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O esvaziamento da direita, pateticamente demonstrado no debate do Orçamento, é o efeito da vitória de Sócrates ao esvaziar a política da direita. Mas essa é a derrota de quem pensasse que o PS poderia vir a fazer políticas sociais respondendo ao atraso e às injustiças.

Todos os jornais criaram a expectativa. Fizeram retrospectivas sobre debates anteriores num telejornal da RTP. A SICn promoveu o grande duelo. Santana Lopes, ele próprio, anunciou nos corredores que a procura dos bilhetes era imensa. Na rádio, acrescentou que esse era o dia da alvorada de um novo ciclo político - não o dia em que Luís Filipe Menezes foi eleito no PSD, mas o dia em que ele, Santana Lopes, em aniversário da vitória de Cavaco Silva, inauguraria esse novo ciclo político.

O flop foi total. Nem ideias, nem propostas, nem resposta. Claro que quem na véspera tinha criado a expectativa do espectáculo veio no dia seguinte zurzir no seu protagonista: fraca é a memória e ligeiro o agradecimento pelo espectáculo. E por aqui fica o debate orçamental entre o governo Sócrates e a direita.

No entanto, este episódio convida a mais reflexão.

Reflexão sobre a forma da comunicação na sociedade actual, sobre o canibalismo das imagens, sobre a cultura da espectacularidade superficial, sobre a promoção do efémero. O que vale agora perde amanhã. A sucessão vertiginosa das imagens consome os seus protagonistas, cansa as ideias, esgota as confrontações. Onde tudo é imagem, não sobram propostas. E, neste terreno, os actuais dirigentes da direita ficam sempre a perder graças ao preço dos seus próprios meios: Santana Lopes e Paulo Portas têm sempre o incómodo de explicar porque voltaram, e deixam inevitavelmente a sensação de que nada é verdadeiro e que tudo é repetido.

Mas a reflexão deve ainda centrar-se sobre outro ponto: a crise profunda da direita. Ao recorrer à reciclagem dos protagonistas do governo mais anedoticamente desastrado, e dos mais brutalizadores da sociedade - o governo que criou mais de 150 mil novos desempregados e desempregadas - , a direita mostra a sua impotência profunda. Não houve mais ninguém. Não há renovação depois do fracasso. Sai-se pelo fracasso, volta-se com o fracasso e vive-se com o fracasso.

Porque é que, então, a direita não gera novas lideranças a partir dos seus recursos sociais? Pela mesma razão pela qual não tem alternativa ao Orçamento. Porque o governo esgotou a política do centro e da direita, foi mais longe em todos os terrenos do que o governo anterior, e portanto pode sempre responder no terreno em que a direita é mais frágil. Foi o governo Sócrates quem aumentou a idade da reforma e reduziu as pensões futuras. Foi este governo quem excluiu um terço dos desempregados do subsídio de desemprego. É este governo quem promove a ofensiva da flexigurança.

O esvaziamento da direita, pateticamente demonstrado no debate do Orçamento, é o efeito da vitória de Sócrates ao esvaziar a política da direita. Mas essa é a derrota de quem pensasse que o PS poderia vir a fazer políticas sociais respondendo ao atraso e às injustiças. Dentro do PS e fora do PS, quem assim pensava tem agora a prova dos factos.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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