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Relatório dito da OCDE foi encomendado e pago pelo governo

José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues eufóricos com o relatório que afinal não é da OCDE. Foto da LusaNuma cerimónia com pompa e circunstância o governo e uma equipa de peritos internacionais apresentaram um relatório que elogia as políticas educativas de Maria de Lurdes Rodrigues para o 1º ciclo do ensino básico. O estudo foi apresentado como sendo da OCDE, mas afinal, como diz o site do Ministério da Educação, tratou-se de um relatório pago e encomendado pelo governo que "segue a metodologia utilizada pela OCDE".  

Foi o blogue ProfAvaliação quem primeiro alertou para o que designou de "manobra de propaganda" do governo:

«Chamo a atenção para o equívoco que a Comunicação Social tem divulgado. O estudo não é da OCDE. É desenvolvido por um grupo de peritos "liderado por Peter Matthews" e segue os critérios ("metodologia e abordagem") da OCDE. E foi solicitado pelo Ministério da Educação, que, para abonar a credibilidade, assegura que foi elaborado por uma equipa de peritos internacionais de "independentes".»

Com efeito, visitando a página do Ministério da Educação ou Portal do Governo, pode ler-se:

"Solicitado pelo Ministério da Educação (ME), este estudo corresponde a uma avaliação intermédia, realizada durante a fase de implementação das reformas, com o objectivo de verificar se as medidas desenvolvidas estão a atingir os resultados previstos e se as estratégias adoptadas devem ser ajustadas em função da experiência. Liderada pelo professor Peter Matthews, esta avaliação seguiu a metodologia e a abordagem que a OCDE tem utilizado para avaliar as políticas educativas em muitos países-membros, ao longo dos anos, com resultados positivos".

Na cerimónia que se realizou esta segunda-feira no Centro Cultural de Belém, o relatório foi apresentado como se se tratasse de um documento elaborado pela OCDE.

relatório elogia as reformas introduzidas pelo Governo no 1º ciclo do ensino básico. Deborah Roseveare, chefe da Divisão das Políticas de Educação e Formação da OCDE e convidada para apresentar o relatório, afirmou que "Portugal é um exemplo para os outros países da OCDE, na forma como aplicou as reformas do sistema educativo". No final da sua intervenção, Deborah Roseveare não se inibiu de soltar um "Bravo Portugal" pelas alterações introduzidas.

José Sócrates exibiu a sua satisfação imediata pelas conclusões do relatório, elogiando o trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues e aproveitando para criticar a oposição. "Que pobreza no debate político, que lamentável atitude de tantos partidos que quando olham para isto (relatório da OCDE) são capazes de dizer: Lá está o Governo a trabalhar para as estatísticas", afirmou Sócrates.

"Trabalhar para as estatísticas? É assim que se referem a isto? Que lamentável. Que lamentável o debate político que se concentra nisso", continuou o primeiro-ministro. "Às vezes é preciso vir alguém de fora para nos dizer de forma tão sonora, tão vibrante e tão entusiasmada, como disse a Deborah: Bravo", concluiu o primeiro ministro.

No relatório, os "peritos internacionais" contratados pelo governo elogiam as reformas introduzidas pelo governo no Ensino Básico , nomeadamente o encerramento das "pequenas e ineficazes escola do primeiro ciclo", a "oferta de escola a tempo inteiro", "o excelente modelo de formação contínua dos professores" e a alteração das regras para a escolha dos directores dos agrupamentos.

No entanto, o documento também tece algumas críticas e faz recomendações ao governo. Apesar de elogiar a adopção da "escola a tempo inteiro", aconselha-se a adopção de Actividades de Enriquecimento Curricular mais viradas para a prática, já que muitas vezes decorrem em ambiente de sala de aula, "tornando o dia escolar muito longo para as crianças".

Por outro lado, os peritos internacionais também tecem críticas às formas de contratação dos monitores das Actividades de Enriquecimento Curricular. Recorde-se que esta tem sido uma das reivindicações dos sindicatos, que denunciam a precariedade extrema em que se encontram estes monitores, pagos a 10 euros por hora, através da subcontratação de empresas pelas Câmaras Municipais.

Outra das recomendações vai no sentido de sugerir a introdução do Inglês no currículo oficial, em vez de ser leccionado como uma actividade de tempos livres. Este facto já tinha merecido críticas de sindicatos e partidos da oposição, que acusam o governo de caminhar para a privatização progressiva do currículo.

No blogue ProfAvaliação, Ramiro Marques critica a metodologia utilizada pelos "peritos internacionais", que praticamente resumiram o seu trabalho de investigação a reuniões com membros do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Educação, membros do Conselho de Escolas e da Confederação Nacional de Pais, tudo órgãos do governo ou bastante próximos dele.

"Não há dados provenientes de provas externas e nada no relatório permite estabelecer uma relação de causa e efeito entre as medidas tomadas pelo Governo e qualquer hipotética melhoria dos resultados escolares ou da qualidade das aprendizagens. Não há nenhuma amostra aleatória ou representativa" sustenta Ramiro Marques.

Ramiro Marques contesta igualmente as conclusões do relatório. "Quais os indicadores em que a equipa de Mathews se baseou para concluir que os Planos de Formação Contínua dos Professores de Matemática, de Ciências e de Língua Portuguesa são excelentes e que estão a melhorar os resultados escolares dos alunos, na área da Matemática? Deslocaram-se às escolas onde essa formação está a ser dada? Entrevistaram os formadores locais e os formandos? Observaram aulas dos formandos? Trabalharam com uma amostra representativa? A credibilidade destes resultados é muito escassa", assegura Ramiro Marques.

Sobre o "excelente modelo de formação contínua dos professores" apontado pelo relatório, o autor do popular blogue ProfAvaliação, lembra que "o que se passou foi a destruição do sistema de formação contínua e a sua substituição por nada. De tal forma é nada que milhares de professores nem sequer podem fazer prova de que fizeram acções de formação contínua certificadas e creditadas."

Finalmente, sobre o fecho das pequenas escolas do interior, Ramiro Marques questiona: "será que sabem o que isso significou em termos de aumento da desertificação do país? E os custos que o encerramento de 4 mil escolas provocaram nas crianças obrigadas a deslocações diárias de 50 quilómetros?"

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