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O sistema capitalista está a conduzir a humanidade para um desastre de proporções desconhecidas.

Os alertas têm sido realizados. As desigualdades sociais e a degradação ecológica intensificam-se. Segundo o relatório “Recompensem o Trabalho, Não a Riqueza” da organização não-governamental Oxfam, mais de 80% da riqueza criada em 2017 foi embolsada pelo 1% mais rico da população mundial. Há cientistas que dizem que os impactos da actividade humana desencadearam no planeta uma nova era geológica: o antropoceno. É um termo controverso. Há quem defenda que a nova era geológica deveria ser chamada de capitaloceno. A humanidade habita o planeta há muitos milhares de anos. A devastação é causada pelo capitalismo. A responsabilidade é sobretudo da classe que domina e que mais lucra com o crescimento do sistema. É uma crise histórica, que se manifesta tanto a nível socioeconómico como ecológico. Por um lado, temos sobre-acumulação de capital, tendência para a estagnação do capitalismo maduro e financeirização da economia. Por outro lado, assistimos a rupturas ecológicas nos ecossistemas e no planeta como um todo.

1. A crise ecológica:

A natureza está a ser explorada a uma escala cada vez maior. Temos assistido a um processo de envenenamento da água, da terra e do ar. A biodiversidade está em declínio acentuado (está em curso a “sexta extinção em massa” da história da Terra), os solos desertificados e esgotados, a poluição aumenta, a qualidade e quantidade de água doce diminui, os oceanos estão a ficar mais ácidos, estão em curso perigosas alterações climáticas… Este processo irá intensificar as migrações globais e o número de refugiados ambientais. Em muitos países iremos assistir a uma deslocação maciça de populações e a crises humanitárias. Se a temperatura continuar a aumentar, numerosas cidades e áreas costeiras vão ficar debaixo de água.

Já no século XIX o seu mais profundo analista Karl Marx (celebram-se este ano os 200 anos do seu nascimento) alertava que o capitalismo criou uma ruptura na interacção metabólica entre os seres humanos e a terra. Marx utilizou o conceito de metabolismo para descrever a relação humana com a natureza. O metabolismo humano com a natureza é regulado pelo lado da sociedade através do trabalho humano e o seu desenvolvimento dentro de formações sociais históricas. O capitalismo, como uma forma de produção historicamente específica, aliena sistematicamente os trabalhadores dos meios de produção, possibilitando a exploração e acumulação capitalista. No processo, tanto o solo como o trabalhador, as fontes originais e duradouras de toda a riqueza, saem prejudicados.

O sistema encara a natureza como uma oferta ao capital. A riqueza natural (matérias-primas e serviços ambientais) não tem que ser paga ou reposta quando é usada. As rendas por terra e recursos apenas garantem que parte do excedente produzido pela sociedade seja redistribuído por aqueles que são capazes de monopolizar os “direitos” sobre os recursos naturais. Se os capitalistas tivessem que pagar a restauração ou reposição dessa riqueza os seus lucros cairiam dramaticamente.

O capitalismo requer a expansão contínua do valor e do consumo de mercadorias, com aumento do consumo de energia e materiais. A dissociação relativa, alcançada em várias economias, entre o crescimento económico e o consumo de energia e as emissões de gases com efeito de estufa (o crescimento do consumo energético e das emissões é mais lento do que o que o crescimento da economia) não é suficiente para que o sistema seja ecologicamente sustentável. É necessário que haja uma dissociação absoluta: o consumo de energia e os impactos ecológicos negativos têm que diminuir em termos absolutos, enquanto a economia cresce. Até agora, esta ambição ou milagre, é apenas uma miragem no deserto. Por isso, a par do crescimento económico assistimos a uma crescente degradação e a rupturas ecológicas em todo o planeta. O capital encara estes problemas como novas oportunidades lucrativas.

Mas o problema que ameaça a biosfera não é apenas o crescimento económico. O sistema capitalista, mesmo sem crescimento ou em crescimento lento, está actualmente orientado para a promoção de desperdícios económicos e ecológicos, como forma de estimular a acumulação de capital. É uma característica deste sistema que grande parte do vasto excedente económico da sociedade aparece como desperdício económico incorporado na própria produção. Assistimos a um esforço de vendas gigantesco que entra na própria estrutura de produção, obsolescência planeada, produção de bens de luxo para uma minoria opulenta e a gastos militares tremendos. Tudo isso consome enormes quantidades de energia e recursos. Também maximiza a toxicidade da produção, uma vez que os desperdícios económicos na forma de produtos sintéticos (ex. plásticos) são tóxicos e danosos para a humanidade e ambiente.

A produção orientada por lucros de curto-prazo nunca poderá ser compatível com a saúde e estabilidade dos ecossistemas a longo-prazo. O capitalismo é uma formação histórica ecocída. É esta irracionalidade de crescimento artificialmente estimulado, de desperdício económico e enormes desigualdades que precisa de ser superada.

2. A crise económica e social:

A dimensão económica da crise pode ser descrita em termos de três tendências que se reforçam mutuamente: monopolização (concentração e centralização do capital), tendência para a estagnação das economias capitalistas maduras e financeirização. A economia produz desigualdades sociais impressionantes, desemprego e precariedade. As crises financeiras são frequentes. As guerras e o imperialismo por recursos naturais e novos mercados são uma constante da actualidade internacional. É necessário ter em conta que o capitalismo sem crescimento é politicamente, socialmente e economicamente muito problemático. Por isso, tudo é feito para promover o crescimento económico mesmo prejudicando o bem-estar das pessoas e dos ecossistemas. O capitalismo na sua fase actual é um sistema com um alto nível de produtividade do trabalho, propenso a sobre-acumulação de capital e estagnação económica devido à saturação do mercado e à escassez de rotas de venda lucrativas para o investimento produtivo. Para continuar a existir e continuar a arrecadar margens de lucro, tornou-se numa economia de desperdícios.

A acumulação de capital ficou estagnada nos países centrais do sistema global e ficou crescentemente dependente da finança especulativa para manter o crescimento lento que tem. O explosivo crescimento da finança foi a forma de superar a estagnação. A finança expandiu a acumulação real de capital nas últimas décadas e conferiu ao capital um poder reforçado face ao trabalho. Uma parte cada vez maior da mais-valia extraída no sector produtivo é absorvida pelas rendas financeiras. Além disso, a financeirização substituiu os rendimentos estagnados dos trabalhadores das economias “desenvolvidas” pelo crédito. O Estado por outro lado, para fazer face às exigências (a que se submeteu) dos mercados financeiros, do grande capital e para segurar o apoio da população ao sistema, também continuou a aumentar a sua dívida. O endividamento público e privado foi um dinamizador central do capitalismo nas últimas décadas.

As dívidas privadas e públicas têm sido um instrumento muito eficaz para explorar as pessoas e os países. São um mecanismo de transferência de recursos do trabalho para o capital. A exploração sobre os trabalhadores começa no trabalho e continua através dos impostos acrescidos que têm que pagar para reembolsar uma dívida pública detida em grande parte pelas instituições financeiras e pelos muito ricos que têm vias privilegiadas (ex. infernos fiscais) para pagarem menos ou fugirem aos impostos. Uma parte dessa dívida é contraída para apoiar projectos que beneficiam muito o grande capital e muito pouco a população. As enormes dívidas só podem ser servidas com mais dívidas causando mais bloqueios ao crescimento e problemas sociais. Estes sintomas são uma expressão da decadência do sistema capitalista.

3. Solução Eco-socialista:

Não estamos condenados. É necessário travar o desastre capitalista. Para o bem humano e do planeta necessitamos de concentrar forças para uma transição social e política. Necessitamos de criar uma alternativa sistémica, que seja socialmente justa e ecologicamente sustentável. Devemos ambicionar uma sociedade que não se baseie em ter mais coisas mas em que se viva melhor. Uma sociedade que aposte na mudança qualitativa em vez do crescimento quantitativo. Um modelo alternativo que transforme as formas de propriedade e as relações de produção mas também as forças produtivas.

A solução é o eco-socialismo: um socialismo que dará prioridade à recuperação dos ecossistemas que o capitalismo destruiu, que poderá satisfazer as necessidades de todos sem destruir o meio ambiente. Uma sociedade que garanta bens duradouros, mais igualdade, menos lixo e poluição. Algumas ideias orientadoras: 1) Estabilizar uma economia sem crescimento (ou em decrescimento) sobretudo nos países mais ricos. O emprego e os meios de subsistência das pessoas não podem ficar dependentes de uma economia em crescimento; 2) Democratizar a economia, a sociedade e a política; 3) Reformular o sistema monetário e financeiro; 4) Desenvolver a agricultura e a indústria de acordo com princípios ecológicos. O sistema produtivo deve ser baseado em recursos renováveis, utilizados a ritmo sustentável; 5) Revitalizar tradições indígenas e ancestrais ecologicamente sustentáveis.

Mesmo com um sistema transnacional e inter-estatal adverso cada país pode dar passos firmes para a transição civilizacional de que necessitamos. É por isso fundamental que a convergência entre partidos e movimentos sociais, particularmente à Esquerda seja feita em torno de um programa eco-socialista. Construir o eco-socialismo para que a vida (humana e não humana) tenha futuro no planeta Terra.

Autores de referência para a elaboração deste texto: Karl Marx, Thorstein Veblen, Paul Baran, Paul Sweezy e John Bellamy Foster. Fonte: Monthly Review. An Independent Socialist Magazine.

Artigo publicado no blogue viaesquerda.pt

Sobre o/a autor(a)

Investigador e formador
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