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EUA: Plutocratas 1, Trabalhadores 0

Obama esperançaPassados os primeiros cem dias de Obama, por favor tente fazer este exercício mental: subtraia o carisma ao Presidente e veja o que resta em Washington. Clinton III, com os seus compromissos fundamentais perante a Goldman Sachs, a Citicorp e (agora) a Google.
Por Mike Davis, publicado no Socialist Worker

É tempo de voltar a arrumar a esperança na arca dos sonhos e voltar a esgrimir a raiva de classe. Tendo assumido o leme a meio do furacão, Obama está resolutamente a dirigir o navio do estado para a mesma rota catastrófica que o seu predecessor. Uma viragem à esquerda pode ser uma tendência real no eleitorado, mas é ilusória ou pior ao nível do império e da macroeconomia.

Fiel à sua promessa de campanha, o novo presidente está a ampliar a guerra suja da NATO do Afeganistão para além do Passo de Khaiber, com o risco claro de iniciar um conflito civil de incalculável poder de destruição no interior do Paquistão que pode, em última instância, provocar um confronto nuclear com a Índia.

De acordo com qualquer padrão realista, este é um retomar do aventureirismo da era de Bush, não a sua liquidação progressiva, como alguns antigos activistas antiguerra parecem crer. Como todos sabemos, o "realismo" neo-Kissingeriano que a vitória de Obama restituiu ao poder do Departamento de Estado e do Pentágono é a mesma "política de força" que bombardeou Hanói e Belgrado.

A nova administração, além disso, ratificou e consolidou o golpe de estado do último Outono no Departamento do Tesouro e na Reserva Federal. Como alguns colunistas não-radicais da imprensa financeira enfatizaram repetidamente, esta não é só a maior transferência de riqueza (das pessoas para os obrigacionistas bancários) na história dos Estados Unidos, mas também o mais surpreendente roubo do poder do Estado feito por um grupo de interesse económico. Summers, Bernanke, Geithner, Furman, Rattner... o que são eles, se não o muito caricaturado "comité executivo da burguesia"?

É certo que a chamada lei-estímulo contém algum alívio humano e urgente, mas é demasiado frugal para deter o colapso dos orçamentos locais e dos Estados, quanto mais para provocar a retomada da economia mundial. Além disso, os mega-salvamentos acabarão por sugar todo o oxigénio keynesiano da atmosfera e asfixiar os gastos federais necessários às pessoas.

Obama não está apenas, como Roosevelt, a tentar salvar o capitalismo, mas a prioridade axial da sua nova administração (cf. Gordon Brown) é o salvamento da finança globalizada. (O New Deal, por exemplo, tomou o partido da indústria de produção em massa contra os bancos, especialmente a House of Morgan.)

Claro que as indústrias tecnológicas também figuram proeminentemente na agenda da Casa Branca (as iniciativas verdes são, na verdade, política industrial para Silicon Valley e Puget Sound), mas o que poderia ser mais emblemático do neoliberalismo do que a ausência de qualquer plano democrata destinado a salvar postos de trabalho na indústria?

Muitos progressistas, naturalmente, condenarão esta opinião como sendo demasiado apressada e simplista, ignorando o complexo de forças que actuam na Casa Branca, bem como outros itens mais agradáveis no seu balanço inicial: cuidados de saúde para as crianças, o fecho de prisões da CIA (façam figas), a nomeação de Hilda Solis, reformas regulamentares, a expansão de áreas naturais selvagens protegidas federalmente e por aí adiante. Também apontarão as promessas de cuidados de saúde nacionais, o regresso dos EUA ao processo de Quioto, a lei do trabalho e as reformas na imigração, e novas nomeações para os tribunais federais.

Mas a visão mais realista - tirando um aumento épico de mobilização popular - é a de que o Employee Free Choice Act (Acto de Livre Escolha do Empregado) será derrotado ou castrado, enquanto que a reforma na imigração estará morta à partida, graças à ala nativista dos Democratas. Rahm Emmanuel tem dado a entender isto mesmo em entrevistas recentes.

Do mesmo modo, a Casa Branca indica que há muito espaço para negociação com as Organizações de Manutenção de Saúde (HM0s no original) para um acordo barato que preserve os seus lucros e o seu papel fundamental em manter os Americanos pobres doentes. Limitar e negociar (cap and trade no original), por seu lado, é uma abordagem insolvente ao aquecimento global que apenas se tornará mais irrelevante se Obama conseguir adiar os objectivos de mitigação global de 2020 para 2050.

O sistema, de qualquer forna condenado, tem-se adaptado confortavelmente a um vácuo de protesto social de larga escala, e como resultado, os Cem Dias de Obama são um desastre histórico, não uma vitória defeituosa, para uma agenda progressista. Longe de aumentar o nível de activismo, a consolidação da vitória de Obama desmobilizou a luta, mesmo nas ruas de Detroit.

Sim, talvez eu seja um anarquista delirante. Mas por favor tente fazer este exercício mental: subtraia o carisma ao Presidente e veja o que resta em Washington. Clinton III, com os seus compromissos fundamentais perante a Goldman Sachs, a Citicorp e (agora) a Google. Não odeia isto?

24 de Abril de 2009

Tradução de Rui Maio

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