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Desinformação manipulada sobre o Banco Central Europeu

A informação que está a ser propagada sobre o Banco Central Europeu não corresponde à realidade. Leia estes seis esclarecimentos para compreender corretamente a natureza dessa instituição e os interesses que defende.
Mário Draghi, presidente do BCE: ao serviço da banca. Foto de European Parliament

É importante corrigir a informação sobre o Banco Central Europeu que está a ser propagada nos círculos económicos e financeiros dominantes (tanto na União Europeia quanto na Espanha) e que não reflete corretamente a natureza dessa instituição. Comecemos pelo elevado prémio de risco espanhol, que é atribuído à especulação dos mercados financeiros contra a dívida pública do Estado espanhol, o que não é correto. Que os mercados financeiros especulem é intrínseco à forma como funcionam esses mercados. Mas, repito uma vez mais (ver os meus artigos sobre o tema no meu blog) que a instituição responsável e que determina os juros da dívida pública espanhola e dos países da zona euro é o Banco Central Europeu (BCE) que, durante mais de cinco meses, não comprou dívida pública. Esta é a razão de o prémio de risco espanhol estar pelas nuvens. Enquanto o BCE não comprar dívida pública espanhola, esta continuará vulnerável àquela especulação. A única instituição (repito, a única) que pode fazer descer o prémio de risco é o BCE. Tentar baixar o défice público, cortando e cortando, para “dar confiança aos mercados”, é ou uma frivolidade que reflete uma enorme ignorância de como funciona o sistema financeiro na zona euro, ou uma manipulação para fazer crer que os cortes são necessários para baixar os juros da dívida pública.

O segundo esclarecimento que é preciso fazer é explicar que o facto de o BCE ser a única instituição que pode fazê-lo é porque é a única instituição que pode imprimir dinheiro sem nenhum limite. Pode, portanto, comprar tanta dívida pública quanto quiser. Nenhuma outra instituição pode fazer isto.

O terceiro esclarecimento é que o facto de o BCE não comprar dívida pública da Espanha (e da Itália) deve-se ao desejo de utilizar a sua pressão para que os governos desses países tomem medidas que são altamente impopulares (porque prejudicam os interesses das suas classes populares) e que quer aplicar para otimizar os interesses que representa. O BCE é um lóbi da banca europeia e muito em especial da banca alemã e do Bundesbank (o Banco Central alemão). E esses grupos de pressão têm a sua própria agenda que inclui 1) evitar a inflação de todas as formas 2) conseguir que se pague aos bancos alemães os juros da dívida que possuem e que possam recuperar o dinheiro emprestado 3) obter a privatização das pensões, como sempre desejou a banca 4) conseguir a privatização das transferências e dos serviços públicos do Estado de Bem-Estar, tal como sempre desejaram a banca e as companhias de seguros privadas 5) diminuir os salários, como sempre quiseram a banca e o grande patronato e 6) diluir a proteção social, como também sempre sonharam a banca e o grande patronato. Estes objetivos raramente aparecem explícitos nas declarações das autoridades financeiras alemãs ou do BCE (ainda que surpreendentemente apareçam com maior frequência à medida que o tempo passa). Os argumentos que utilizam retoricamente são a necessidade de os Estados terem um “comportamento de rigor e seriedade fiscal”, exigência que nunca fazem aos bancos. O BCE emprestou um bilião (sim, um bilião de euros) à banca sem lhe pôr qualquer condição (repito, qualquer condição). Em contrapartida, põe tais condições quando compra dívida pública.

O quarto esclarecimento é que o BCE não é um banco, muito menos um banco central. Argumentei já detalhadamente em várias ocasiões que o BCE não é um Banco central (ver “El Banco Central Europeo no es un banco central: ahí está el problema de la crisis de la deuda pública”, El Plural, 08.08.12). Mas é preciso esclarecer que o BCE também não é um banco, ou pelo menos não é um banco comercial. Os bancos comerciais devem ter uma reserva e devem mostrar que não têm perdas ou uma balança desequilibrada. Mas o BCE não tem por quê possuir tal reserva ou tal preocupação, pois pode imprimir tanto dinheiro quanto quiser. Como bem assinala Paul de Grauwe, um banco central não pode entrar em colapso (“Only the ECB can stabilize the Eurozone”, Social Europe Journal, 31/7/2012). E a razão disso é poder imprimir dinheiro. Pois bem, o Banco Central Europeu pode imprimir tanto dinheiro quanto quiser e portanto não pode entrar em colapso. E o facto de o Estado espanhol poder entrar em colapso deve-se a não ter um Banco Central que possa imprimir dinheiro. O BCE poderia ser ou atuar como o Banco Central da Espanha ou de outros países membro. Mas não o faz porque quer pressionar os Estados a aplicarem o que os dirigentes do BCE desejam. Daí que o argumento que o próprio BCE utiliza com frequência (que precisa de ter reservas) é errado ou falso, como também assinala Paul de Grauwe. O único limite que tem o BCE (como outros bancos centrais) é o risco de criar inflação devido à abundância de dinheiro. Mas, tal como estão as coisas, o perigo maior que tem a eurozona não é a inflação, mas sim a deflação, quer dizer, o oposto.

O quinto esclarecimento é que o BCE imprime euros que não paga ao Bundesbank. Este último contribuiu para criar uma grande confusão ao indicar que é o “maior contribuinte do BCE”, frase que é incorreta, pois o BCE não é o Banco Mundial. O euro é uma moeda única, quer dizer, uma síntese de todas as moedas dos países da eurozona. Mas quando se duplica, por exemplo, o número de notas, não quer dizer que o Bundesbank contribua com o dobro. O Bundesbank não contribui com nada. Tem de garantir, da mesma forma que todas as entidades públicas financeiras dos Estados da zona euro, que a impressão do dinheiro não provoque efeitos negativos como o já citado, da inflação. Mas essa imagem de que o Bundesbank é quem paga ou sustenta o euro não é correta. Quando o BCE comprou dívida pública espanhola, o Bundesbank não contribuiu com nada. Esta imagem de que o pensionista alemão está a financiar (através da compra da dívida pública por parte do BCE) o pensionista espanhol é uma imagem maliciosa e profundamente errada, que a imprensa alemã conservadora e neoliberal está a propagar para aquecer os ânimos.

O sexto esclarecimento é que o Estado alemão tem excessivo poder, em consequência de outros estados, como a França, a Itália, ou a Espanha terem permitido que o tenha, apesar de, por exemplo, somarem todos juntos um PIB muito maior que o da Alemanha. Se houvesse uma resposta coordenada e contundente destes três estados, a Alemanha teria de ceder. E uma das mudanças mais importantes seria a mudança do BCE, transformando-o num autêntico Banco Central. Que isso não ocorra deve-se à cumplicidade existente entre os establishments dos países da zona euro, que preferem o sistema atual, que lhes permite alcançar os seus objetivos através da manutenção do BCE tal como é. E se não acredita, espere e logo verá como o BCE vai pôr como condição para salvar a dívida pública da Espanha, que o Estado espanhol privatize tudo o que seja público, desde as pensões aos caminhos de ferro públicos do Estado (que é o que deseja a banca e o grande patronato), o que tem pouco a ver com as funções de um Banco Central.

8 de agosto de 2012

Retirado do blog do autor.

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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Sobre o/a autor(a)

Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha).
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