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Eleições: “Para o Brasil seguir mudando?”

Com Dilma Rousseff a ultrapassar os 50% nas intenções de voto, a dúvida repousa mais na realização ou não de uma segunda volta nas eleições presidenciais de 3 de Outubro. Por Adriano Campos, de São Paulo para o Esquerda.net
Lula usou todo o seu peso político no lançamento da apagada e desconhecida Dilma Rousseff. Foto de redebrasilatual

No Brasil, a julgar pelas sondagens, a dúvida repousa mais na realização de uma segunda volta do que em quem vai suceder a Lula nas eleições presidenciais que se disputam a 3 de Outubro. Com Dilma Rousseff a ultrapassar os 50% nas intenções de voto, tudo indica que o máximo que o líder da oposição e candidato repetente, José Serra, poderá conseguir é adiar a derrota até o segundo turno. Esse clima de “já ganhou” tem contribuído para uma campanha vazia e programaticamente monolítica entre os dois principais oponentes, com debates em ritmo de propaganda cronometrada e claro, com a imensa sombra de Lula que, do alto dos seus 80% de aprovação, vai ditando mais política que os candidatos.

E agora José?

A tarefa de José Serra, que encabeça a coligação de centro-direita do PSDB e dos herdeiros políticos da ditadura, o DEM, já se antecipava difícil. Com uma previsão de crescimento económico de 7% em 2010, crise é uma palavra que passa longe do discurso político e mediático brasileiro. O conhecido boom da económia brasileira, apoiado no enorme crescimento das exportações, aumento do investimento externo e expansão do mercado interno, permitiu um real crescimento do emprego e melhorias significativas no acesso ao crédito e ao consumo. Tal cenário, aliado aos programas assistencialistas tais como o Bolsa Família, com 12,6 milhões de famílias beneficiárias, e à euforia da descoberta das enormes reservas de petróleo do Pré-Sal (no subsolo marítimo), permitiu ao PT surfar uma grande onda de pré-campanha nos últimos dois anos. Mas foram os números da ascensão social no Brasil (segundo o governo são 24 milhões de brasileiros saídos da pobreza extrema e 31 milhões que entraram na classe média) a principal alavanca para a popularidade de um Lula que usou todo o seu peso político no lançamento da apagada e desconhecida Dilma Rousseff. Como o próprio Lula sintetizou em mais um dos seus peculiares desabafos: “Foi preciso um torneiro mecânico (ex-profissão de Lula) para mostrar aos capitalistas brasileiros como se faz o capitalismo”.

A Serra restou, então, iniciar a campanha com um pacto de não-agressão, onde as críticas ao governo eram parcas e a Lula em particular, inexistentes. Mas, com o fosso crescente nas sondagens, uma sombra de alternativa programática baseada na redução de impostos e do aparelho de Estado, no reforço da acção policial e numa agressiva guinada na política externa (onde Chavez, Morales e Ahmadinejad não teriam lugar) rapidamente descambou para um ataque pessoal e político à candidatura de Dilma. A descoberta, a meio da campanha, de uma mega-fuga de dados fiscais, supostamente orquestrada por elementos do PT a partir do Ministério da Fazenda (Finanças), expondo dados de familiares e correligionários de Serra tem servido como base de ataque nas últimas semanas. Dilma nega o envolvimento e segue incólume nas pesquisas.

Já muitos apontam que a previsível derrota de Serra ditará o colapso definitivo do PSDB e do projecto político que, para Emir Sader, mais facilmente se poderia classificar de “uma segunda via do neoliberalismo do que de Terceira Via”, como muitas vezes foi chamado. A escuridão a que foi remetido o seu principal ideólogo, Fernando Henrique Cardoso, durante toda a campanha, e os rumores de que Aécio Neves, governador de Minas Gerais e nome forte do PSDB, se prepara para fundar um novo partido parece indicar que os tucanos, como são apelidados, continuam a pagar caro pelas suas escolhas governativas da década de 90.

Uma eco-capitalista conciliadora

Marina Silva constitui um caso singular e, com os seus 10% nas sondagens, mais facilmente servirá no futuro a Dilma do que a Serra. Esta ex-Ministra do Ambiente de Lula encabeça uma declarada candidatura de fundo eco-capitalista com propostas conciliadoras de cooperação e superação de divergências entre esquerda e direita. A já mais que conhecida agenda verde do capitalismo sustentável ganha, no caso de Marina, contornos perigosos visto que o seu PV (Partido Verde), para além de ser acusado de instrumento político para lavagem de imagem ambiental de grandes empresas, tem como presidente o filho de José Sarney, um dos maiores oligarcas e corruptos do nordeste brasileiro, e como vice de Marina, Guilherme Leal, um bilionário com lugar na lista da Forbes e dono do gigante grupo de cosméticos Natura. Apesar de clamar por um novo modelo de política, não constituirá particular espanto se Marina Silva vier a ocupar algum cargo no Governo de Dilma.

Vida inteligente à esquerda

As três principais candidaturas à esquerda do PT dificilmente ultrapassam os 3% no somatório das intenções de voto. Falhada a reedição da frente de esquerda de há 4 anos, tendo na altura Heloísa Helena alcançando mais de 6 milhões de votos, e com PSTU e PCB fora dos debates televisivos e da exposição mediática (as televisões, baseadas na lei eleitoral, apenas convidam candidatos cujos partidos tenham assento parlamentar), tem recaído em Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL, o maior destaque na apresentação de um programa alternativo de pendor socialista.

Este histórico activista social de 80 anos, dissidente do PT e Presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, tem dado voz a uma campanha com propostas centrais dos movimentos sociais brasileiros, tais como: a limitação do tamanho da propriedade rural a um máximo de mil hectares; redução da jornada de trabalho para 40 horas; inviolabilidade dos territórios indígenas e quilombolas; suspensão do pagamento da dívida pública e externa com a realização de uma auditoria pública e ainda a retirada das tropas brasileiras do Haiti (actualmente sob chancela da ONU). À defesa de uma saúde e educação 100% públicas e da taxação das grandes fortunas, o PSOL junta ainda a defesa do casamento gay e da descriminalização do aborto e das drogas leves.

É certo que a sombra do PT continua a pesar sobre a esquerda brasileira que, até o momento, não conseguiu ocupar um espaço relevante no panorama político. Com parte dos movimentos sociais apaziguados e institucionalizados (João Pedro Stédile, líder do MST, já declarou o seu apoio a Dilma) resta saber quando e com que alianças esta esquerda conseguirá inverter o processo de despolitização e de acalmia da luta social imposto pelo PT.

 

Que PT e Brasil com Dilma?

O slogan de Dilma Rousseff é claro: “Para o Brasil seguir mudando”, e não se pode dizer que seja uma mensagem desonesta. Dilma é um produto de Lula e por isso o seu governo será uma continuação do actual no que toca ao essencial. No plano partidário, sendo a sua aparição política uma consequência do afundamento ideológico do PT, com os sucessores mais óbvios de Lula (Palocci e José Dirceu) a serem queimados no escândalo do Mensalão, é pouco expectável que seja ela a reverter a triste situação em que se encontra o partido. Com Dilma, o PT enfrentará os mesmos dilemas, se é que a sua direcção ainda os encara como tal.

O caminho de corrupção, que atingiu dimensões de crime organizado, sendo o Mensalão apenas o mais conhecido de vários escândalos, parece ter feito escola no seio do PT. A incorporação dos principais quadros e funcionários do partido no aparelho de Estado lança a questão de saber até que ponto Dilma sobreviverá a futuros escândalos de dimensão institucional com a mesma facilidade que Lula, herdando ou não o “efeito teflon” do Presidente. Mas a questão mais crítica do PT continua a ser a sua política de alianças. A aliança governativa dos últimos 4 anos com o conservador PMDB foi, agora, transformada em aliança eleitoral, não só a nível das Presidenciais como também na maioria das candidaturas para os governos Estaduais, Senado e Câmaras Federal e Estadual, igualmente a votos no dia 3 de Outubro.

O PMDB esteve aliado a todos os governos brasileiros desde a redemocratização, na década de 80. Sendo um partido pretensamente desprovido de princípios ideológicos claros, transformou-se em coito das mais variadas oligarquias e elites brasileiras que, fazendo pesar o seu grande número de deputados, conseguiu do governo Lula o direito a seis ministros e diversos cargos de topo na administração nacional, sem falar na proteção concedida pelo governo em casos de corrupção como o que envolveu directamente José Sarney, que, se permaneceu na presidência do Senado em 2009, foi em boa parte à custa de Lula. Resta dizer que sendo o principal aliado não é o único. A sede de poder do PT é tão voraz que até o ex-Presidente cassado, Fernando Collor de Mello, conta com o seu apoio. Quem ouvir o jingle de Collor na sua campanha pelo governo do Estado de Alagoas ficará bem esclarecido quando a isso: “É Lula apoiando Collor, é Collor apoiando Dilma”.

O ónus desta aliança recaiu, claro, sobre a esquerda do PT, a partir de um processo acelerado de despolitização baseado no fenômeno do “Lulismo”, onde as lutas de base classista, as mesmo que haviam alicerçado a ascensão do PT, rapidamente foram substituídas por uma visão de consenso e de crescimento nacional alicerçada sobre a figura singular de Lula que, com uma popularidade ímpar, remeteu muitas vezes o PT para um segundo plano. A desagregação dos movimentos sociais e sindicais fortemente reivindicativos que marcaram a história dos último 20 anos foram muito mais uma escolha necessária para a política de alianças do PT do que a consequência do atendimento das suas reivindicações pelo governo Federal. As posições eleitorais de Dilma, se bem analisadas, são um espelho dessa escolha.

A manutenção da política fiscal e económica, com enormes benefícios para o capital financeiro e posição contrária à taxação de grandes fortunas em beneficio dos mais ricos; a recusa na imposição das 40 horas semanais, dizendo que isso é papel dos sindicatos; a continuação dos planos de privatização dos Correios e da Petrobrás; a manutenção do pagamento dos juros da dívida interna que consomem 36% dos recursos do governo e que beneficiam, em exclusivo, as elites financeiras contra os 3% e 5% aplicados em educação e saúde; a posição contrária à legalização do aborto e do casamento gay, favorecendo o campo conservador, e por aí vai.

Quanto ao resto, é continuar a era Lula, e aí, por mais implacáveis que sejam algumas estatísticas de crescimento económico, a realidade dos serviços públicos, da desigualdade capital/trabalho, da segurança pública, do acesso à habitação e do constante adiamento da reforma agrária, continua a deixar pálida a adjectivação de esquerda ao actual Governo.

Não quer isso dizer, claro, que hoje, seja igual ganhar Dilma ou Serra, sobretudo quando se analisa a herança desastrosa do anterior governo do PSDB e, sobretudo, se se atenta à realidade política do Continente. Com eleições legislativas altamente disputadas na Venezuela, no dia 26 de Setembro, a vitória de Dilma será importante pelo menos para assegurar a autonomia da região em matéria de relações externas e conseqüentemente possibilitar uma blindagem a ingerências que beneficiam sobretudo a esquerda. Uma vitória de Serra representaria um fôlego incrível para a direita latino americana e para os interesses dos EUA. Em tudo mais, com Dilma, o Brasil seguirá mudando, resta saber a que destino chegará.

Adriano Campos

São Paulo, 22 de Setembro de 2010.

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Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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