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Paquistão: fim do estado de emergência não trouxe a democracia

Pervez MusharrafO levantamento do estado de emergência no Paquistão e a restauração da Constituição não restabeleceram a democracia no país. Por um lado, a crise da Justiça agravou-se; por outro lado, persistem as leis da censura de imprensa e as restrições aos meios de comunicação electrónicos. Além disso, Musharraf reescreveu a Constituição enquanto tinha plenos poderes, impondo 12 emendas que lhe garantem, entre outras coisas, a imunidade.

Por Beena Sarwar, da IPS

 

O levantamento do estado de emergência e a restauração da Constituição no Paquistão são insuficientes para encaminhar o país para a democracia, segundo activistas de direitos civis.

Por um lado, a maioria dos juízes da mais alta hierarquia negam-se, num acto sem precedentes, a prestar juramento sob o decreto do presidente Pervez Musharraf que instaurou, no dia 3 de Novembro, o estado de emergência.

Ainda persistem as leis da censura de imprensa e as restrições aos meios de comunicação electrónicos. Além disso, o próprio Musharraf foi eleito presidente, para os próximos cinco anos, enquanto ainda usava uniforme militar, por um parlamento em final de mandato.

Os que se negaram a prestar juramento podem "ter deixado de ser juízes", segundo o ministro provisório da Justiça, Afzal Haider, pois não foram destituídos nem abandonaram os seus escritórios. Mas muitos deles negam-se a aceitar esta imposição.

Pela primeira vez na história do Paquistão, a maioria dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça e os quatro altos tribunais provinciais recusaram-se a legitimar o decreto. A posição destes juízes também não tem precedentes: eles consideram-se a si mesmos os legítimos magistrados.

Muitos advogados apoiam esta posição e recusam-se a reconhecer os juízes que usurpam os cargos daqueles que se recusaram a prestar juramento segundo as novas normas.

Vários juízes depostos ainda estão nas suas residências oficiais. Quando M.A. Shahid Siddiqui, do principal tribunal da cidade oriental de Lahore, recebeu a carta do secretário desse corpo para saísse da sua residência, respondeu-lhe que considerava a sua carta "uma tentativa de intimidar os juízes que não se renderam perante o Chefe do Estado Maior do Exército".

"Como juiz em funções no Alto Tribunal de Lahore, dirijo-me ao seu secretário para que explique por que e por ordens de quem emitiu esta carta pedindo-me que abandone a minha residência oficial. A resposta deverá ser apresentada no prazo de um mês", advertiu.

O intercâmbio disparou outra cadeia de acontecimentos que demonstraram ser, na sua maioria, vergonhosos para o governo. Estudantes e advogados começaram uma vigília no exterior da residência do juiz Siddiqui.

Muitos permaneceram fora toda a noite, desafiando o frio invernal de Lahore. Entre eles, os conhecidos activistas e advogados Asma Jahangir e Hina Jillani, junto com uma série de outros activistas de alto perfil.

"Continuaremos a manter a vigília fora da casa do juiz Siddiqui", disse Hamid Khan, ex-presidente da Associação de Advogados do Alto Tribunal de Lahore.

Apesar das ameaças da polícia, activistas e advogados alternaram-se dia e noite durante várias jornadas para impedir que o juiz Shahid Siddiqui fosse desalojado da sua residência oficial.

Tudo acabou quando Siddiqui teve de ser levado de urgência ao hospital com uma dor no peito. Na última hora dessa noite, a polícia prendeu perto de uma dezena de advogados e estudantes na frente da sua residência. Libertaram-nos passados uns dias, e as acusações contra eles foram retiradas.

O juiz Siddiqui está no hospital, e a sua família ainda está na sua residência oficial.

No dia 10 de Dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos - observado pelos advogados paquistaneses e pelas organizações da sociedade civil como "dia negro" -, o deposto presidente do Alto Tribunal de Sindh, Sabihuddin Ahmed, advertiu que não faria comentários sobre o estado de emergência porque poderiam ser mal interpretados como pronunciamento judicial.

"Ainda sou o presidente do Alto Tribunal", disse.

Entretanto, a imprensa diz que o estado de emergência é menos lesivo que o Decreto de Registo das Impressões e a Autoridade Reguladora de Meios Electrónicos do Paquistão.

Mazhar Abbas, secretário-geral da União Federal de Jornalistas do Paquistão, observou que o fecho dos canais de televisão privados Geo e Royal TV "viola o artigo 19 da Constituição". Ao restabelecer-se a vigência da carta política, "porque é que estes canais não tiveram permissão para retomar as emissões?", perguntou.

"A proibição constante de apresentadores de televisão, de programas de entrevista e de directos impediu que os canais de televisão fizessem uma cobertura livre das eleições. Também viola o direito cidadão à livre expressão" consagrada pelo artigo 19, disse.

Musharraf impôs mais seis emendas à Constituição através de decretos emitidos na sexta-feira, um dia antes de levantar o estado de emergência e restaurar a vigência da carta política.

O seu primeiro acto ao restabelecer a Constituição foi receber o juramento dos novos membros do Supremo Tribunal do Paquistão.

Para muitos, a permanência de Musharraf no cargo vê-se deslegitimizada porque foi eleito por um parlamento que tinha completado o seu período e não tinha mandato para designá-lo, e porque ainda tem um uniforme militar.

Uma advogado de Lahore, Asad Jamal, considerou que o restabelecimento da Constituição está vazio de conteúdo, dadas as cerca de 12 emendas que Musharraf impôs no mês passado e que lhe dão imunidade.

"Ele destruiu o carácter da Constituição. Vai assegurar-se de que não haja necessidade de ratificar estas emendas no parlamento",disse Jamal.

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