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Este tema tornou-se tão banal quanto previsível, e tal como o Verão, cíclico. Por muito pouco atractiva para os adeptos das teorias de conspiração que seja a tese é bastante óbvio que a questão dos incêndios florestais resulta de uma tempestade perfeita. Os incêndios não são um problema da floresta, são uma consequência dos vários problemas da floresta. A teia de interesses instala-se por uma questão de oportunidade de negócio, não pode ser diabolizada, deve ser é balizada, como em qualquer outra área de negócio, sim, porque a floresta é, sempre foi e sempre será, uma área de negócio. Fala a autora, como quase toda a gente, da necessidade de ordenamento, de ZIF e de políticas necessárias. A floresta em Portugal tem uma característica que talvez apenas seja partilhada pelo futebol, todos temos em nós um treinador de bancada, e como no futebol, a grande maioria fala sem saber a ponta de um pinheiro do assunto (não me estou a referir à autora obviamente).

Existe alguma medida de política florestal que seja consensual entre os técnicos? Arrisco apenas uma, que a autora não focou, Cadastro Predial.
Como se ordena, legisla, planeia ou controla uma situação da qual não se conhece o interlocutor? É moldar o ar, apenas gastar dinheiro sem nenhuma hipótese de alterar o paradigma.
Faça-se o exercício de pensar o espaço florestal como se fosse urbano, e pensar numa ZIF como uma área de reabilitação urbana por exemplo. Chega o Sr. Engenheiro e diz : "Você fecha a sua sapataria e abre um call-center, a rua é alargada e os vendedores de rua deixam de ter lugar, aqui construímos um balneário público e o restaurante tem que passar a pizzaria". Se em termos florestais, com imaginação e bom-humor, isto até pode fazer sentido, imagine que não faz ideia quem é o sapateiro, nem o vendedor nem o dono do restaurante. Mas paga ao empreiteiro na mesma...

Repara a autora, pergunto com a esperança que o grupo parlamentar a leia assim como a este comentário, que o Cadastro Predial é um não-assunto? que os projectos-piloto desenvolvidos ficam na gaveta? Que NINGUÉM (Estado, autarquias, OPF) parece saber o que fazer com esta informação? Que NINGUÉM o reclama, ano após ano, Governo após Governo? da esquerda à direita?

É tão caro assim de fazer? Costuma ser um dos argumentos. Os benefícios (até fiscais) são seguramente superiores ao investimento, e pelos números (públicos) dos projectos-piloto desenvolvidos, um município cadastrado ficará pelo preço de 2 ou 3 km de autoestrada, é caro?

Sem o cadastro feito não haverá legislação ou M€ que valham, o Estado obviamente não pode gastar dinheiro a gerir floresta privada, indignamo-nos quando isso acontece em qualquer outro sector de negócio, e basicamente é isso que faz relativamente às ZIF ou às OPF, dá dinheiro, normalmente comunitário, para benefício privado, porque o benefício ambiental (que poderia justificar a opção por ser de interesse público vá lá) já vimos que não existe. Então gasta dinheiro onde pode, no combate.

Em tempos ouviu-se uma ideia estapafúrdia de usar o parcelário para um "cadastro florestal", esta gente não sabe o que é um prédio rústico, uma estrema, e nem o parcelário que têm. Enfim, não sabiam (quase) nada.

Há muitos interesses sim em manter o estado actual da situação do território, advogados, solicitadores, funcionários dos registos e das finanças, angariadores de terrenos, avaliadores, herdeiros, vendedores, compradores, pessoas que tratam da "legalização" de terrenos... Não são as papeleiras, essas pagam bem o que compram e quem lhes dera conhecer os vizinhos que têm. O solo rústico é um autêntico mercado-negro sem rei nem rock, e todos eles sabem que é um vespeiro, que com o cadastro se acabam as desanexações e licenciamentos a olho, o usocapião, as usurpações (roubos, de que os proprietários nem conseguem fazer queixa).

No meio de tudo isto, ainda acham que os incêndios são um problema? não são, são uma consequência (grave) mais ou menos natural de uma série de problemas.

Cumprimentos

Nuno Santos
Técnico Florestal