You are here

Há virtudes no vago plano de Geithner para os bancos

Nouriel RoubiniA 27 de Janeiro, o Banco da América vendeu cerca de 6 mil milhões de títulos a 3 anos com um lucro de 2,2% - por 3,5% abaixo do valor de transacção de outros títulos de igual ou similar maturidade . Como é que se conseguiu este feito?

Artigo de Matthew Richardson e Nouriel Roubini

Através de uma pequena taxa de 0,75% o Bank of America acedia ao Programa de Garantias Temporárias de Liquidez do FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation - é a corporação norte-americana que assegura dos depósitos nos Estados Unidos contra a falência bancária]. O FDIC foi criado em 1933 para manter a confiança pública e para fomentar a estabilidade no sistema financeiro através da promoção de boas práticas bancárias], que garante toda a dívida bancária a menos de 3 anos com a total cobertura e crédito do Governo Federal norte-americano (Full faith and credit of the U.S. government1). Essencialmente são obrigados a emitir dívida aplicando as taxas governamentais.

Desde o início do programa, em 25 de Novembro de 2008, o Bank of America foi ao poço 11 vezes buscar um total de 35,5 mil milhões de dólares. Outros bancos pediram 91 vezes um impressionante montante de 168 mil milhões de dólares. Eles incluíram o GE capital (27 mil milhões), o Citigroup (24 mil milhões), J.P.Morgan (19 mil milhões), Morgan Stanley (19 mil milhões) e a Goldman Sachs (15 mil milhões).

As reacções sobre o programa de garantia de liquidez nem sempre foram muito boas. A 31 de Outubro de 2008 a firma de advogados Sullivan & Cromwell escreveu à FDIC em nome de 9 bancos, com o argumento de que o programa do governo para afiançar os títulos de firmas financeiras não providenciou garantias suficientemente fortes. A carta solicitava que a garantia cobrisse as principais obrigações de pagamento e os respectivos juros à medida que se venciam, assegurados pela cláusula da primazia do caso julgado (jurisprudência) sobre o reconhecimento da legislação inter-estadual do governo norte-americano (full faith and credit of the U.S. government). A garantia foi incluída três semanas depois, quando a lei foi aprovada. Adivinhem que bancos é que assinaram a carta...

A motivação da administração norte-americana para este programa é conseguir que os bancos voltem a atribuir empréstimos. Mas no meio de uma crise económica e financeira, queremos que bancos saudáveis emprestem a instituições e indivíduos financeiramente estáveis e não que bancos instáveis voltem a apostar em créditos de risco.

Há, no entanto, uma coincidência incrível entre os bancos com o maior montante de dívidas anuladas - um indicador de pouca sustentabilidade - e os que acedem ao programa do FDIC.

Não é a primeira vez que assistimos a isto. A 7 de Setembro de 2008, o governo nacionalizou Fannie Mae e Freddie Mac. Elas estavam falidas devido a um portfolio acumulado de 1,5 biliões de dólares de hipotecas cobertas por seguros, dos quais 225 mil milhões de dólares eram hipotecas em subprime e os restantes 1.275 biliões eram hipotecas sem cobertura.

Enquanto alguns dos portfolios das Fannie e Freddie foram encobertos através de movimentos de taxas de juro usando trocas de taxas de juro, a parte dos produtos em subprime foi uma clara aposta nas taxas de rendimento das hipotecas de alto risco. Que almofada é que eles tinham?

Apenas 1 dólar de capital por cada 25 dólares de dívida. Que raio de financiador maluco lhes emprestaria dinheiro? Todos, porque a dívida tinha a implícita, agora explícita, garantia do governo norte-americano.

Atentos aos perigos económicos que agora enfrentamos, será que queremos realmente seguir uma vez mais este caminho?

Nós não, e é por isso que apesar de todas as críticas, o plano do secretário do tesouro Tim Geithner - chamado Bailout 2.0 - tem umas vestes de prata. Acaba com a maluquice.

Sim, o Bailout 2.0 perde na falta de pormenor, mas é claro que não vai propor mais brindes aos bancos - nada de novos programas de garantias de empréstimos ou de balizas para recolha de activos mal parados ou injecções de capital pelo governo sob a forma de acções preferenciais abaixo do preço real. Agora os bancos estarão à prova através de um "teste de stress" ("stress test") à sua solvibilidade para aceder a mais capital. Não vai ser um espectáculo bonito de se ver.

E já agora, se os bancos quiserem que o Tio Sam compre todos aqueles activos "tóxicos" o governo irá fazê-lo juntamente com o capital privado. Estes investidores não irão pagar acima do valor, assim também este jogo vai acabar.

Desde a apresentação do plano do Sr.Geithner, os preços das acções do sector financeiro caíram cerca de 19%. Isto não é necessariamente mau. Os bancos esperavam outros apoios.

Apesar de não ter sido essa a sua intenção, a verdade é que o Sr.Geithner irá confirmar a insolvência do sistema financeiro. Uma vez que enfrentemos esta verdade, não há realmente nada mais a fazer do que nacionalizar.

Não nos estamos a referir a ter o governo a gerir os bancos no longo prazo. Mas, como foi feito na Escandinávia no início da década de 90, estamos a falar de uma operação de limpeza disciplinada, e posterior venda dos bancos aos investidores privados.

A boa nova é que grande parte do risco será suportado pelos accionistas com direito de voto e pelos accionistas principais e os seus credores de longo termo não segurados - em lugar de ser suportado pelos contribuintes. Isto faz sentido uma vez que foram os accionistas e os credores que apostaram nos bancos em primeiro lugar. E, também deixaremos de repetir os mesmos erros cometidos com os bancos de investimento Fannie e Freddie.

Richardson e Roubini são professores que contribuíram para o livro da NYU Stern School of Business, "Restoring Financial Stability: How to Repair a Failed System," editado pela John Wiley & Sons.

Tradução de Carmen Hilário

1 Full faith and credit of the U.S. Government é relativa à obrigação dos estados nos EUA terem de respeitar "actos normativos, por ex. Regulamentos, e decisões judiciais de outros estados.

De acordo com o Supremo Tribunal norte-americano há uma diferença entre o valor atribuído às leis (isto é, medidas legislativas e leis comuns) e o atribuído à jurisprudência (Caso Julgado). À jurisprudência é reconhecido maior valor do que às leis, nos outros Estados. Actualmente, é largamente aceite que esta cláusula da constituição tem pouco impacto na escolha da lei nos casos de interpretação e integração de conflitos de leis dos diferentes estados norte-americanos, apesar desta cláusula da constituição norte-americana já ter sido interpretada de forma diferente.

Artigo IV, secção 1

28 USC §1738: Actos normativos e decisões judiciais bem como cópias autenticadas destes actos terão a mesma full faith and credit [o mesmo valor jurídico] em todos os tribunais dos Estados Unidos e nos territórios e possessões que lhes é reconhecido pela lei ou costume nos tribunais do Estado, Território e Possessão que os emitem.

A cláusula full faith and credit explica a reciprocidade do reconhecimento das licenças e da extradição quando são cometidos crimes.

Termos relacionados Internacional