A auditoria do Tribunal de Contas a 205 gabinetes dos governos de Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates (triénio 2003/2005) revela a falta de transparência e a discricionaridade na gestão do dinheiro, em particular com a contratação de pessoal, nomeações sem despacho nem justificação, e o pagamento de consultorias e outros serviços, muitas vezes sem se conhecer a contrapartida. "O relatório do Tribunal de Contas revela que os governos estão sentados em sacos azuis", diz Francisco Louçã.
Uma das recomendações do Tribunal é que "já na proposta de Orçamento do Estado para 2008, considere a eliminação da prática, não transparente orçamentalmente, de imputar,sem explicação, à despesa global dos gabinetes ministeriais verbas muito substanciais para as chamadas transferências correntes, cuja única finalidade tem sido a de financiar entidades terceiras, públicas e privadas, sem retorno algum para os gabinetes financiadores e promovendo a confusão entre despesas dos gabinetes propriamente ditas e despesas com actividades exteriores aos mesmos".
A falta de limite para o número de contratados e respectiva remuneração para as categorias de "conselheiro técnico" e "especialista", ao contrário do que acontece para adjuntos e secretários dos membros do governo, leva o Tribunal a dizer que "são possíveis nomeações teoricamente ilimitadas que nem carecem de ser justificadas, tornando-se, assim, necessário delimitar legalmente esse recurso", chegando à conclusão de que "a discricionariedade evidenciada para o número e para a justificação do recrutamento de conselheiros técnicos e especialistas não se mostrou conforme com o principio da transparência e os critérios da economia da eficiência e da eficácia que devem presidir a todo o dispêndio público".
A contratação de "especialistas" até para desempenhar funções administrativas causou estranheza aos auditores, sobretudo por vê-los equiparados "sistematicamente equiparados, para todos os efeitos, a adjuntos e a secretários pessoais". O Tribunal de Contas conclui que a figura do "especialista", que devia ser usada para atender a necessidades temporárias, se transformou num posto permanente em todos os governos. 81% dos "especialistas" contratados ficaram até ao fim do respectivo governo. Na realidade, desempenham o papel de assessor, que a lei apenas prevê como categoria no gabinete do primeiro-ministro. O resultado é a presença de assessores a ganharem mais que o adjunto e, por vezes, do que o próprio ministro de que depende.
A amostra de 30 gabinetes que o tribunal usou para observar os procedimentos usados na nomeação de pessoal para os gabinetes dos governos é elucidativa. Nas 1303 nomeações em causa, há despachos que não definem com clareza as funções e a justificação da nomeação, há despachos de nomeação que não foram publicados no Diário da República e há até nomeações sem cobertura de despacho.
A maioria dos contratados nesta amostra (71%) vieram do sector público, mas são os do sector privado os que mais custaram aos cofres públicos. Uma parte significativa das nomeações não indicava lugar de origem, tratando-se de profissionais liberais ou sem antecedentes de emprego.
Os avençados continuam a predominar nos gabinetes, e este regime dá origem a situações de grande disparidade salarial entre pessoas que desempenham as mesmas funções.
O Tribunal aponta algumas falhas que dificultaram a execução desta auditoria pela primeira vez em Portugal, pondo em primeiro lugar "a inexistência de qualquer informação estatística respeitante ao pessoal que presta serviço nos gabinetes governamentais". A "falta de rigor na elaboração e publicação no Diário da República dos despachos de nomeação e exoneração" impôs dificuldades adicionais aos auditores.
Nestes 3 anos, a despesa global movimentada pelos 205 gabinetes atingiu 12,8 mil milhões de euros. O grande volume da despesa deve-se a estarem inscritas como despesas dos gabinetes as verbas que, de acordo com a Lei de Bases da Segurança Social e do Orçamento, são de transferência obrigatória, ou seja, estão consignadas ao financiamento dos subsistemas de previdência e acção social, e concentradas maioritariamente nos gabinetes sob a alçada do Ministério da Cultura e Segurança Social e Trabalho. O Tribunal critica esta prática por desvirtuar a verdadeira dimensão dos orçamentos dos gabinetes.