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O resgate da PT é um imperativo nacional. Portugal será esta semana um país mais forte se tiver autoridades capazes de agir, ou mais fraco, se aceitar este jogo da Lei de Murphy. Com a certeza de que, podendo ser tudo mau, será de certeza ainda pior.

A PT foi uma lenda. Era apresentada como uma jóia tecnológica, como uma empresa bem gerida e como um sucesso internacional. Até ao dia em que se revela a sua outra face: vulnerabilidade financeira, gestores fugidios, desorientação estratégica, conúbios políticos, convívios duvidosos. Esta semana, a lei de Murphy cobrará o seu tributo porque, quando tudo pode correr mal, a coisa corre ainda pior.

Na verdade, esta história já não começou bem. A privatização garantiu a transferência da renda financeira de um monopólio de facto para a família Espírito Santo. Primeiro erro.

Depois, a venda da Vivo foi determinada pela vantagem de encaixe financeiro imediato de alguns dos accionistas (o BES, agora percebe-se porquê) e a golden share foi usada unicamente para melhorar os seus réditos e não para proteger um interesse estratégico. Depois, a operação brasileira passou a ser a compra de parte da Oi, mas pouco tempo passa até que se percebe que esta “compra”, depois chamada “fusão”, era na realidade a integração da PT na Oi. O negócio tinha sido acordado entre Sócrates e Lula para que a empresa tecnológica portuguesa passasse a fazer parte de uma empresa brasileira retrógrada, tecnologicamente deficiente, retardatária no seu mercado, altamente endividada e que resultava da colocação de capitais de uns empresários da construção civil. Segundo erro capital.

A partir daí, a PT ficou presa na Oi. E, quando os seus gestores, a despacho de Ricardo Salgado, fizeram uma operação financeira de alto risco e liquidaram metade do dinheiro da empresa, perdendo também posição no negócio brasileiro, o castelo caiu. Terceiro erro capital.

Agora, a Oi precisa de fazer compras no Brasil e não tem reservas. Por isso, vende a sucursal portuguesa. E, como a Lei de Murphy é implacável, quem se apresenta para a comprar é a Altice, empresa de sede luxemburguesa e dedicada ao cabo (que já comprou duas pequenas firmas portuguesas, a ONI e a Cabovisão, conduzindo imediatamente despedimentos colectivos). Ora, a Altice é uma empresa de média dimensão, que tem conduzido várias operações especulativas, que em 2012 registou resultados negativos e que em 2013 só conseguiu mil milhões de excedente bruto de exploração (propõe-se comprar a PT por sete vezes esse valor). Ou seja, navega em dívidas e vai fazer mais dívidas. E este é o quarto erro: a PT tornou-se um activo financeiro, uma aplicação de rendimento, numa carteira jogada no casino e que vai passar de mão em mão.

Podia ter sido de outra forma? Podia e devia. E ainda pode, talvez por algumas horas ou dias. Devia sido protegido o interesse estratégico, que é o desenvolvimento tecnológico, da soberania em telecomunicações e da protecção dos consumidores quanto a um bem público maior. Nenhum destes activos nacionais sobrevive se subordinado à especulação – e não é preciso nenhum argumento mais, veja-se o efeito BES, a Oi, a Altice e I rest my case.

O resgate da PT é, por isso, um imperativo nacional. Portugal será esta semana um país mais forte se tiver autoridades capazes de agir, ou mais fraco, se aceitar este jogo da Lei de Murphy. Com a certeza de que, podendo ser tudo mau, será de certeza ainda pior.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 3 de novembro de 2014

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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