Nas praxes que filmaste em vários pontos do país, que métodos encontraste de “integração” dos estudantes na vida universitária?
As iniciativas das praxes eram sempre muito semelhantes e isso foi surpreendente: estar "de quatro", constantemente insultado, fazer flexões, olhar sempre para o chão, gritar em uníssono que o nosso curso é o maior e sexualmente dominante… estas são as práticas generalizadas das praxes.
Podem eventualmente existir outros momentos de menor violência ou até de confraternização, mas a ideia de que o veterano é o dominador e o caloiro o dominado é intrínseca à integração como se faz atualmente. Estes valores são contrários aqueles que deveriam ser os princípios da universidade: a democracia, o respeito, um espaço de abertura e possibilidades. Do ponto de vista dos estudantes, deveria ser um lugar de experiências de insubmissão e de rebeldia, sobretudo no contexto da sua mercantilização e do desinvestimento do Estado na área.
Apesar do “Praxis” ter sido premiado no Doclisboa, foi preciso acontecer uma tragédia para ele chegar ao grande público, com a transmissão na RTP. Como interpretas este adormecimento da sociedade em relação ao fenómeno das praxes?
A sociedade tem muitas responsabilidades, porque foi conivente com a generalização da praxe pelo país todo e com a sua instituição como forma dominante de integração. De fora, a praxe foi geralmente vista como uma mera brincadeira estudantil, mesmo quando os seus excessos saltavam à vista. As Universidades também foram complacentes, porque muitas direções têm evitado pronunciar-se para manter boas relações com as comissões de praxes e os veteranos. E os estudantes, ao se integrarem pela praxe, reproduzem nos anos seguintes a sua experiência, porque ninguém os confronta, nem existe esta reflexão acerca de alternativas.
Nos vários debates que fiz, depois de verem o documentário, diziam sempre "na minha universidade não é assim", mesmo que tivesse sido filmado na sua universidade. Havia obviamente uma incapacidade de olhar e de auto-crítica. Espero que a luz seja rapidamente feita sobre o que realmente aconteceu no Meco, mas independentemente desta tragédia, já houve muitas vítimas de praxes e já deveríamos ter tido este debate há muito tempo.
No debate sobre o documentário realizado na Aula Magna em 2011, os argumentos dos defensores da praxe foram muito diferentes dos que estão a ser esgrimidos no debate atual. Que explicação encontras para isso?
Efetivamente na altura esses debates eram muito marcados ideologicamente. Até há uma entrevista ao Dux de Coimbra no Jornal Universitário "A Cabra" em Abril de 2012 em que ele afirma "A praxe é hierárquica, é machista, é sexista. São características intrínsecas à praxe da Universidade de Coimbra e quando isso deixar de existir, deixa de ser a praxe da UC."
Eu ouvi repetidamente que a praxe é boa porque nos ensina a obedecer, que temos de sujeitar-nos ao que os mais velhos dizem, aos nossos patrões… isso faria todo o sentido num exército, que é organizado para obedecer a ordens, nunca numa universidade. Perante a atual tomada de consciência da sociedade, os argumentos dos defensores desta ideologia mudam para tentar salvaguardar ainda estas práticas. Mas não há boa ou má praxe, tal como ouvi num destes debates, “praxe há só uma", e temos de dar lugar a uma alternativa já no próximo mês de setembro.