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Estúpidos não são

Esta recessão é um instrumento de transformação social. Eles parecem estúpidos, mas não são.

O FMI divulgou ontem um documento em que reconhece erros na apreciação das consequências da austeridade e revê em baixa o crescimento na zona Euro, particularmente por causa dos países que estão a ser alvo de planos de “ajustamento”. Parece que o FMI concluiu que o multiplicador da despesa pública estava grosseiramente sub-avaliado (em 0,5) e que, na realidade, andará entre os 0,9 e os 1,7%, ou seja, entre quase o dobro e mais do triplo.

Esta conclusão é uma grande chatice porque ela afeta o crescimento, o desemprego, a receita fiscal, a despesa social e, portanto, o défice e a dívida. Os cenários macroeconómicos desenhados pelas instituições que compõem a troika não eram cor-de-rosa, mas traçavam o seguinte quadro: “isto vai ser difícil, mas depois a coisa compõe-se”. Não compôs nada.

As estimativas destes organismos não falharam por décimas neste ou naquele indicador. Falharam clamorosamente em todos os indicadores relevantes. De forma sistemática e permanente.

Agora a observação de que “Estaremos a subestimar os multiplicadores orçamentais de curto prazo?” surge de forma bastante cândida, como que ignorando que, durante os últimos anos, centenas de economistas de vários quadrantes académicos e políticos têm dito (na realidade, gritado) que os programas de ajustamento teriam resultados desastrosos. De qualquer forma, não se pense que esta constatação provocou alguma revolução, agora ou no passado.

Depois de observarem os erros, as entidades que compõem a troika elaboraram novos cenários macroeconómicos que falharam exatamente nos mesmos termos. E ao mesmo tempo que fazem esta constatação e um suposto mea culpa, impõem novos conjuntos de medidas de austeridade às economias periféricas.

Já o Comissário Europeu com a pasta da economia, Olli Rehn, foi mais longe. Não se deixando intimidar com todos os números, indicadores e revisões em baixa, disparou: “Ninguém tem vontade de festejar, mas estou atualmente menos pessimista quanto às perspetivas futuras da zona euro do que estava, por exemplo, na primavera”.

O discurso no BCE, finalmente, é mais sofisticado. A tese é a seguinte: a recessão foi mais acentuada do que o previsto porque o ajustamento no sector privado foi mais rápido do que aquilo que se tinha antecipado. Assim, o facto de a recessão ser mais grave, o desemprego mais elevado, o défice e a dívida mais elevados, os salários mais baixos, mostra que o ajustamento está a ser melhor sucedido do que o previsto.

É cada vez mais claro que o FMI é, pasme-se, a entidade mais sensata envolvida neste processo. E é difícil não ver nestes documentos algumas alfinetadas à resposta europeia às consequências da crise.

Aliás, as preocupações com a loucura europeia começam a alastrar a todo o planeta, em sectores menos fanáticos. Por outro lado, o conflito entre FMI e as Autoridades Europeias pode vir a tornar-se mais importante num futuro próximo, à medida que a crise europeia tiver consequências mais graves na economia mundial.

Um deputado socialista do Parlamento Europeu, perguntava recentemente, à saída de uma reunião e a propósito do discurso dos responsáveis do BCE sobre a crise e os programas de ajustamento: “Eles serão cínicos ou estúpidos?”. A resposta é que esta recessão é um instrumento de transformação social. Eles parecem estúpidos, mas não são.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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