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Fórum Social Mundial começa esta terça-feira

O diálogo dos povos da Amazónia com o Mundo é um dos objectivos do Fórum Social MundialComeça esta terça feira o Forum Social Mundial, em Belém do Pará, cidade pobre junto à selva amazónica onde se esperam mais de cem mil participantes, mais de dois mil painéis e seminários de discussão e mais de mil jornalistas de todo o mundo.

Reportagem a partir do Brasil, de João Romão para o Esquerda.net.

Tudo parece excessivo para a cidade: há pessoas instaladas em barcos ou casas particulares, com condições que estavam muito longe do que imaginaram quando fizeram as marcações, com meses de antecedência mas a milhares de quilómetros de distância. Os jovens que optaram pelo acampamento têm que enfrentar as chuvas, curtas mas torrenciais, da região tropical. A delegação da rede Transform, onde estou integrado, está alojada nas confortáveis instalações de uma comunidade religiosa que se dedica à educação popular, mas a cerca de 50 kms da cidade.

Dizem os habitantes de Belém que a cidade está diferente esta semana: a polícia foi visivelmente reforçada e vigia os locais onde se realiza o Fórum, o centro da cidade e os seus principais acessos. São frequentes as operações stop a automóveis, e até autocarros, para revistar os seus ocupantes. As Universidades que concentram a maior parte das actividades do FSM ficam numa zona periférica de Belém, de casas precárias e pobres, onde a polícia controla a habitual insegurança. É muito raro encontrar alguém que fale inglês ou francês nas lojas ou nos restaurantes, quando a cidade está repleta de cidadãos de todo o mundo. Sempre que tiro uma fotografia, mesmo dentro de um autocarro público, há alguém que me alerta para os perigos de exibir uma máquina fotográfica.

Nas ruas de Belém encontram-se carroças puxadas por burros, muito magros, ou por homens, que transportam frutas, pneus, caixas de cartão ou grades com garrafas vazias. À noite, muitas ruas estão ocupadas pela prostituição, feminina, masculina ou transexual e os táxis evitam parar nos sinais vermelhos. O povo tem os estômagos inchados pela má nutrição, feita de muito arroz, massa, feijão e farinha de mandioca.

Para o padrão europeu, e mesmo para o português, o peixe frito (muito fresco), as variadas e maravilhosas frutas, como o açai, e até o típico e delicioso pato com molho tucupi, têm preços francamente acessíveis. Na sua pobreza, o povo de Belém mostra o seu contentamento por ver tantos visitantes na sua cidade, apesar das manifestas dificuldades de comunicação.

Mesmo antes do início do FSM, diversas iniciativas estão a decorrer na cidade. A rede Transform é uma das promotoras do Fórum Mundial Ciência e Democracia, que pretende lançar um projecto que possa ser incluído na próxima edição do Forum Social Mundial. No debate a que assisti, sobre "Formas Emergentes de Luta pela Democratização da Ciência", discutiu-se a forma como o capital está a tomar conta da evolução científica, através do controle dos resultados da sua produção (registo de patentes, legislação sobre propriedade intelectual) e dos meios para a sua realização (através dos "donativos" ou financiamentos a laboratórios públicos): no capitalismo cognitivo, a ciência passou a ter intervenção directa na criação de valor e a inovação substituiu a reprodução do capital.

Mas a inovação também tem aberto caminhos para novas formas de activismo e a diversidade da investigação pode ser uma arma contra o controle do conhecimento. Os programas de educação massificada de adultos realizados na Índia ao longo de todo o século XX, com definição de programas de pesquisa científica adequadas aos problemas concretos da população e valorizadores dos conhecimentos tradicionais (na alimentação, produção agrícola ou gestão da água, por exemplo) constituem um caminho para que a ciência responda mais eficazmente às necessidades sociais. Os xamãs da Amazónia também têm procurado novas formas de investigação, em que a ciência acrescenta conhecimento ao que os povos indígenas já produziam.

Esta abordagem rejeita a categorização positivista, propondo o estudo da socio-diversidade contra o da bio-diversidade (que ignora as relações sociais) e rejeita a ideia do "participatismo", em que o conhecimento tradicional é convocado a dar contributos parcelares à ciência: na realidade, deve ser a investigação científica a reforçar o conhecimento que os povos indígenas da Amazónia (onde se falam 180 línguas) produzem sobre as suas próprias condições de vida.

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