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Última hora antes de Obama e das eleições israelitas

Criança palestiniana ferida depois de bombardeamento israelita em GazaHá uma dimensão obscena no ataque a Gaza: as centenas de vítimas dos bombardeamentos israelitas sobre Gaza são vítimas colaterais da campanha eleitoral israelita; para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelitas estão a competir para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais.

Por Michael Warschawski, Centro de Informação Alternativa

"A morte de uma única vítima israelita justifica o assassinato de centenas de palestinianos. Uma vida israelita vale uma centena de vidas palestinianas. É isto que o Estado de Israel e os média mundiais mais ou menos descuidadamente repetem, com questionamentos marginais. E esta alegação, que acompanhou e justificou a mais longa ocupação de territórios estrangeiros da história do século XX, é visceralmente racista. Que o povo judeu aceite isto, que o mundo concorde, que os palestinianos se submetam - esta é uma história de piadas irónicas. Ninguém acha graça..."

John Berger

 

Enquanto o mundo inteiro está em choque diante das terríveis imagens emitidas de Gaza, a opinião pública israelita apoia maciçamente a sangrenta ofensiva de Barak-Olmert. Isto inclui o Meretz, a oposição de esquerda parlamentar. Apesar de ter manifestado preocupação pelas mortes de civis, o líder do Meretz, Haim Oron, numa entrevista à televisão israelita, aderiu aos argumentos da propaganda oficial, responsabilizando o Hamas pelo banho de sangue. Um discurso mistificador como este está a ser copiado pela maioria dos líderes do mundo ocidental, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de França superando até a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Vamos pôr os factos como eles são:

  • Gaza está a ser alvejada pelo exército israelita desde a vitória do Hamas, e o cerco imposto sobre mais de 1,5 milhão de civis - por Israel, mas também pela chamada comunidade internacional - é em si um acto de violência e um crime de guerra;

  • O ataque israelita é uma agressão planeada: de acordo com as notícias israelitas, Ehud Barak planeou o ataque a Gaza já em Agosto;

  • Os foguetes lançados sobre cidades de Israel foram uma retaliação a agressões militares israelitas anteriores, e não foram lançados pelo Hamas, mas sim pela pequena organização Jihad Islâmica;

  • O ataque a Gaza é parte integral da guerra santa neo-conservadora contra o mundo islâmico, e a administração neo-conservadora cessante dos EUA, assim como o Egipto e outros regimes reaccionários árabes, instaram as autoridades israelitas a desencadear a ofensiva antes de Obama entrar na Casa Branca;

  • A intenção declarada de Barack Obama de abrir conversações com a República Islâmica do Irão é uma das principais preocupações das administrações cessantes em Tel Aviv e Washington, e a ofensiva contra Gaza é uma tentativa de provocar uma reacção iraniana que permita a retaliação israelita e dos EUA. Nos últimos dias, o vice-ministro da Defesa israelita, Ephraim Sneh, bem conhecido pela sua obsessão anti-iraniana, vinculou sistematicamente os foguetes do Hamas (sic) ao Irão, sem, evidentemente, apresentar quaisquer provas.

Esta estratégia geral, baseada na mistificação do "choque de civilizações" e na guerra global contra o Islão, é partilhada por todos os partidos políticos sionistas de Israel e explica o apoio do Meretz à actual agressão.

Apesar de não ser de esperar uma mudança rápida da política norte-americana no Ocidente asiático, os líderes israelitas e os seus patrocinadores neo-cons em Washington estão preocupados pela mudança na administração americana, e temem que uma nova estratégia possa quebrar a guerra global preemptiva. O ataque a Gaza é uma tentativa de última hora de mudar as relações de forças no Médio Oriente, antes do fim da era neo-conservadora.

E, antes de concluir, não esqueçamos a dimensão obscena: as centenas de vítimas dos bombardeamentos israelitas sobre Gaza são vítimas colaterais da campanha eleitoral israelita. Para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelitas estão a competir para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais. Ehud Barak, contudo, tem uma memória muito curta, e Shimon Peres pode recordar-lhe que este cálculo cínico não é necessariamente o melhor: o massacre de Qana, que era suposto ter trazido a vitória a Shimon Peres, teve como consequência que centenas de milhares de cidadãos palestinianos virassem as costas ao Partido Trabalhista.

Apesar da sua brutalidade, contudo, Ehud Barak permanece um dos mais populares líderes na arena israelita, e os milhares de manifestantes que saíram às ruas ontem, quase sem convocação, protestando contra o massacre, podem indicar que todos os que estão por trás dele, incluindo o Meretz, não vão receber os seus votos. É previsível que o repúdio internacional e o relativamente amplo sentimento anti-guerra entre os eleitores force o Meretz, uma vez mais, a mudar de posição. Deviam, porém, lembrar-se da antiga verdade que os eleitores preferem sempre o original: quando o Meretz sanciona a estratégia de guerra e as mentiras de Netanyahu, os eleitores vão preferir votar em Netanyahu em vez de na sua pálida e sensaborona cópia.

Tradução de Luís Leiria

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