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Guerra é guerra
Lobo Antunes num livro preenchido por uma sua vasta entrevista, recentemente publicado, “Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes”, descreveu um cenário de barbárie provocado pelas tropas portuguesas em que estava integrado quando cumpriu a sua comissão na guerra colonial em Angola como médico miliciano.
A partir daí desencadeou-se um processo protagonizado por oficiais ex-combatentes indignados com as “insultuosas mentiras” de Lobo Antunes que feriam o prestígio dos combatentes e das próprias Forças Armadas, chegando-se ao ponto mesmo de, os mais bravos, o ameaçarem de agressão organizada e de lhe chamarem nomes pouco edificantes como bandalho. Antunes foi ainda acusado de cobardia por não ter comparecido a um debate literário em Tomar.
Lobo Antunes, acusado, portanto, de mentir, veio a retractar-se refugiando-se na sua condição de ficcionista, com alegorias de cristos pregados na cruz. (Com pregos Alcobia o Cristo não fugia.)
Pode alegar-se que usar a sua condição de ficcionista mas fora desse âmbito (uma entrevista) para mentir relatando como reais factos inventados sobre as barbaridades praticadas pelas Forças Armadas Portuguesas durante a guerra colonial, é eticamente reprovável.
De qualquer modo não passaria de um episódio banal, da condição humana, não fosse a importância que realmente tem, para lá do “fait divers” como a imprensa resolveu tratá-lo.
A indignação patrioteira dos militares , ciosos da sua honra de ex-combatentes, tem cobertura na doutrina oficial que faz fé, difundida pelos opinion makers e pela imprensa em geral desde o 25 de Novembro de 1975. Ela sustenta-se na ideia colonialista de que os portugueses em África praticaram o Bem, que a guerra permitiu levar progresso àquelas terras; e na honorabilidade e legitimidade essenciais dos actos praticados em “defesa da pátria”.
E, fundamentalmente, justifica-se com o curto, e menos cínico do que aparenta, aforismo de todas as guerras: “Guerra é Guerra”; ou , traduzido em linguagem menos filosófica: se deves matá-los por que não podes torturá-los; se podes queimá-las lá de cima com bombas napalm, porque não as podes esventrar com os filhos na barriga; se não sabes se são elementos inimigos ou população, por que hás-de correr riscos escusados?
Parte importante da obra literária de Lobo Antunes é um monumento de denúncia da guerra colonial e do colonialismo, culminando no devastador “O Esplendor de Portugal”. A ficção em contraponto com a doutrina oficial, assumindo o verdadeiro peso da realidade.
Desta vez parece que António Lobo Antunes mentiu e retractou-se. Fez mal. Não devia ter mentido e não devia ter-se retractado. O que ele disse é mentira, mas o que ele disse não é mentira.
A guerra colonial foi um crime global cometido por gentis cavalheiros ao serviço da civilização ocidental e cristã. A malta era fixe e o resto são tontices e canalhices.
As chacinas do Alferes Robles são uma ficção, Wiryamu uma distracção, Inhaminga uma invenção de padres mal dispostos, Kassange foi um dia de má disposição, os relatórios em que os mortos da população eram contados como baixas inimigas eram escritos por escriturários bêbedos; os meninos que os soldados levavam terna e paternalmente às costas tinham-se despedido carinhosamente dos pais acabados de ser mortos e decidido ir ver mundo; as deportações e os campos de concentração (aldeamentos) eram feitos para melhorar as condições de vida das populações deportadas da sua terra pelos bons militares que a devastara e deixara em chamas; a tortura até ao assassinato para saber onde era a base foi apenas inventada em Abbu Grahib; o Napalm era para ajudar a acender as fogueiras em dias de chuva.
Era prática corrente? Não. Mas era prática aceite e sem consequências? Sim. Fazia parte das NEP's? Não. E da Doutrina? era bom ir ao fundo. Havia directizes? Não. A atitude do Comando e do Estado Maior estimulava distraidamente? Sim. Tudo era discretamente admitido desde que contribuísse para o moral e eficácia das tropas.
A Guerra Colonial tem sido tratada sob o signo da desculpabilização, e mesmo muitos que a abordam seriamente não conseguem furtar-se à “traição” da camaradagem objectiva do campo de batalha, da honra e do orgulho da “ética” virtual do combatente, que se traduzem no esmaecer da memória colectiva e no adormecimento neutralizador que permitem que hoje as FA's gloriosas - glória reivindicada por esses tempos!- estejam “gloriosamente” empenhadas noutras guerras coloniais tão ou mais criminosas que a “Nossa”, sem uma atitude geral de crítica cidadã; antes pelo contrário, o enaltecimento dos bravos mercenários de Obama que vão defender a pátria empenhados noutros massacres democráticos e virtuosos praticados pela NATO a que pertencemos orgulhosamente.
E assim estamos perante a naturalidade do envio de cem militares para a Bósnia, duzentos para o Afeganistão, e espiões também! Chama-se a isso projecção de poder. O poder dos portugueses ganhando umas massas, em guerras de chacina e domínio. O crime é óbvio, mas somos dignos dos nossos antepassados. O dia das Forças Armadas, aí está a prová-lo.
Fiquemo-nos com uma transcrição de Boris Vian:
“...Fiz a minha investigação; é conclusiva. A verdade é terrível: completamente negra com chapas cor- -de-rosa; ei-la: em cada guerra há milhares de combatentes que voltam sãos e salvos. (…) O indivíduo que volta de uma guerra tem, forçosamente, mais ou menos a ideia de que ela não foi perigosa. E contribui para o fracasso da seguinte, e não nos faz levar a sério as guerras em geral...”
Comments
O Sr Coronel na altura de
O Sr Coronel na altura de Wiriamu estava dentro do arame farpado (Nampula)a que nós chamava-mos de AR CONDICIONADO ao lado do seu amigo Kaulza, eu estava em Nura/Tete, onde o Zeca Caliate (Chefe do 4º Sector da Frelimo) se entregou em Julho de 1973, Lembra-se?
Meu caro, não vamos comparar
Meu caro, não vamos comparar matos e arames farpados (até porque em Nampula não havia arames farpados.Onde havia arame farpado era em Nura -uma ironia) porque ficaria a perder. Mas o que escreve diz pouco ou nada sobre o meu texto.´Seria isso que interessava.
Pensava que a verdade era só
Pensava que a verdade era só uma. Agora verifico que tambem há a verdade da esquerda. Como é que o Senhor teve estômago para fazer isso tudo, aceitar inclusive condecorações e chegar a coronel não tendo disso vergonha ? Os que desertaram por motivos políticos foram mais coerentes.
Senhor António Pedro Montez
Senhor António Pedro Montez Coelho
Só a pescada é que o é antes de ser. Decerto não é dos que acreditam que quem fez o 25 de Abril caiu do céu como o espírito santo para emprenhar a mulher do José.
Ou então não percebeu o que foi o 25 de Abril de 74 ou não quer perceber. Se está neste último caso não deve estar muito chateado porque já pouco sobra dele.
Finalmente está enganado quanto è verdade. A verdade não é só uma.A da direita é criada à imagem e semelhança do sinteresses dominantes, logo é con servadora e fecha os olhos à vida real. A da esquerda - como descobriu agora, graças ao meu texto-, está mais próxima dos factores que decorrem e por outro lado determinam a vida real e, principalmente, do desenrolar objectivo da história. Onde havia arame farpado era em Nura. (uma ironia)
Peço dsesculpa : a última
Peço dsesculpa : a última frase « Onde havia arame farpado era em Nura. (uma ironia)» não pertence à minha resposta para si.
Boa tarde, Li o seu texto com
Boa tarde,
Li o seu texto com a atenção que merece. Qualquer coisa no entanto curiosamente me decidiu escrever-lhe estas linhas. De facto estou de acordo com a visão critica de fundo mas não me parece ter em conta uma vertente menos conhecida mas não menos real, humana... para ser simples.
Longe do ficcionismo e da grande literatura, como seria longo entrar em pormenores, permito-me aqui um ou dois pequenos elementos concretos susceptíveis de dar uma ideia sobre a questão em causa. O primeiro é um extracto de correspondência. O segundo, uma ilustração através de algumas linhas escritas por um convicto "objector de consciência" que paradoxalmente cumpriu o "seu dever" como pôde.
Não serão casos isolados nem tão menos uma prova do contrário.
Com as melhores saudações,
raul ferreira rocha
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( 1/4 continua )
Meu caro Raul Ferreira da
Meu caro Raul Ferreira da Rocha
Como eu compreendo bem o que escreveu. Todos os anos tenho 3 almoços com a malta de três companhias, uma em que fui alferes adjunto do comando (Guiné 1963/64) e as outras duas de que fui comandante (Moçambique, 1966/68 e Guiné 1970/72). A quarta comissão foi passada em Moçambique, um ano como ajudante de campo do Comandante Chefe, General Kaulza de Arriaga e um ano a preparar com muitos outros oficiais, a grande maioria capitães, o 25 de Abril de 1974.
E nesses encontros sobressaem três coisas: a indestrutível camaradagem construída na acção e na solidariedade necessária à sobrevivência de todos; as marcas reais que a guerra deixou aligeiradas pelo tempo e pela memória selectiva; e a consciência geral de que não estivemos lá a defender a pátria mas ao serviço de interesses que, infelizmente ainda hoje são os dominantes.
Obrigado pelo seu comentário
(2/4 continuação) "Caríssimo
(2/4 continuação)
"Caríssimo (...),
Antes de mais obrigado pela tua simpática missiva.
Uns e/ou outros, chegamos a uma fase da existência em que aspectos retrospectivos da vida tomam por vezes um papel preponderante nas divagações que nos atravessam o espírito. Assim é hoje (por vezes) o meu caso.
Independentemente dos aspectos de ordem ética e outros valores inerentes, o nosso passado é-nos indelével. E teremos que o assumir nas suas múltiplas vertentes e facetas. Direi, com mais ou menos tomada de consciência no/do que a vida nos proporcionou.
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(3/4) (...) Assim poderemos
(3/4)
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Assim poderemos dizer que subsiste um espaço suficiente para não digo "embelezar", mas para se poder "tornar digno" (no mínimo), "o que se teve de assumir", mesmo se, esquivando em guisa de tabu (na altura), o conceito de "objecção de consciência". Este, estaria mais presente nas consciências da nossa juventude na altura, que o que as ditas e pretendidas "páginas brilhantes " da nossa história nos deixa crer em relação aos anos 70. Enfim. Em bom português como se diz popularmente, e para desanuviar "tabus" que não têm mais razões de existir nos nossos dias, e para dissipar sei lá qualquer outro mal-entendido, o chamado "zé da cunha" por lá também passou. E todos sabiam, todos sabíamos Nota: devemos ter em conta e acreditar que haja excepções.
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(4/4) (...) De todas as
(4/4)
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De todas as maneiras o que ficou, foi o essencial. O chamado espírito de corpo ou outra coisa qualquer. Somos vários/alguns a acreditar e a demonstra-lo com uma verdadeira camaradagem amiga. Com os nossos encontros anuais por exemplo.
E mais se vera... porque RECORDAR passou a ser sinónimo de VIVER para os Veteranos da 1ª C.P.M.M.
Recebe aquele grande abraço amigo
e ao prazer de te ver nas nossas páginas,
(...)
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"Ouve-se aqui e ali que
"Ouve-se aqui e ali que existe como que um mal-estar geral. Um país que se interroga sobre o seu presente, o seu futuro, o seu passado. Como um país que se procura a si mesmo. Um país que ainda não teria encontrado no seu espírito e na sua consciência, a sua postura convicta e assumida no cortejo das Nações ricas de uma... história própria.
O estado moral de um povo mede-se (de maneira considerável), pela acção do(s) seu(s) governo(s). Este, não devera contar unicamente com os esparços acontecimentos desportivos internacionais aos quais Portugal participa para enaltecer e engrandecer a coesão psico-económico-histórico-social e moral do "espírito de nação".
(4/4 b) (...) A nossa
(4/4 b)
(...)
A nossa história recente (fim do século XX), pôs termo a séculos de história de um passado rico de descobertas contribuindo assim para a história da humanidade. Hoje, num mundo em constante mutação novos desafios se deparam. Mais do que nunca precisamos de sentir a coesão e/com auto-reconhecimento. O reconhecimento do que fomos ajuda-nos no reconhecimento do que somos para melhor se poder encarar o que seremos na vida e no futuro.
Respeitar os que se sacrificaram pela Pátria dando-lhes uma sepultura digna desse nome no nosso país é uma forma de reconhecimento primordial. Porque para a Nação, cuidar dignamente dos mortos pela Pátria é asseguradamente um sinal forte. Forte de respeito pela vida e um exemplo para o futuro da Nação portuguesa."
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Em Nampula nem sequer havia
Em Nampula nem sequer havia arame farpado que não rima com ar condicionado. Onde havia arame farpado era em Nura.
E quanto a arame farpado como separador de situações, olhe que fica a perder no cotejo!...
Gosto mais de factos
Gosto mais de factos objectivados do que artigos filosóficos. Mas já o outro agora diz que são metáforas. Tem razão quando diz que já lá percebiam para quem trabalhavam. Eles lá estão, meia duzia de empresários portuguses, brasileiros,americanos, japoneses,russos e muitos chineses. Os indigenas continuam na mesma. Será que os colonizaddores ainda somos nós?
A colonização agora é
A colonização agora é praticada pelas grandes potências e seus serventuártioas que usam a guerra como instrumento de eleição. Iraque, Afeganistão, Palestina,Sahará Ocidental...e outras em preparação (Irão?)são os grandes crimes destas guerras do capital contra os povos.
Pelos vistos já abandonámos
Pelos vistos já abandonámos Angola para voar para territórios mais favoráveis como a mafia do gás na Rússia e a do petróleo da América. Mas como vamos com a matança das criancinhas pela Companhia do Senhor Alferes Miliciano ? .Parece que o problema andava ´a volta desta violenta afirmação.
Quem sabe um dia alguém conte
Quem sabe um dia alguém conte a verdadeira história, sem mentir, de manuel alegre por terras do ultramar:)
Meu Major porque não contar a
Meu Major
porque não contar a verdade sobre o dia 24 e 25 de Novembro
o que se passou, porque ficás-mo quietos e a seguir levamos com tudo em cima
porquê no dia 24 dizer uma coisa na parada e no dia 25 fazer outra
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