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Olá, não costumo comentar mas cá vai.

Creio que esta análise apesar de coerente em alguns aspectos, principalmente na crítica à direita, deveria conter uma reflexão auto-crítica. Pois apesar de ser evidente para todos que é a fraqueza do PSD e do CDS que motivou em muito o crescimento do Chega não podemos deixar de olhar para as responsabilidades que a esquerda tem para o galvanizar do populismo do Chega.
Deste modo acho que existem dois pontos fundamentais que foram esquecidos:

1. A esquerda portuguesa não aprendeu nada com as ameaças da extrema-direita na Europa e na América.

2. Portugal não é só Lisboa e Porto. Estas eleições mostraram isto de uma forma muito evidente para os mais esquecidos.

Se olharmos para os candidatos de esquerda, Ana Gomes, Marisa Matias e João Ferreira, só num deles vimos sobriedade ao lidar com o Chega - o João Ferreira. Ana Gomes e Marisa Matias na sua campanha relativamente ao Chega facilmente caíram na frustração de o chamar de fascista e de corrupto, com ataques directos e frustrados e com promessas de tornar o Chega inconstitucional caso fossem eleitas. É claro para mim que ele é de facto de extrema-direita, um troca tintas e um tipo execrável mas este tipo de discurso agressivo por parte de uma classe política não ajuda em nada a causa pois. Quer queiramos quer não, temos 500 mil pessoas que votaram nele. Vamos nesta altura do campeonato tentar acabar com um partido com meio milhão de eleitores? Não será isto anti-democrático e um completo tiro no pé? Será o nosso medo assim tão grande que não o conseguimos encarar frente a frente e demonstrar que os conseguimos bater na democracia?
Para mim estes pontos têm que ser interiorizados rapidamente, em particular pelo BE. Não estou a dizer que não devemos criticá-lo mas temos que ser inteligentes a desmontá-lo. Com argumentos e com perguntas que destapem a sua perversidade. Esta extrema-direita não é o PNR, é claramente mais traiçoeira portanto o primeiro passo é não jogarmos o jogo deles e agir ponderadamente por mais frustrados que fiquemos. Essa ponderação é fundamental na classe política e no meu entender é uma das características mais fundamentais que um Presidente da República deve ter.
Quanto ao facto de Portugal não ser só Lisboa e Porto, deu perfeitamente para ver onde o Chega prolifera. Curiosamente, dos debates que vi só ouvi por parte da Ana Gomes a questão da regionalização. Talvez outros tenham falado mas só me recordo dela. Há um problema grave no país que a maior parte dos governos tendem a não querer enfrentar que é a desertificação. E pode ser que esta ameaça populista faça o governo agir sobre o desenvolvimento de outras regiões que não Lisboa e Porto. Porque é um círculo vicioso, é perfeitamente compreensível que o eleitorado do Chega, tido como "ignorante" e anti-sistema, se manifeste mais em zonas rurais e altamente desfavorecidas onde o trabalho e a educação não existem como nas grandes cidades. Claro que a regionalização acarreta sempre problemas ao nível de corrupção mas certamente que haverá uma forma de tentar dinamizar o interior. A nível local há uma série de bons exemplos do interior profundo que podem ser replicados como Idanha-a-Nova mas não ignorem este problema.
E mais uma coisa acrescento, correndo o risco de ser criticado, mas o facto do BE, partido em que já votei mais do que uma vez, usar como bandeira causas sociais, como luta contra o racismo, direitos LGBT, direitos das mulheres e políticas de identidade de género também é, para mim, uma forma de populismo. E concordo com todas essas políticas e aprecio o facto de como tão cedo após a entrada da Geringonça muitas dessas questões sociais foram prontamente resolvidas. Mas o BE tem que perceber que essa luta demora tempo e que muitos direitos têm vindo a ser conquistados nesse sentido. Se falta um grande caminho? Lógico que falta. Se devemos continuar a pressionar a mudança nesse sentido? Claro que devemos. Mas com cabeça. Sem tornar isso a única bandeira do partido. As minorias devem ser protegidas mas creio que o facto usarem tanto como principal bandeira do partido acaba por obstruir o resto das ideias que defendem, e parece-me contra-producente. Sei que não é a única mas para a maior parte das pessoas de fora do eleitorado do BE acha que o que o distingue é a defesa por "LGBT, minorias étnicas e Cannabis". E há mais do que isso. No entanto não digo para abrandarem nessa luta, os ideias e as medidas estão lá mas creio que a transmissão para o povo deveria ser diferente. E a demografia destas eleições importa para ilustrar isso. Claro que eu, como um jovem que vive em Lisboa, estou consciencializado para isso e para mim são questões óbvias. Agora se queremos que o interior profundo, mais velho e religioso entenda que medidas são essas sem que o Chega apareça a dizer que são uma "vergonha" tem que haver um esforço na consciencialização e na ponderação das mesmas. E para mim esse esforço não deveria ser tão "partidário" e claro que o BE aqui não tem culpa, mas sinto que devia partir de uma componente neutra da sociedade civil. A defesa dos direitos LGBT não deveria estar associada a um partido, deveria ser algo acima da política.

Quanto aos pontos discutidos:

Relativamente ao ponto 2, acho que da abstenção não ter sido afectada por este período conturbado de pandemia ilustra mais a mobilização do eleitorado que não é democrático do que o contrário. Prova disso é a queda expressiva do Bloco face às eleições presidenciais de 2016. Creio que não é possível fazer uma grande leitura acerca dessa mobilização dos sectores democráticos a partir dos resultados obtidos, sendo muito mais fácil fazer a leitura contrária.

Quanto ao ponto 4, torna-se evidente que não haver um apio formalizado a nenhum candidato por parte do PS contribuiu e muito para a queda dos resultados da esquerda, particularmente da Ana Gomes.
Por outro lado, creio que o acordo do PCP com o PS não prejudicou muito a campanha de João Ferreira. Mesmo olhando para os resultados, apesar de ter tido menos votos (180 474 votos face aos 182 906 votos de Edgar Silva em 2016 - uma diferença inexpressiva), ganhou percentualmente (4,32% votos face aos 3,95% de Edgar Silva). E, na minha opinião pessoal, foi claramente o candidato que conseguiu lidar melhor com a ameaça populista de André Ventura. Muito pela sua sobriedade e assertividade como já disse.

Quanto aos pontos 6 e 7, concordo perfeitamente com a análise feita. E acrescento que para um Chega em crescimento, um PSD sem conseguir ser uma boa oposição e uma Iniciativa Liberal a surgir, o CDS terá muitas dificuldades em manter-se na Assembleia da República. Conjecturalmente, assumindo que os resultados do Chega vão continuar a crescer, pois esta crise económica e sanitária são o melhor combustível para uma ameaça populista, nas próximas eleições legislativas, tanto Rui Rio como o PSD têm que tomar uma decisão face ao Chega no que respeita a eventuais coligações. A legitimização do Chega nos Açores não é um bom prenúncio mas quero acreditar que o PSD tome a melhor decisão.

Fico-me por aqui. Desculpem o desabafo mas enquanto pessoa de esquerda que durante muitos anos se identificou e votou no Bloco algumas vezes quero que o Bloco seja forte. São um partido muito forte socialmente e com gente muito capaz. São-o desde o Louçã e continuam sendo-o hoje em dia. O que têm feito por Portugal em particular no primeiro governo com o Costa foi óptimo. No entanto chegou a hora de tentarmos continuar a fazer as lutas de sempre sem tentar antagonizar e alienar o eleitorado. Com toda a franqueza, não votei no BE nestas eleições tendo optado pelo PCP. E apesar de haver aspectos no PCP com os quais não concordo, como as posições em torno das touradas e da eutanásia, por exemplo, senti-me mais confiante no João Ferreira. E adoro a Marisa Matias, é um exemplo para mim nas mais diversas medidas, mas o João e o todo o PCP foram mais sóbrios e conscientes no seu discurso e para mim conseguiram lidar melhor com o Chega do que qualquer um dos outros candidatos. Ainda para mais sendo o partido que historicamente mais sofreu à conta do fascismo.

Espero-vos forte nas autárquicas e legislativas.