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“A Nacionalização dos bancos é a única solução”, diz Stiglitz

Separar propriedade e controlo dos bancos é o caminho para o desastre. Stiglitz. Foto apesphere/FlickrNuma entrevista ao jornal alemão Deutsche Velle, o Nobel da economia Joseph Stiglitz fala da nacionalização dos bancos, do futuro dos países em desenvolvimento e da necessidade da criação de uma entidade reguladora financeira internacional.

 

Joseph Stiglitz venceu o Nobel da economia em 2001. Sob a presidência de Bill Clinton, Stiglitz trabalhou como presidente do conselho de assessores económicos entre 1995 e 1997. Foi o economista responsável no Banco Mundial entre 1997 e 2000, e foi o autor do relatório intergovernamental sobre as alterações climáticas, que viria a partilhar também o Nobel da paz em 2007, actualmente é professor na universidade de Colômbia em Nova York.


Muitos entendidos receiam que embora o panorama da crise actual nos pareça bastante negro, o pior ainda está para vir. Partilha da opinião que estamos face a um longo declínio que apenas pode ser comparado ao da grande depressão?

Vivemos num mundo muito diferente do que o que se vivia na altura da grande depressão. Na altura tínhamos uma economia artesanal apoiada na manufactura. Agora temos uma economia muito mais avançada e estruturada, apoiada nos serviços. Muitas pessoas nos Estados Unidos trabalham actualmente em part-time (a tempo parcial) porque não conseguem arranjar um emprego a tempo inteiro. As pessoas falam de números aceitáveis de desemprego, mas estes mostram que o desemprego apresenta uma taxa muito alta, cerca de 15%. É obviamente uma visão bastante pessimista.
Outra grande diferença entre a actualidade e a altura da grande depressão é a de que na altura não possuíamos uma rede social organizada (sustentada), actualmente já possuímos subsídios de desemprego.


Os economistas Nouriel Roubini e Nassim Taleb, que previram a queda da economia global, sugerem a nacionalização dos bancos como medida a adoptar para parar o colapso financeiro, concorda?

Na verdade, os bancos não se encontram de boa saúde. O governo americano injectou centenas de biliões de dólares, sem qualquer efeito prático. Os bancos estão falidos. Os americanos são actualmente donos de um número bastante grande dos principais bancos. Mas não possuem qualquer controlo no funcionamento dos mesmos, e qualquer sistema em que exista uma separação entre a propriedade e o controlo, só pode conduzir ao desastre.
A nacionalização é a única solução para estes bancos falidos.


O Instituto Financeiro Internacional calcula que o capital privado destinado a ajudar os países em desenvolvimento vai ser reduzido em cerca de dois terços. Será que estamos perante uma situação em que iremos observar um colapso total de muitos países em desenvolvimento?



Penso que muitos governos de nações emergentes, possuem de facto, um sistema bancário central muito melhor do que o dos EUA. Eles compreenderam os riscos do excesso de influências, a dependência excessiva de empréstimos para o sector imobiliário, e assim foram tomando precauções. Muitos países em desenvolvimento foram acumulando grandes reservas, e estão agora numa melhor posição para enfrentar a crise do que estavam há uma década atrás.
Mas alguns irão deparar-se com bastantes dificuldades, mesmo congelamento de salários. Alguns destes países sofrem agora por terem prestado demasiada atenção ao que se passava nos estados unidos.


Deverão ser implementadas medidas para ajudar estes países em desenvolvimento?

Definitivamente, penso que é absolutamente imperativo, não só para os próprios interesses destes países, não apenas vendo a situação de uma perspectiva humanitária, mas numa perspectiva de proporcionar uma estabilidade global. Não é possível possuir uma economia global forte enquanto existirem instabilidades económicas em algumas zonas do mundo.

O banco Mundial apelou aos países industrialmente avançados para que á medida que vão “ajudando” as suas indústrias e injectando subsídios, canalizem algum dinheiro para ajudar os países em desenvolvimento, que não podem competir neste cenário desigual.

 

O presidente norte-americano Obama criticou os bancos por pagar biliões de dólares em regalias aos executivos enquanto os mesmos se encontravam a um passo do abismo. Concorda com Obama quando ele diz que o comportamento dos bancos é vergonhoso e irresponsável?

Sim. É vergonhoso e irresponsável, mas não uma surpresa. Durante anos, os executivos de empresas americanas defenderam estas compensações escandalosas, dizendo que era importante e que fazia parte de planos de incentivo. Mas como se podem dar regalias de milhões de dólares quando a própria empresa tem perdas de biliões de dólares? A não ser que se recompense os empregados pelos fracassos, esta medida não tem lógica, os trabalhadores deviam ser castigados e não recompensados.

No seu discurso durante o fórum sobre a economia mundial a chanceler alemã Merkel acusou os Estados Unidos de proteccionismo e criticou os subsídios dados aos fabricantes americanos de automóveis, concorda com ela? Pensa que existe perigo dos Estados Unidos implementarem medidas proteccionistas?

Provavelmente sim. Sempre tivemos noção de que o proteccionismo engloba duas formas: as tarifas e os subsídios. Os subsídios distorcem o “campo de jogo” da mesma maneira que as tarifas. Aliás, os subsídios são mais injustos e disformes do que as tarifas, porque embora os países mais desenvolvidos se possam dar ao “luxo” de atribuir subsídios, os países mais pobres não. Os países mais ricos estão a distorcer as “regras do jogo” ao dar grandes subsídios, não necessariamente como medida de protecção mas como consequência da própria protecção.


Merkel apelou recentemente a criação de um organismo internacional de regulação financeira e isto provocou um consenso entre todos os países. Pensa que isto poderá ser uma realidade, que governos e empresas estarão dispostos a abdicar da sua soberania e delegá-la a uma entidade internacional? 

A ideia de Merkel é muito importante e tem todo o meu apoio, é necessário existir uma coordenação da política económica global que vá mais além do que a implementada pelo FMI (que fracassou) e o Banco Mundial. Não se pode afirmar que se tem as fronteiras abertas sem uma regulação global. É inconcebível que se aceite produtos financeiros de alto risco produzidos em países com regulações inadequadas, e que estes sejam aceites pelos Estados Unidos e vice-versa. As empresas internacionais a favor da globalização deveriam estar na vanguarda deste apelo, e a favor da criação de um regulamento internacional


Joseph Stiglitz foi entrevistado por Michael Knigge.

Tradução de Nuno Miguel

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