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Amazónia, património de todos
Depois da gigantesca Marcha que assinalou o arranque do Fórum Social Mundial, começaram na quarta-feira as mais de duas mil sessões de debate que compõem o seu programa, distribuídas por grandes grupos temáticos que assinalam as grandes reivindicações dos movimentos sociais do planeta.
Texto de João Romão e foto de Renato Soeiro, de Belém do Pará, Brasil, para o Esquerda.net
Estes objectivos agregadores passam pela exigência da Paz e o combate ao militarismo, pelo combate a todas as formas de discriminação, pela defesa da auto-determinação e dos direitos dos povos, pela defesa da natureza e dos ecossistemas ou de uma economia democratizada, emancipatória, sustentável e solidária. As discussões em torno da democracia económica e social dividem-se em seis grandes temas, que incluem a libertação do mundo do domínio do capital, o acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza, a democratização do conhecimento, cultura e comunicação, a defesa dos direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego, trabalho digno e comunicação, a construção e ampliação de estruturas e instituições políticas e económicas democráticas e participadas.
A crise económica mundial e a defesa da Amazónia acabam por ser os dois tópicos de discussão predominantes, num Fórum onde nada funciona facilmente: o calor húmido tropical faz toda a gente transpirar desde as oito da manhã, os congestionados acessos aos vários locais onde há actividades obrigam a demorar horas para se chegar e a fraca informação sobre os locais dos debates obrigam os participantes a uma penosa circulação pelo recinto. Em compensação, as iguarias amazónicas deliciam os participantes (hoje arrisquei o tacapá, uma espécie de sopa viscosa que recusaria noutras circunstâncias e evito descrever com mais pormenores) e todos os dias se conhecem novos sumos de frutos amazónicos (provei hoje os maravilhosos cupuaçu e tabereba).
O primeiro dia de debates foi especialmente dedicado à Amazónia, cuja defesa e valorização é assumida por largas dezenas de organizações. A defesa do ecossistema amazónico e da sua bio-diversidade é apenas uma das componentes dessas reivindicações, que também incluem a defesa dos serviços públicos ou o direito à saúde, à educação ou à protecção social. O conceito de socio-diversidade tvai ganhando centralidade nos debates, cada vez mais preocupados com a defesa dos saberes tradicionais, o conhecimento sobre os recursos e a sua utilização, que foram estruturando a vida social na Amazónia e que são cada vez mais objecto de apropriação privada, facilitada pelos complexos mecanismos de protecção da propriedade intelectual e industrial, controlados pelas grandes empresas e longe das modos de vida das populações indígenas.
Uma activista da Amazónia equatoriana sintetizou o problena desta evidente usurpação, num debate sobre bio-pirataria: «não entendemos como uma coisa que utilizamos durante gerações se torna de repente propriedade privada e não a podemos usar mais». De facto, a utilização de milhares de plantas amazónicas tem vindo a ser patenteada por grandes empresas, sobretudo dos Estados Unidos. Os produtos obtidos são vendidos massificadamente sem qualauer benefício para as populações que realmente desenvolveram a sua utilização.
Perto de Belém do Pará, a cidade de Icoaraci é conhecida como o centro da produção artesanal das cerâmicas tradicionais amazónicas. É uma cidade de uma miséria profunda, de casas construídas com precárias estruturas de cimento e madeira, onde poucas vezes se usam tintas e os esgotos escorrem pelas ruas mal cheirosas. O saneamento básico cobre cerca de 10% das residëncias de Belém e no resto do Estado do Pará o valor é ainda mais baixo. O Fórum Social Mundial está a decorrer num dos lugares mais pobres do planeta.