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A era Clinton, segunda parte?

Obama-Clinton. Fotomontagem de azrainman, FlickRAlém da nomeação de Hillary Clinton, Obama parece estar a fazer o que a própria Clinton tinha planeado se tivesse ganho as eleições - restaurar a presidência de Bill Clinton em Washington. Praticamente cada posto principal na administração Obama está associado a um rosto da Casa Branca de Clinton dos anos 1990.

Por Lance Selfa, do Socialist Worker

 

O presidente eleito Barack Obama fundamentou a sua campanha na promessa de trazer " mudança" para Washington. Ao vencer Hillary Clinton nas primárias Democratas, mostrou que a sua opinião de oposição à invasão do Iraque superava "a experiência" de Clinton, enquanto íntima de Washington, que apoiou a guerra.

Aparentemente, antes era assim.

Mas hoje, quando Obama se prepara para nomear Clinton para ser a sua secretária de Estado, parece que a postura de Obama contra Clinton foi a conversa fiada de uma campanha bem orquestrada, mas que não significava nada.

Além da nomeação de Hillary Clinton, Obama parece estar a fazer o que a própria Clinton tinha planeado se tivesse ganho as eleições - restaurar a presidência de Bill Clinton em Washington.

Praticamente cada posto principal na administração Obama está associado a um rosto da Casa Branca de Clinton dos anos 1990. Rahm Emanuel, frequentemente chamado conselheiro de Clinton, será o chefe de gabinete da Casa Branca de Obama. Espera-se que Bill Richardson, embaixador da ONU de Clinton e secretário da energia, seja nomeado secretário do Comércio. O secretário do Tesouro de Clinton Lawrence Summers encabeçará o Conselho Económico Nacional de Obama. O advogado de Clinton e funcionário do Departamento de Justiça Eric Holder é, segundo as notícias, a escolha de Obama para secretário da Justiça. E a lista continua.

Possivelmente a maior não-mudança estará na arena da política estrangeira, onde permanece a especulação de que Robert Gates, o secretário da Defesa de George W. Bush, vai conservar a sua posição pelo menos nos primeiros meses e anos de uma administração Obama. A equipa principal de transição de Obama em questões de serviços de informações é liderada por John Brennan, um oficial da CIA que trabalhou sob as ordens de George Tenet, antigo director da agência na era de Bill Clinton e George W. Bush, que esteve implicado em todos dos horrores da agência, desde a tortura na Baía de Guantánamo até às "capturas extraordinárias" [de suspeitos de terrorismo no exterior, feitas por agentes americanos].

A lista dos falcões da guerra do Iraque que irão rodear o Obama, opositor à guerra do Iraque, não pode certamente constituir uma mudança para alguém que votou pensando que Obama acabaria com a guerra. Sam Husseini, do Instituto de vigilância dos meios de comunicação para a Exactidão Pública, disse ao Times de Los Angeles: "É assombroso que nem um dos 23 senadores, ou dos 133 deputados que votaram contra a guerra faz parte do elenco".

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O que podemos perceber disto tudo? Obama foi simplesmente uma grande operação de simulação?

Apesar da sua retórica elevada e da crítica acérrima à administração de Bush, Obama cingiu-se a uma lista discreta e bem concebida de políticas que disse que implementaria se fosse eleito. Apesar de as pessoas terem razão em pressioná-lo para agir no sentido das suas expectativas de mudança, Obama sempre se posicionou aquém dessas altas expectativas.

Assim, por exemplo, num debate com John McCain, Obama disse que considerava que os cuidados de saúde eram um direito de todos os Americanos. Contudo, o plano de cuidados de saúde que pretende oferecer fica aquém do elevado objectivo.

Todos os que acreditaram nas palavras de Obama têm razão de se sentir preocupados - se não ultrajados - pelo número de personagens da era de Clinton e íntimos de Washington que estão a aparecer na sua administração. Mas isto não significa que a administração Obama irá ser uma reprodução dos anos Clinton.

A orientação política de Clinton - chamamo-la "clintonismo" - foi forjada nos anos 1980, um período de três derrotas consecutivas dos Democratas para as eleições presidenciais nas mãos dos Republicanos Reagan-Bush. Para uma parte dos Democratas conservadores, a prioridade estratégica superior "reorientava" os democratas a tornarem-se competitivos para apoiar os grandes negócios.

No poder, o «clintonismo» tornou-se sinónimo de comércio livre globalizante, dos mais baixos níveis de despesas governamentais desde a administração Eisenhower, e do que foi conhecido como as micro-iniciativas - desde créditos fiscais do ensino à licença médica não paga - para ir ao encontro dos problemas sociais.

Tudo isso pareceu funcionar num ambiente em que o conservadorismo procurava ser a principal força política - ao qual o liberalismo teria de cortar as asas.

Mas a administração Bush deixou um tal desastre que até os sectores importantes do grande negócio estão a promover um ressurgimento democrata. E, no dia 4 de Novembro, os eleitores fartos da guerra no Iraque e da crise económica deram aos democratas um mandato claro para ir numa nova direcção.

A "triangulação" clintoniana e as micro-iniciativas já não são uma opção, e nem o grande negócio quer isso. O principal conselheiro de Obama, David Axelrod, disse ao Times de Nova Iorque: "Não vivemos num tempo que permita o incrementalismo. O objectivo [de Obama] é formar um consenso bipartidário. Não penso que o objectivo seja mais importante do que a obtenção de um resultado."

O grande negócio sabe que enfrenta uma crise com proporções históricas, e a única solução possível de que precisa é a acção concertada do governo. É por isso que as panaceias neoliberais dos anos 1990 - muitas das quais se tornaram sinónimos da orientação da administração de Clinton - nem estão a ser consideradas como sendo hoje as favoritas.

É interessante observar que o secretário de Tesouro de Obama, Timothy Geithner, foi um funcionário público competente que essencialmente executou a política dos outros. Sob a administração Obama, parece determinado em executar as políticas do seu chefe, Obama, e Summers, actuando como dirigente da política económica no Conselho Económico Nacional.

Embora Summers seja um Clinton recauchutado, implicado em todas as politicas neoliberais e desregradas daqueles anos, durante mais de um ano alertou para a extensão da crise económica e pediu a recapitalização dos bancos, a regulação do sector financeiro e o estímulo maciço do governo para prevenir uma queda brusca mais profunda.

Tal como Robert Borosage, da Campanha liberal para o Futuro da América, o apresenta: "A era do grande governo acabou". Na crise, como Richard Nixon uma vez disse, "agora somos todos keynesianos." Os antigos Secretários do Tesouro de Clinton Robert Rubin e Lawrence Summers, falcões do défice, até há pouco notáveis, agora pedem um incentivo fiscal substancial - gastos federais consolidados pelo défice - para alimentar a economia.

A julgar pelo grande recrudescimento de Wall Street que acompanhou a informação de Obama de 21 de Novembro sobre a escolha iminente de Geithner, parece que o grande negócio concorda com Summers.

Uma última diferença distingue os anos Obama e os anos Clinton - e esta leva-nos fora do reino da política manca.

Para milhões de americanos, a eleição de Obama reflectiu um despertar político. Eles votaram "para a mudança", e sentem que estão a nadar com a corrente da história.

De muitas e variadas maneiras, durante os próximos anos, as pessoas normais - como as que se mobilizam para a igualdade do matrimónio ao ser aprovada a Proposta 8 da Califórnia - pressionarão a administração para agir. E até as personalidades da era Clinton terão de permanecer atentas a isto.

Agradecimentos a Joel Geier pelas suas informações sobre a emergente equipa económica de Obama.

Lance Selfa é autor de «Os Democratas: uma História Crítica», uma análise socialista do Partido Democrata, e editor de «A Luta da Palestina», uma colectânea de ensaios dos principais activistas da solidariedade. Integra o conselho editorial da Revista Internacional Socialista.

25 de Novembro de 2008

Tradução de Ana da Palma

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