You are here
A Alemanha e a Europa do futuro
O modelo de desenvolvimento que tem feito da Alemanha nestes últimos anos o maior exportador mundial assenta no progressivo empobrecimento da população. Por João Alexandrino Fernandes, de Tübingen, Alemanha, para o Esquerda.net
Em notícia publicada no passado dia 15.03.2010 o Die Zeit fazia a seguinte pergunta: Terá a economia alemã nestes últimos anos crescido à custa de outros países da União Europeia?
Esta pergunta reproduzia a censura feita à Alemanha pela ministra das finanças da França, Christine Lagarde, que exige que a Alemanha faça mais pela sua própria procura interna.
Ainda segundo o Die Zeit, as razões para a crítica são que as exportações alemãs cresceram significativamente nos últimos anos graças a uma política de contenção salarial massiva, tendo como efeito que os produtos alemães se tivessem tornado mais baratos no estrangeiro e, portanto, mais competitivos. Por outro lado, a Alemanha realiza o seu superavit em exportações sobretudo na zona Euro. Esta preferência, e o enfraquecimento da procura interna, é um facto que já repetidamente fora apontado por economistas de esquerda. E, acrescendo ainda a esta política, anteriormente era possível através dos mecanismos cambiais compensar desequilíbrios. Com a moeda única, este instrumento deixou de existir. Um dos países atingidos foi precisamente a Grécia.
Porém, a crítica da ministra francesa tem ainda um outro fundamento. Existe um acordo formal de cooperação entre a França e a Alemanha, a Agenda 20201 , tendo em vista a direcção conjunta da União Europeia, usando para tal os mecanismos de decisão do Tratado de Lisboa. Segundo diz a senhora Lagarde, "um tango tem que ser dançado por dois", dando a entender que a França não pretende, ou não pode (fica-se sem saber a razão última da ministra francesa), acompanhar o curso da política económica da Alemanha. Por isso diz a sra. Lagarde que a Alemanha se deve voltar mais para a sua procura interna, o que significa que, na sua perspectiva, a Alemanha não pode continuar a favorecer as suas exportações mediante a enorme pressão sobre os salários dos trabalhadores, retirando o poder de compra aos seus nacionais e aumentando a precariedade laboral.
Ora, independentemente dos motivos que tenham levado a sra. Lagarde a fazer esta crítica, sempre se pode dizer que, objectivamente, o que a ministra francesa afirma é correcto. O modelo de desenvolvimento que tem feito da Alemanha nestes últimos anos o maior exportador mundial assenta no progressivo empobrecimento da população, na agudização das desigualdades sociais, na restrição de direitos dos trabalhadores e na assunção pelo Estado de uma parte dos custos salariais das empresas, através de apoios sociais variados, que no fundo mais não fazem do que remeter para o sector público a responsabilidade por aquilo que as empresas deixam de pagar aos trabalhadores, para poderem exportar nas quantidades e condições que lhes interessam. Não é nenhuma novidade, é uma orientação política assumida, que tem vindo a ser concretizada consequentemente há vários e que, como já aqui noutra ocasião referimos, citando o teólogo alemão Eugen Drewermann2, faz com que 10% da população detenha nas mãos mais bens do que 60% da restante, que mais de dois milhões de crianças cresçam na pobreza, e que cerca de 15 milhões de pessoas, com as prestações sociais no desemprego, com a ajuda social e com as pensões mínimas, não saibam como hão-de viver ou morrer.
Será este o modelo de desenvolvimento que se quer para a Europa?
Por um lado, do ponto de vista da imprensa, do governo da Alemanha e dos exportadores alemães, é uma orientação de política económica que não pode ser posta em causa: os outros países é que deveriam ter seguido o mesmo exemplo, e, se o não conseguiram ou não quiseram, não devem agora queixar-se e exigir que a Alemanha regrida. Os que ainda quiserem, façam o mesmo, os outros não têm que se lamentar. E por outro lado, apesar das declarações da ministra Lagarde, não é provável que a França se desligue da Agenda 2020, por divergências insanáveis com a política económica da Alemanha.
A neo-reproletarização da Europa está em curso, feita no interesse das oligarquias dos seus Estados mais poderosos. A antiga CEE do Tratado de Roma, aquela promessa optimista de um futuro comum dos povos, em paz, democracia e prosperidade, acabou. Está enterrada debaixo desta Europa do futuro e do Tratado de Lisboa.
Fontes: „Deutscher Export-Nachbarn beklagen niedrige Löhne in Deutschland" em Die Zeit, edição online de 15.03.10, http://www.zeit.de/wirtschaft/2010-03/exporte-Frankreich ; Marc Beise, „Wirtschaftsmacht Deutschland - Zum Tango gehören zwei - die tanzen können",em Süddeutsche Zeitung, edição online de 16.03.2010, www.sueddeutsche.de
1 Deutsch-Französiche Agenda 2020. Pode ser consultada em REGIERUNGonline-Deutsch-Französische Agenda 2020, www.bundesregierung.de
2 Eugen Drewermann, "Alemanha: Como se estivéssemos no país dos sonhos", em www.esquerda.net, de 24.11.08.