação mais reacionária foi muito mais dura relativamente aos acontecimentos de 1968, na medida em que tentou reprimir a democracia, tendo, até certo ponto, sido bem sucedida – mas não totalmente, já que os movimentos de ativismo social têm vindo a aumentar. Por exemplo, era inimaginável, em 1968, que, em 1980, viesse a existir um grupo internacionalista chamado Solidarity.
Mas a democracia é hoje ainda mais forte do que era em 1968. Temos de nos lembrar de que, durante o Vietname, não houve, de início, qualquer oposição à guerra. Acabou por surgir, mas apenas seis anos depois de John F. Kennedy ter atacado o Vietname do Sul e as baixas militares terem disparado. No entanto, no caso da Guerra do Iraque, a oposição à guerra esteve lá, desde o primeiro dia, mesmo antes de ter sido desencadeado qualquer ataque. A Guerra do Iraque foi o primeiro conflito, na história do ocidente, em que uma guerra imperialista foi objeto de protestos massivos, ainda antes de ter começado.
Há ainda outras diferenças. Em 1968, a mera discussão da possibilidade de retirada do Vietname remetia-a para as margens da sociedade. Agora, qualquer candidato presidencial menciona a retirada do Iraque como uma escolha política real.
Hoje, há ainda muito mais oposição à opressão do que anteriormente. Por exemplo, os Estados Unidos costumavam apoiar ou desencadear golpes militares na América Latina. Mas a última vez que os Estados Unidos apoiaram um golpe foi em 2002, na Venezuela e, mesmo assim, tiveram de recuar rapidamente devido a uma opinião pública hostil. Pura e simplesmente já não podem fazer o tipo de coisa que faziam dantes.
Por isso, penso que o impacto de 1968 foi duradouro e, no seu todo, positivo.
Artigo de Noam Chomsky, publicado em “New Statesman”, a 8 de maio de 2008, disponível em chomsky.info. Tradução de Maria Helena Loureiro para esquerda.net