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Vinte e cinco é o número de câmaras de vigilância instaladas na Escola Secundária D. Dinis, em Lisboa. Espalhadas por todo o edifício (filmando e gravando as imagens), o resultado final é o feitiço virar-se contra o feiticeiro.

O uso deste tipo de equipamentos é, na maior parte das vezes, dúbio e usado com outros objetivos. Quando se instalam vinte e cinco câmaras de vigilância numa escola secundária, alguma coisa está mal. Se o objetivo for, estritamente, controlar a entrada de intrusos quando o edifício estiver fechado, o equipamento é dispensável nos espaços interiores do estabelecimento de ensino, como corredores, bar ou ginásio.

Foi a própria Comissão Nacional de Proteção de Dados a desenvolver um formulário próprio para facilitar os pedidos de autorização das escolas, aquando da intenção do Ministério da Educação de colocar videovigilância nas escolas, em 2010. Este formulário serve já de regulamento para impedir que casos como estes aconteçam, alegando que estão previstas essencialmente duas zonas para as câmaras: “Pontos de acesso a partir do exterior”, como portas de acesso a edifícios, e “parques de estacionamento”.

Big Brother is Watching You

As ruas das principais cidades europeias, como é exemplo Londres, estão vigiadas por centenas de milhares de câmaras de videovigilância. Nova Iorque conta com milhões de olhares eletrónicos vindos de bancos, agências seguradoras, espaços comerciais, estações de metro e viaturas.

Segurança VS controlo sobre todos os movimentos

Ainda que seja um assunto pouco discutido e quase nunca enquadrado na estratégia austeritária dos sucessivos governos, a política de vigiar tudo e todos através da videovigilância é uma forma de impor um clima de medo e insegurança nos espaços que frequentamos. Os estudantes portugueses passam a maior parte do seu dia nas escolas. Isso significa, diretamente, que mais de metade do seu dia é filmado e gravado por uma máquina manuseada por alguém desconhecido e que terá acesso a todos os seus movimentos, escolhas, comportamentos, olhares, decisões. Podemos então concluir que a colocação, em 2010, de videovigilância nas escolas não teve como único propósito a defesa da segurança do equipamento escolar e de eventuais ameaças por intrusos. Serviu, ao contrário, para duvidar a priori de quem frequenta diariamente a escola, criando um clima de desconfiança onde cada um pode duvidar do colega de carteira, do professor, do funcionário. Não se quer defender a escola da ameaça externa, quer-se descobrir o bandido que, habilidosamente, está inscrito na escola não para estudar, mas para causar distúrbios.

Um estabelecimento de ensino como a escola secundária D. Dinis, que parte do princípio que é mais relevante vigiar os corredores durante o dia do que o portão à noite não está a prestar um serviço público digno desse nome

Um estabelecimento de ensino como a escola secundária D. Dinis, que parte do princípio que é mais relevante vigiar os corredores durante o dia do que o portão à noite não está a prestar um serviço público digno desse nome.

A instalação de videovigilância nas escolas culminou com as primeiras políticas de austeridades, ainda com o governo do Partido Socialista, onde se cortaram salários e pensões, despediram-se funcionários públicos e se desinvestiu na Escola Pública. Se existem, hoje, espaços desertos nas escolas, onde tudo pode acontecer, isso deve-se à falta de funcionários nestes estabelecimentos – problema que, com certeza, não se resolverá com mais videovigilância.

O que é característico da vida actual não são a insegurança e a crueldade, mas sim a inquietação e a pobreza.
George Orwell

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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