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Caro Adriano Campos

Antes de mais obrigado pela reflexão, que permite prosseguir um debate que vale muito a pena. Seguem alguns comentários, que visam sobretudo clarificar os pontos de vista em que me revejo.

1. Sobre a questão do rendimento e a questão do trabalho

O RBI encontra justificação conceptual haja ou não trabalho, o que obviamente não impede que se afirme ser particularmente tempestiva a implementação desse tipo de rendimento quando, em termos de tendência geral, o trabalho evolui para um quadro de raridade. Mesmo que esta evolução não se verificasse, nem por isso estariam em causa as razões que conceptualmente levam à defesa do RBI. Razões como 1) o reconhecimento do rendimento básico como um direito; 2) o reconhecimento de que este direito a uma rendimento básico deve ser universal; 3) o reconhecimento de que o direito a um rendimento num quadro de assistencialismo pode promover um sociedade de vigilância, controlo e discriminação. Nenhuma destas razões depende de vivermos numa sociedade de trabalho ou, como dirão alguns, numa sociedade do fim do trabalho.

Mas há outras razões além das que defendem o rendimento básico como um direito e um direito universal. Razões que não se ligam à reivindicação de um rendimento, mas à reivindicação de uma outra concepção do trabalho. Precisamente: de trabalho. De uma forma bastante transparente, tenho defendido que não está apenas em causa libertar o rendimento do trabalho ( a parte básica daquele), mas também libertar o trabalho do rendimento. Assegurar a parte básica do rendimento independentemente do trabalho é assegurar para o trabalho que a sua justificação não tem de passar pela necessidade básica do rendimento. Emancipar o trabalho do rendimento é devolvê-lo ao lugar certo - o da autorrealização humana, em que nos implicamos no fazer que nos liga a um projecto individual e comunitário. O que pergunto é como se pode manter uma concepção do trabalho como auto-realização e fazer genuinamente humanos e, ao mesmo tempo, aceitar manter o trabalho, apesar de assim concebido, refém da obtenção do rendimento. Uma concepção do trabalho forçada pela necessidade do rendimento é uma concepção de dominação.

2. Sobre os argumentos contra a universalidade

Adriano Campos diz que “a universalidade do serviço assenta na solidariedade dos mais saudáveis que contribuem para o tratamento dos menos saudáveis. O mesmo acontece com a educação e segurança social. Esse equilíbrio solidário é a força do sistema.” Completamente de acordo. Mas, em que é que o mesmo não é válido, inteiramente válido, para o RBI quando a universalidade desse rendimento assenta precisamente na solidariedade dos que mais têm contribuírem para os que menos têm poderem ter mais?

É absolutamente claro que o RBI assenta num pressuposto de solidariedade como base do contrato social. Portanto, não é aí que se encontra uma diferença. Mas há realmente uma diferença do rendimento básico face aos direitos sociais ligados à saúde, à educação, ao trabalho e que habitualmente não é suficientemente atendida pelos adversários do RBI. Estou a falar de o rendimento ser o primeiro e mais universal meio de criação e preservação da desigualdade social. É nele e por ele que nos marcamos uns aos outros como desiguais. Enquanto não dispusermos das condições para sustentar uma sociedade em que o rendimento alcance o estatuto de direito universal o rendimento prosseguirá como meio por excelência da desigualdade (e da dominação).

3. Sobre a questão do financiamento

É importante que se diga, e para benefício da mais elementar verdade, que a candidatura LIVRE/Tempo de Avançar não defendeu um modelo de financiamento baseado no IVA, com abolição do IRS ou do IMI. Nenhum dos documentos desta candidatura faz esse tipo de considerações. Devo também dizer que, pessoalmente, não defendi nenhum modelo de financiamento nesses termos.

E termino este conjunto de comentários, com esta ideia que, proximamente, procurarei desenvolver, desmistificando o argumento do insustentável peso de um RBI que redundaria numa insustentável ligeireza dos seus defensores. A meu ver, as questões de sustentabilidade do RBI estão mal colocadas se pensadas apenas em termos de montantes e não onde devem ser colocadas: em termos de organização da distribuição dos rendimentos.