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Diário de Copenhaga: Abertura do Klimaforum

Clique para ampliar. Naomi Klein discursou na abertura do Klimaforum. Foto Ricardo Coelho Dia Zero – O Fórum pelo Clima começa com apelo à acção de Naomi Klein. Artigo de Ricardo Coelho, em Copenhaga.

 

À chegada a Copenhaga sou invadido por propaganda. Empresas de automóveis, petrolíferas, produtoras de energia, todas tentam compensar a sua falta de acção sobre as alterações climáticas com publicidade. Nos bastidores, contudo, os grandes poluidores continuam o seu trabalho de lobbying para garantir que os seus privilégios são mantidos e que nenhuma acção que ponha em causa os seus lucros é aprovada.

A Cimeira de Copenhaga será o 15º Encontro das Partes, na sequência de um processo que remonta à cimeira do Rio, em 1992, e que pretende juntar os governos mundiais na ratificação de acordos internacionais para travar as alterações climáticas. O Protocolo de Quioto, actualmente em vigor, remonta já a 1997 e deixará de estar em vigor em 2012. Esta cimeira é portanto decisiva para saber o que sucederá a Quioto, sabendo que este primeiro acordo impõe metas de redução de emissões muito aquém do que a ciência nos diz que é necessário.

Ao longo dos últimos meses, o tom dos representantes da ONU e dos governos mundiais relativamente a esta cimeira foi de dramatismo. Falou-se em “última oportunidade” e em “agora ou nunca”. Mas o tom mudou subitamente nos últimos tempos. Tendo-se tornado evidente que nenhum acordo vinculativo será assinado nesta cimeira, dada a oposição dos países industrializados, a mensagem é agora “teremos outras oportunidades, lá chegaremos”. Três décadas depois de se tornar óbvio que estávamos numa caminho que nos iria levar a um clima muito mais agreste que os humanos conheceram desde que surgiram na terra, continuamos na estaca zero.

Do outro lado da barricada, movimentos sociais procuram soluções para as alterações climáticas que sejam tão eficazes quanto justas para os mais pobres do planeta, que são os mais afectados pela crise que decorre da nossa dependência dos combustíveis fósseis. Estes movimentos convergirão até ao fim da cimeira oficial no Klima Forum, uma cimeira internacional onde se encontram milhares de activistas de todo o mundo.

Neste “Fórum Social Ecologista” podemos encontrar ONG's ecologistas, de direitos humanos, de agricultores, de indígenas e religiosas, todas unidas na defesa da justiça climática. Um jornal produzido para o efeito, o Climate Chronicle, apresenta a cada dois dias excelentes artigos escritos por activistas (primeiro número disponível aqui ).

O começo do Klima Forum é marcado por um excelente concerto de Lisbeth Diers e os Chime Transform, que apresenta como principal atracção instrumentos de percussão feitos com gelo por uma escultora sueca. À medida que o concerto progride o gelo derrete, lembrando-nos da urgência de travar o aquecimento do planeta. A música continua com os Bimbache openART project, uma banda de world music da ilha de El Hierro. Esta ilha, a mais pequena das Canárias, foi palco de importantes mobilizações de movimentos ecologistas locais e vai conseguir satisfazer 100% das suas necessidades energéticas com energias renováveis no espaço de dois a três anos.

Segue-se o inspirador discurso de Naomi Klein, que compara o actual movimento pela justiça climática com o movimento alterglobalização nascido com os protestos de Seattle há dez anos atrás. Tal como nessa altura não era fácil por em causa o sistema capitalista, também não é fácil por hoje em causa as políticas de mercado para problemas ambientais. Mas difícil não é o mesmo que impossível, como as grandes mobilizações de Seattle e Copenhaga o mostram.

Naomi ironizou com o o facto de, desde Quioto, o combate às alterações climáticas dependa do mercado de carbono, um instrumento criado e gerido pelos mesmos especuladores e instituições que estão na raiz da recente crise financeira, da explosão das “dotcom” e de outros escândalos semelhantes. Continuando num tom sarcástico, definiu acordo internacional como um acordo feito por negociadores que se encontram numa sala escura e combinam não se chatearem mutuamente. Mais que palmadinhas nas costas, precisamos de acção real e isso consegue-se nas ruas.

Um exemplo de mobilização recente pela justiça climática é o dos protestos anti-OMC, assinalou a autora de “No Logo”. As políticas de livre comércio seguidas pela OMC têm conduzido os países aderentes a uma trajectória de crescimento extremamente intensiva em carbono. Por outro lado, o acordo TRIPS impede a transferência de tecnologias limpas para o Sul global, tal como impede a disseminação dos medicamentos contra a SIDA. Tudo para preservar os lucros das grandes corporações.

A escritora passou então à defesa da proposta boliviana de integração do conceito de dívida ecológica em futuros tratados internacionais sobre o clima. Os países industrializados contribuíram com 70% das emissões de gases com efeito de estufa até hoje, mas 75% das consequências das alterações climáticas são sentidas em países menos desenvolvidos. Daqui decorre que os países do Norte devem reduzir drasticamente as suas emissões, de forma a libertar espaço atmosférico para que os países do Sul possam desenvolver-se, ao mesmo tempo que devem financiar a adaptação às alterações climáticas nos países mais atingidos. Um “Plano Marshall verde” concebido segundo estes princípios teria o duplo objectivo de acabar com a dependência dos combustíveis fósseis e de combater as desigualdades sociais.

O ponto mais quente do discurso foi deixado para o fim. Naomi Klein caracterizou como uma enorme traição o que se passa no Bella Center (onde decorrem as negociações). Particularmente grave é a traição de Obama, quer para com os seus eleitores, quer para com as pessoas que, em todo o mundo, nele depositaram esperança. O seu governo teve a oportunidade para mudar o sistema financeiro, uma vez que o teve sob o seu controle. Teve a oportunidade para investir na descarbonização dos EUA mas optou por aplicar os dinheiros públicos do programa de combate à crise em auto-estradas e outras infra-estruturas que agravam a dependência face aos combustíveis fósseis.

Perante tudo isto, temos o direito e a responsabilidade de estarmos furiosos. A desobediência civil é a melhor forma de mostrar ao mundo o quanto nos importamos com este sério problema. Se hoje o mundo está como está, é porque houve demasiados actos de obediência.

Naomi Klein finalizou falando da nossa responsabilidade para compensarmos as emissões que causamos nas nossas deslocações para Copenhaga. A melhor forma de o fazermos é afrontando os líderes políticos que nos levaram a este desastre. Isso sim, é compensação de emissões.

Depois de uma enorme ovação, saímos do Klima Forum cheios de vontade de participar nas dezenas de acções que vão preencher Copenhaga. Nos próximos dias continuarei a dar notícias sobre o que se passa aqui.

 

Leia aqui todas as edições do Diário de Copenhaga, por Ricardo Coelho.

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