Nita Clímaco: a proibição de “O adolescente”

As orelhas da capa do livro faziam propaganda a dois livros proibidos. Assim, a PIDE proibiu também a circulação deste romance. Por Ana Bárbara Pedrosa.

23 de August 2019 - 16:46
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Em O adolescente (1966), Nita Clímaco descreve a aventura de Françoise, jornalista francesa de 38 que passa férias em Portugal, numa pousada em Coimbra. Aí, conhece Rui, de 18 anos, que lá trabalha, e com ele inicia uma aventura amorosa. A primeira regressa a França e Rui fica em Portugal, perdidamente apaixonado. Não se conformando com a distância, parte para Paris, de forma a encontrá-la, depois de ter recebido um curto postal com uma fotografia de Paris e a frase: “As minhas recordações de Portugal confundem-se com os bons momentos que juntos passámos” (p. 132).

Uma vez em Paris, apanha a adivinhável decepção amorosa. Françoise, depois de uma certa relutância em encontrá-lo, acede ao pedido, ainda que contrariada. A viagem de Rui para França é-lhe totalmente indiferente: “E que culpa tenho eu disso? Não te mandei vir!” (p. 277).

No final da narrativa, Rui mostra-se feliz e encara Françoise como uma recordação, afirmando ainda procurar outras mulheres para poder aperfeiçoar o seu francês. Para além disso, mostra-se grato a quem o ensinou a não acreditar em paixões.

Recepção/censura de O adolescente

Os motivos que levaram à proibição desta obra foram diferentes dos que levaram à proibição das outras a que nos referimos neste trabalho:

Nita Clímaco é uma escritora que se tem notabilizado por lançar a público, apoiada por grande maquinação publicitária, obras que se destacam pela sua extrema imoralidade, tais como Falsos Preconceitos (1964) e Pigalle (1965) as quais foram oportunamente “Proibidas de Circular no País” por estes Serviços. Agora (1966) apresenta um novo romance com o título que está em epígrafe.

Este romance é porém muito mais comedido que os anteriores e embora foque e destaque ambientes comuns aos dos livros precedentes, não deixando de apresentar em cena invertidos sexuais inevitáveis nos textos e as descrições realistas das cenas amorosas que contém não enveredam pela pornografia

Nestas condições, em meu parecer, este livro (atendendo ao seu texto) pode ser autorizado a circular no País. Todavia surge um óbice de acentuada gravidade na edição deste livro. Nas “orelhas” da capa, destinadas a publicidade, faz-se aberta propaganda dos dois livros “proibidos” acima referidos e anuncia-se para breve a edição em França da versão francesa desses mesmos livros.

Parece-me portanto que estes Serviços não devem tolerar essa propaganda. As duas soluções que me ocorrem para obviar este caso, uma é autorizar a sua circulação com a condição de serem suprimidas as bandas marginais da capa que inserem a propaganda dos livros proibidos, a outra é proibir o livro fazendo constar ao Grémio Nacional dos Editores e Livreiros que o mesmo será autorizado desde que lhe seja substituída a capa. Como a primeira solução tem muito de contingente parece-me melhor a segunda. (Azevedo, 1997: 116/117)12

A segunda solução sugerida pelo censor foi a que foi posta em prática, tendo o livro sido proibido no dia 27 de Agosto de 1966 (Azevedo, 1997, p. 117). A obra, portanto, que não apresentava, per se, grande perigo ou ameaça ao regime, acabou por ser apagada: a primeira e única edição foi proibida e o livro pode apenas ser encontrado em lugares como a Biblioteca Nacional de Portugal ou em websites de revenda.

Conclusões

Na criação ficcional de Nita Clímaco, o tema da emigração de portugueses para França é central, estando presente em todos os seus romances. Assim, é evidente que as obras trazem elementos históricos em si, que são obras que falam para os leitores coevos, que a ficção é usada para apontar a História: afinal, centram-se em condições específicas de uma altura específica, contrastando a ideia de um Portugal empobrecido e iminentemente rural com a de uma França moderna (embora Clímaco acabe por associar essa modernidade a uma pretensa devassidão, que acaba por estragar as vidas das personagens).

A abordagem ao exílio permite, no entanto, que se pense e questione a expatriação. No que Nita Clímaco, emigrada em França, nos apresenta, podemos vislumbrar um profundo pessimismo inerente à emigração: afinal, ou acontece o que é, nas narrativas, encarado como depravação moral, prejudicial para o próprio bem-estar psíquico e emocional das personagens, ou a desgraça económica e o mergulho em péssimas condições materiais de vida.

Pode dizer-se que a matiz crítica das obras é difusa. É certo que a formulação literária inclui a intenção de denúncia. Afinal, há uma crítica clara à realidade social e cultural de Portugal, notada pela forma como a autora a menoriza em relação a França: Portugal é constantemente apresentado como tacanho e provinciano, as personagens que de lá partem para França, regra geral, ficam fascinadas com o progresso que lá vêem e a condição de alteridade coloca no centro da narrativa o que é ser português, o que distingue esta nação das outras. Assim, após a partida, as personagens parecem perder as suas identidades individuais e as suas condições de vida, por motivos diversos, pioram de forma considerável.

Nas obras, o pacto de veracidade pode ser o do pano de fundo, não o da acção principal, e pode ser esse o ponto de questionamento. Afinal, é no pano de fundo que tenta mostrar-se os abismos sociais, tanto materiais como morais, e é em prol dele que, em A salto, a autora pontua o texto com notas atestatórias da veracidade do que é apresentado no decorrer da narrativa. Assim, o pano de fundo da obra global de Nita Clímaco será a relação de alteridade que se estabelece entre os emigrantes portugueses em França e o meio que os recebe. Neste globo, encontram-se situações diversas (a descoberta da sexualidade, uma rede de prostituição, o desencanto com o mercado laboral francês) e não se crê que o objectivo, ou mesmo a posição da autora, fosse muito claro. Apesar de a autora ter sido tão perseguida pela PIDE, não pode dizer-se que grande parte dos seus livros não pudesse ser-lhe abonatória. Tal, per se, não será de condenar nem significará que a autora estava presa aos grilhões da ditadura. Talvez possa apenas dizer-se que não se deixou enlaçar nos grilhões da instrumentalização da arte nem usou os seus romances para marcar uma posição política inequívoca.

Para saber mais sobre as obras das autoras portuguesas censuradas pela PIDE, clique aqui.

1 Azevedo, Cândido de. Mutiladas e Proibidas (1997). Para a história da censura literária em Portugal nos tempos do Estado Novo. Porto: Caminho.

2Como no que se refere ao relatório sobre Falsos Preconceitos, não conseguimos aqui apurar a fonte usada por Cândido de Azevedo.