O conhecimento do passado
sempre foi fundamental para a compreensão do presente. No
momento em que o movimento sindical convoca uma greve geral para o
próximo dia 30 de Maio, é útil fazer uma breve
digressão histórica sobre este tipo de luta em
diferentes momentos da história contemporânea
portuguesa.
Por Álvaro
Arranja (historiador)
1911
Começaram
em Setúbal os acontecimentos originaram a primeira greve geral
em Portugal. Quando em 13 de Março de 1911, a recém-criada
Guarda Republicana mata duas operárias na Avenida Luísa
Todi, na sequência de uma greve dos conserveiros, esse
acontecimento tem grande repercussão nacional. De acordo com o
jornal O Trabalhador de 2.7.1911, "as mulheres das fábricas
de conservas, ganhavam 40 réis por cada hora de dia e 50 réis
por cada hora de noite e exigiam 50 réis por hora
indistintamente". Pela primeira vez o regime republicano mandava
reprimir da forma mais dura os operários que tanto tinham
contribuído para a revolução de 5 de Outubro de
1910. Os "fuzilamentos de Setúbal", como ficaram
conhecidos na época, marcaram a ruptura entre o movimento
operário (predominantemente anarco-sindicalista) e a
República.
Como reacção
a estes acontecimentos, a comissão executiva do Congresso
Sindicalista, convoca uma reunião das associações
operárias que proclamaram, para o dia 20 de Março de
1911, uma paralisação do trabalho por 24 horas, em
solidariedade com os operários de Setúbal.
Pela primeira vez se
fala em greve geral em Portugal. Em Lisboa, registam-se incidentes,
no Terreiro do Paço, entre grevistas e forças de
cavalaria. Segundo o jornal O Mundo, de 21 de Março,
"para os lados do Beato, Poço do Bispo e Xabregas, trabalham
uns vinte mil operários; pois trabalhavam apenas ontem dois
mil". Na capital "paralisaram cerca de 65000 operários".
A greve afecta sobretudo Lisboa, a margem sul do Tejo e o Alentejo.
1912
Os anos imediatamente
após o 5 de Outubro são de intensos conflitos sociais.
Em Janeiro de 1912, os trabalhadores rurais da zona de Évora
iniciam uma greve originada no desrespeito de um acordo salarial por
parte dos proprietários. O Governador Civil resolve encerrar a
Associação dos Trabalhadores Rurais e prender os
sindicalistas mais activos. Esta atitude provoca uma paralisação
de todas as classes dos trabalhadores eborenses. O poder responde com
o encerramento de todas as associações operárias
e cargas da Guarda Republicana contra as manifestações
sindicalistas, levando à morte de um trabalhador.
Face a esta situação,
é proclamada, em Lisboa, a greve geral de solidariedade com os
trabalhadores de Évora, a 29 de Janeiro. A greve tem muita
adesão em Lisboa, com vários incidentes na baixa e na
margem sul do Tejo. Na Moita, o Administrador do Concelho foi morto
pela multidão em revolta.
Na noite de 30 de
Janeiro, em Lisboa, quando uma grande multidão se reunia na
Casa Sindical (vizinha do jornal O Século), as
autoridades organizam uma verdadeira operação militar
contra os sindicalistas. O edifício foi evacuado, sob a ameaça
de ser destruído pela artilharia e 700 pessoas seguiram entre
baionetas, muitos cantando A Internacional, para o Arsenal de
Marinha e dali para bordo de alguns navios de guerra no Tejo.
1917-1918
A I Guerra
Mundial agravou a situação social do país. Em
1917, duas greves gerais de solidariedade, são proclamadas
pela União Operária Nacional (confederação
criada em 1914). Em Junho, quando de um movimento grevista da
construção civil, a polícia invadiu a sede da
UON, na Calçada do Combro, prendendo todos os que ali se
encontravam e disparando sobre quem estava nas imediações.
No dia 16, é proclamada a greve geral que ao fim de 48 horas
conseguiu obrigar o poder a libertar os grevistas presos.
Em Setembro, quando de
uma greve dos correios e telégrafos, o governo mobilizou e
militarizou todo o pessoal e prendeu um milhar de grevistas. A UON
proclamou a greve então a greve geral de solidariedade. Lisboa
é ocupada militarmente e ocorrem vários confrontos. A
greve tem também adesão em Almada, Setúbal,
Barreiro e Seixal.
Em 1918, durante a
ditadura de Sidónio Pais, face ao agravamento insuportável
do custo de vida, a UON decide juntar as reivindicações
sectoriais num único movimento, preparado com antecedência.
A greve geral foi marcada para 18 de Novembro e preparada com
antecedência em comícios e sessões, na sua
maioria proibidos pelas autoridades que chegaram a fuzilar
trabalhadores rurais em Montemor-o-Novo e Alpiarça. Dois
acontecimentos prejudicaram a adesão para a data escolhida: a
pneumónica (terrível epidemia que dizimou milhares de
vítimas) e o armistício de 11 de Novembro (o fim da
guerra trouxe infundadas esperanças). O movimento registou a
maior adesão entre os rurais do Alentejo e os ferroviários
de Sul e Sueste. Em Évora a greve durou 8 dias. Em Odemira e
no Vale de Santiago a repressão foi especialmente dura, com
deportações de rurais para a África. Foram
fuzilados trabalhadores na Moita e em Portimão.
1934
Em 18 de Janeiro de
1934, uma greve geral revolucionária ergue-se contra a
ditadura instaurada pela oligarquia económica que a partir de
1926, tenta aniquilar o movimento sindical tão dinâmico
durante a I República. Com o direito à greve proibido e
a polícia política em acção, corajosos
militantes vão contestar a fascização dos
sindicatos decidida pelo regime de Salazar. Orientam clandestinamente
o movimento, a CGT (Confederação Geral do Trabalho,
anarco-sindicalista) e a Comissão Inter-Sindical (ligada ao
PCP).
O movimento tem maior
expressão na Marinha Grande, onde a vila é tomada pelos
grevistas que desarmam a GNR. Mas tem igualmente expressão nas
zonas operárias de Lisboa, Barreiro e Setúbal, bem como
em Silves e em Coimbra.
A repressão da
ditadura é brutal com inúmeras prisões. 57 dos
150 presos que vão inaugurar o Campo de Concentração
do Tarrafal, participaram no 18 de Janeiro e muitos lá morrem.
APÓS O 25 DE ABRIL
Depois da
Revolução de 25 de Abril, apesar da explosão de
conflitos sociais em 1974/75, foi necessário esperar por 1982,
para se voltar a falar de greve geral.
Em 12 de Fevereiro de
1982, em protesto contra o primeiro Governo de direita após a
Revolução de Abril, presidido por Francisco Pinto
Balsemão, é convocada uma greve geral, pela
CGTP-Intersindical e sem a adesão da UGT. Decorre sob a
palavra de ordem "Uma só solução, AD fora do
Governo", exigindo a demissão do Governo da Aliança
Democrática (coligação dos partidos de direita,
PPD, CDS e PPM). Aderiram um milhão e meio de trabalhadores,
segundo fontes sindicais.
Três meses depois,
em 11 de Maio, é convocada nova greve geral pela CGTP-IN, em
protesto contra a morte de dois operários, vítimas de
uma acção policial, no dia 1º de Maio. Tudo se
passou no Porto, quando a CGTP-IN pretendeu comemorar a data na Praça
da Liberdade, foi proibida pelo Governo Civil que ordenou uma acção
da Corpo de Intervenção da PSP. Os incidentes
prolongaram-se por várias horas e deles resultaram dois
mortos, causados pela acção policial. Face a esta
atitude repressiva, a resposta do movimento sindical foi a convocação
de uma greve geral de protesto.
A 28 de Março de
1988, durante o Governo de Cavaco Silva, foi convocada outra greve
geral. Tratava-se de um protesto que primordialmente se dirigia
contra o "Pacote Laboral" que visava enfraquecer os direitos dos
trabalhadores, facilitar os despedimentos e o trabalho precário.
Esta greve geral teve a particularidade de reunir a CGTP e a UGT na
luta contra o "cavaquismo".
Em 10 de Dezembro de
2002, nos anos da coligação PSD/CDS-PP, encabeçada
por Durão Barroso, foi convocada nova greve geral. Visando
agora protestar contra o aumento do desemprego, a instabilidade dos
vínculos laborais e a destruição dos serviços
públicos, a greve foi convocada pela CGTP e não contou
com a adesão da UGT.
Álvaro Arranja