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Trabalho e Democracia: Barbárie global

WTO - World Trade Organization (Organização Mundial do Comércio)Os processos de desregulação, liberalização e privatização de serviços que têm ocorrido por todo o planeta têm sido fortemente impulsionados por organizações como o FMI, a Organização Mundial do Comércio ou, no caso da Europa, a União Europeia. Esta "contra-revolução liberal", como lhe chama Birgit Mahnkopf em "O Futuro do Trabalho e a Globalização da Insegurança", inverte um longo período de conquistas sociais que de alguma forma ajudaram a regular as condições de vida e de trabalho nas sociedades capitalistas.
Artigo de João Romão, economista.

A ideia de que o Estado deve promover o bem-estar social e segurança para os trabalhadores, combater a pobreza extrema ou garantir a equidade no acesso a serviços públicos e bens essenciais prevaleceu até aos anos 80: o Estado era entendido como um elemento necessário e apropriado para o equilíbrio social. Nessa altura começou a discutir-se a privatização de serviços essenciais (como as linhas ferroviárias ou a distribuição postal) e bens públicos (como a água, a saúde ou a educação).

Mesmo no quadro de uma sociedade capitalista, a relação entre trabalho e segurança sócio-económica foi uma inovação da modernidade industrial europeia, arduamente conquistada e controlada através de representações colectivas de interesses (como os sindicatos). Essa segurança assentava em algumas garantias: de ocupação, de qualificação, de trabalho, de rendimento, ou de representação, socialmente enquadradas e defendidas.

A segurança formal que se tinha conquistado ao capitalismo industrial está seriamente ameaçada pela informalidade pós-fordista, pela desregulamentação e pela liberalização. O crescente trabalho informal, e até o crescente trabalho precário na economia formal, criam condições para sucessivas concessões nos direitos dos trabalhadores, sobretudo no que se refere a flexibilidade e mobilidade.

Neste sentido, o processo de privatização e desregulação das economias está também a aprofundar a crise da social-democracia e dos seus mecanismos de representação. A democracia implica liberdade de decisão e pressupõe segurança (profissional, de rendimento ou de representação). A ausência de segurança limita o exercício da cidadania e prejudica a vida democrática.

A sucessiva privatização de serviços também ajudou à "desolidariedade", à perda de vínculos comunitários e à despolitização. Os serviços públicos não universais não só tiveram esses efeitos como deixaram os mais pobres mais sós. A privatização informal global acelera a crise da democracia e assinala uma importante perda de direitos sociais conquistados no século XX.

Na União Europeia dos últimos anos, essa perda de democracia em muito se deveu ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, que limitou a intervenção dos Estados na economia e impulsionou um vasto processo de privatização de serviços públicos. O próximo passo é o da Flexisegurança, que procurará desarticular o mercado de trabalho, à medida das necessidades do capitalismo selvagem do século XXI.

A palavra flexisegurança disfarça o essencial: que os direitos laborais são uma questão de luta de classes, como salientou o deputado no Parlamento Europeu pela Aliança Verde-Vermelha dinamarquesa presente no IV Encontro Nacional de Trabalho promovido pelo BE. O modelo dinamarquês de Flexisegurança, onde a UE procura inspiração para o seu Livro Verde para o Emprego, resultou de um século de lutas entre associações representativas de classe.

Jorgen Arbo-Behr enfatizou que esses acordos assentam em estruturas representativas muito consolidadas na sociedade dinamarquesa mas que os actuais governos liberais procuram enfraquecer. No caso da União Europeia, em geral com menor representatividade das estruturas de trabalhadores, a implementação de modelos de "flexisegurança" pode ajudar a desarticular as formas de organização laboral e de participação cívica e a promover mais flexibilidade que segurança.

João Romão

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