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Sobre esta matéria dos apoios ao teatro penso ainda o que pensava em 1994: devem ser objetivados mediante a adoção de critérios claros e múltiplos, seja de acesso aos apoios seja de contabilização dos mesmos, antecipadamente conhecidos e divulgados.

De tal modo que os apoios públicos estabeleçam um verdadeiro regime de igualdade material entre os criadores e as companhias. De tal modo que sobre esse desenho objetivado de igualdade pudesse depois recair um outro desenho, esse forçosamente desigual, em que 'riscassem' o público e os apoiantes privados. Posso dar exemplos.

Um critério para acesso aos apoios públicos ao teatro poderia ser a prévia dedicação em regime de exclusividade por dois ou três anos. Companhias cujos membros comprovassem essa dedicação, poderiam concorrer aos apoios estaduais. Outras, não.

E vários poderiam ser igualmente os critérios para aferição dos apoios:

1) Para infraestruturas - instalação ou rendas;
2) Por número de espetáculos - defendendo eu que o Estado só deveria por este critério apoiar um máximo de três por ano;
3) Por número de apresentações por espetáculo - sessenta, setenta, no mínimo;
4) Por número de atores envolvidos - até um máximo a estabelecer;
5) Por número de apresentações fora do espaço em que a companhia estivesse instalada;
6) Por número de apresentações no estrangeiro;
7) Por número de ações de formação;
8) Por prémio de antiguidade - um determinado montante a apurar por ano, a partir de determinado ano de atividade ininterrupta e face ao número médio de criadores envolvidos;
9) Prémio de notoriedade - face ao reconhecimento internacional a comprovar por exemplo por críticas difundidas no estrangeiro.

Enfim, os parâmetros suscetíveis de gerar apoio poderiam e deveriam ser variadíssimos - e portanto abertos às escolhas e ponderações legítimas de política teatral do governo em funções. Mas de tal modo objetivos que tornassem desnecessária a intervenção de qualquer júri. De tal modo claros que se bastassem com a intervenção de um matemático capaz de os equacionar e de os concretizar depois face aos montantes orçamentais disponíveis.

O que se passa neste país é que em matéria de apoio ao teatro comandam os amigos, as máfias de várias espécies, as trocas de favores, a cama, o conluio de companhias, criadores e críticos - e o medo que os políticos têm de sequer pensar no assunto e de irritar o status quo.

Estamos num campo de total falta de clareza (mesmo) ideológica porquanto os interesses de grupos afetos à esquerda são comuns a outros que vão sendo afetos a quem mais convém, dominando a cor de quem vai navegando habilmente ao sabor do vento que sopra.

O teatro sem apoios estaduais não sobrevive. Mas o Estado não pode apoiar uns em detrimento de outros porque gosta mais, porque sim, porque desse modo decidiu o júri que para esse efeito nomeou. Não pode favorecer uns em detrimento de outros porque os fundos disponíveis não chegam para todos. Ou melhor, não deveria poder...

É que estão em causa meios que viabilizam a subsistência - e não deve ser o Estado a determinar subjetivamente quem tem e quem não tem o direito efetivo de existir. É que não há só a liberdade de expressão e de criação artística - que o Estado deve salvaguardar - há também um princípio de igualdade a impor tratamentos objetivos segundo critérios de igualdade material.

Creio que esta discussão estará em boa medida por fazer. A uns - os eleitos - não convém. E a outros - os aspirantes - pode não convir. Claro que de quando em vez movimentos e vozes críticas vão dizendo de sua justiça. Mas é como se viessem clamando no deserto.

Luís Miguel Cintra e a Cornucópia merecem um tratamento mais excecional do que aquele de que já beneficiam?... Para mim a questão é outra:

Não seria impossível que segundo critérios objetivos até pudessem receber mais do que os 300.000 por ano que já recebem. Mas o que recebem - tal como o que recebem as companhias apoiadas - é já expressão de privilégios sistematizados que eles próprios (à semelhança dos demais) deveriam ter querido combater.