You are here

Add new comment

A autora distorce de tal forma a relação entre Tyrion e Shae que me custa a crer que sequer tenha visto a série que está a criticar. Tyrion conhece Shae como prostituta mas desenvolve com o tempo uma relação amorosa com ela. Querendo o seu amor perto de si, Tyrion consegue trazer Shae para o castelo de Kings Landing, como aia de Sansa Stark. Mais tarde, o seu pai, Tywin, arranja um casamento entre Tyrion e Sansa. Nessa altura, Shae mostra ciúmes, tenta aproximar-se de Tyrion mas ele rejeita-a porque não quer desonrar os seus votos de casamento, mesmo não estando apaixonado por Sansa. Entretanto, Varys oferece dinheiro a Shae para desaparecer, mas ela recusa. Como é que tudo isto é compatível com a ideia, expressa no texto, que estava em causa uma relação estritamente comercial?
Muito mais tarde, quando o rei Joffrey morre envenenado, Tyrion é acusado de homicídio. Torna-se muito claro que Tywin, que é juiz no julgamento de Tyrion, está a conspirar para destruir o filho e possivelmente condená-lo à morte. Durante o julgamento, Shae reaparece para testemunhar contra Tyrion, contando mentiras incriminatórias e humilhando-o publicamente.
No último episódio, Tyrion consegue fugir da cadeia. Antes de fugir, contudo, volta atrás, para confrontar Shae e o seu pai. Quando encontra Shae, ela está na cama do pai, e torna-se claro que ela é amante do pai. Perante a descoberta, Tyrion mata Shae.
Não é claro o porquê da traição de Shae mas é possível que tenha sido de alguma forma coagida por Tywin ou que simplesmente se quisesse vingar de Tyrion por não ter enfrentado a sua família por ela. Há injustiça na sua morte? Certamente que sim. Mas Tyrion não é um herói nem nunca foi apresentado como tal. É uma personagem com a qual qualquer pessoa simpatiza, porque tem bons sentimentos e é inteligente, no meio de tantos brutos, mas a humilhação que sofre no julgamento, a juntar a tantas outras que sofreu às mãos do pai, torna-o num homem amargurado e violento. A morte de Shae e de Tywin marca o início de uma nova era, com um novo Tyrion, que é tudo menos um herói.
Quanto a Jaime, a cena de violação foi introduzida estupidamente na série, dado que não existia no livro, e acaba por mudar radicalmente a imagem de uma personagem complexa. Jaime não é, como defende a autora, um “bom coração”, tendo sido responsável ou cúmplice de vários atos de crueldade e desonra.
O único herói que a história teve, Ned Stark, morreu logo no início. Tudo o resto são pessoas que lutam pelo trono ou que tentam desenrascar-se como podem num mundo violento. Não há heróis nem santos e a dicotomia bem-mal é constantemente posta em causa.
Tendo lido o primeiro livro da saga, creio que a história acaba por abordar de forma interessante a discriminação sexual e a forma como as mulheres se defendem e se adaptam a uma sociedade profundamente machista (os exemplos de Daenerys, Sansa e Arya são notáveis nesse aspeto). Muito disso perde-se na série e, pior que isso, elementos de violência machista são introduzidos. Creio, portanto, que a acusação de misoginia dirigida à série tem o seu fundamento, embora ache que a mesma não se aplica em relação aos livros. Mas as críticas tem de ser feitas com base nas obras em si. Criticar um livro que não se leu ou uma série que não se viu é um ato de preguiça intelectual e em nada ajuda ao debate.