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A cimeira atómica de Washington

A conferência que reúne em Washington 47 chefes de Estado e de governo de todo o mundo é o epílogo da primeira fase de afirmação da doutrina nuclear da administração de Barack Obama, considerada a nova versão norte-americana do conceito de “guerra contra o terrorismo”.

A cimeira atómica de WashingtonA conferência que reúne em Washington 47 chefes de Estado e de governo de todo o mundo é o epílogo da primeira fase de afirmação da doutrina nuclear da administração de Barack Obama, considerada a nova versão norte-americana do conceito de “guerra contra o terrorismo”.

A fase seguinte é a renegociação do tratado de não proliferação nuclear (TNP, de 1970), através da qual, segundo os analistas do Pentágono, os Estados Unidos procurarão consolidar a sua situação de domínio mundial no panorama nuclear militar. É a maior conferência de chefes de Estado e de governo promovida em território norte-americano desde a cimeira de 1945 em São Francisco e que viria a dar origem às Nações Unidas.

A Administração de Barack Obama organizou-a a partir da constatação de que a curto, médio e longo prazo, “a maior ameaça à segurança dos Estados Unidos” pode partir de uma organização terrorista dotada de capacidades militares nucleares, pelo que será necessário que os países e instituições mundiais se organizem no sentido do desarmamento e do controlo da proliferação nuclear.

O comunicado final já não é segredo mesmo antes de anunciado oficialmente, uma vez que correu pelos participantes muito antes de se juntarem em Washington. Apela a uma liquidação da produção e armazenamento de plutónio e urânio altamente enriquecido, o reforço das medidas de segurança dos stocks nacionais de combustíveis nucleares a desenvolver nos próximos quatro anos, e a abdicação voluntária desses materiais por vários países.

Como resultados imediatos da conferência, a Ucrânia anunciou que vai prescindir dos seus stocks de combustíveis nucleares. A China pode ter dado mais um passo na aproximação ao conceito de sanções norte-americanas contra o Irão, embora não tenha ficado claro até onde Pequim possa ir.

Ainda durante a fase de organização da conferência ficou claro que entre os objectivos a atingir figura o isolamento do Irão, devido ao seu alegado programa nuclear militar, e da Coreia do Norte, país acusado de traficar mísseis e combustível nuclear. A Síria não foi convidada, apesar do recente desanuviamento das relações com os Estados Unidos.

O Irão e a Síria são subscritores do Tratado de Não Proliferação Nuclear e recebem actualmente nos seus territórios equipas de inspecção da Agência Internacional de Energia Atómica. A Coreia do Norte também subscreveu o TNP mas abandonou-o em 2006.

Entre os convidados por Barack Obama estão, por outro lado, países que não subscrevem o TNP ou que abertamente violam o tratado, como é o caso de Israel, Índia e Paquistão. Os dois países asiáticos fazem-se representar ao nível de primeiro ministro e realizam cimeiras bilaterais com o presidente norte-americano; Benjamin Netanyahu decidiu no último momento não se deslocar a Washington, em primeiro lugar porque as suas relações com Obama não são actualmente as melhores e também porque receou o facto de os países árabes colocarem sobre a mesa a questão do volumoso arsenal nuclear israelita, que oficialmente “não existe” mas é o único no Médio Oriente. Entre as questões nucleares que também não foram integradas na agenda da importante conferência, intimamente relacionadas com os desejos manifestados de desarmamento, figuram outras situações candentes: o facto de os Estados e a Rússia terem 95 por cento dos arsenais nucleares mundiais e de a recente renovação do acordo START ter produzido apenas promessas de reduções ínfimas; os poderosos arsenais nucleares de França, Reino Unido e China; a presença de armas atómicas nos territórios da Bélgica, Holanda e Alemanha, podendo ser usadas por estes países apesar de serem nominalmente norte-americanas.

Segundo as estimativas reveladas por especialistas e cientistas a propósito da conferência, os 47 países presentes armazenam globalmente 2100 toneladas de combustível nuclear, que pode ser usado no fabrico de 120 mil bombas atómicas, que chegam e sobejam para destruir muitas vezes o planeta.

Os conteúdos da conferência permitiram desde já conhecer algumas das medidas que os Estados Unidos tentarão, com elevada percentagem de êxito, integrar no renovado Tratado de Não Proliferação Nuclear. Uma delas é a criação de mecanismos para a realização de inspecções mais intrusivas sobre alegadas actividades nucleares a cargo da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), progressivamente mais identificada com os interesses estratégicos de Washington; outra das medidas tem como objectivo impedir que alguns países possam ter acesso ao ciclo completo da cadeia nuclear, ainda que para fins civis.

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Artigo publicado no portal do Bloco no Parlamento Europeu

Termos relacionados Energia nuclear, Internacional