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Apontar ao alvo certo: a culpa é dos políticos ou é dos grandes capitalistas?

Vemos umas caricaturas do Cavaco Silva e se calhar achamos graça. Sim, ele tem culpa. Vemos a paródia ao Relvas, e sim é um burlão. Vemos o achincalhar da Assembleia da República, no seu conjunto, e – se calhar – já pensamos duas vezes. Ou não?

Não há dia que passe sem que receba uma qualquer mensagem de alguma amiga ou amigo que não venha invetivar os políticos como os grandes culpados pela marcha acelerada em direção ao estado de pobreza a que nos encontramos submetidos.

Vemos umas caricaturas do Cavaco Silva e se calhar achamos graça. Sim, ele tem culpa. Vemos a paródia ao Relvas, e sim é um burlão. Vemos o achincalhar da Assembleia da República, no seu conjunto, e – se calhar – já pensamos duas vezes. Ou não?

Façamos uso do epíteto que nos lançam à cara e usemo-lo ao peito: somos radicais, com orgulho. Radicais porque vamos às raízes, ao fundo das coisas e nas coisas lemos processos, interesses, classes sociais, desigualdades de género. Qual é então a raiz da coisa?

Sabemos que a classe política – termos muito usado na imprensa atualmente – é um termo equívoco. O que há sim são políticas e, com elas, agentes da política que servem interesses de classe: a aprovação das leis laborais interessa a quem? - «querias contrato? trabalha de graça, chamas-lhe estágio e até pões no currículo!»

Acabar com o sistema nacional de saúde beneficia quem? - «o teu banco não te preveniu para comprares um seguro de saúde?»

Quem fica a rir-se com o fim da escola pública? - «inscreves as crianças no privado e entram no curso superior que é limpinho».

Quem ganha com a concentração do comércio? - «se os hiper já vendem mais caro que algumas lojas de proximidade, de que te adianta, se as lojas de proximidade já fecharam há muito?»

Há um grupo de pessoas que claramente só perde: quem vive do seu próprio salário ou reforma, ou pior ainda, quem nem salário tem ou quem, por este andar, não terá reforma alguma. E perdem também pequenos comerciantes e industriais arruinados pelos gigantes, perdem as empresas que eram também o seu próprio local de trabalho.

Quem ganha?

É a velha pergunta de Garrett: quantas pessoas é preciso reduzir à miséria para fazer um rico?

E se parece evidente a resposta é no entanto preciso repeti-la sem fim para lembrar quem são os donos de Portugal,donos de Portugal, que esses sim estão sempre a ganhar e estão a ganhar agora mais do que nunca.

Porque será então que não vemos nunca os Belmiros e os Soares dos Santos, as dinastias de Espíritos Santos e Mellos, de Champalimauds e Ulrichs a serem o alvo das críticas?

Porque têm quem faça o trabalho sujo da política de pilhagem, de destruição do estado social e de recuperação revanchista das conquistas que o Trabalho acumulou ao longo de séculos de lutas? É uma possível resposta. Mas é pouco. Porque, em segundo ou talvez em primeiro lugar, é muito mais útil criar para-raios e bodes-expiatórios, figuras-joguete que se possa utilizar e descartar (adeus Relvas?!) do que deixar expostos os nomes desta gente de linhagem aristo-capitalista que esses precisam de descrição e seguramente não vão ser afastados por qualquer escândalo criminal, fiscal ou quejando.

Mas o que é preocupante, acima de tudo, e de imediato, não é tanto que os verdadeiros donos da nossa miséria – na educação, na saúde, no trabalho, na cultura – estejam a sair relativamente ilesos. O mais preocupante de imediato, creio, é que esta onda populista de «abaixo os políticos» está a dar cobertura a uma campanha em que a extrema-direita pontifica – e que tem vindo a marcar pontos eleitorais em certos países. Campanha destinada a fazer desacreditar não estes sistemas políticos, mas a política em geral ou, se preferirmos ir direito ao assunto, a democracia. É deste populismo que se alimentam os baronetes das direitas mais à direita no seu discurso contra os políticos, como se alimentaram os ditadores fascistas até chegarem ao poder. É preciso relembrar esta História.

Há dias circulava uma mensagem na Net que apelava à revisão da Constituição porque os deputados estão ganhar imenso dinheiro. Como se a Constituição tivesse alguma responsabilidade no assunto. Mas já agora, dava jeito, não dava? Acabar com o que aí resta de Abril, quero dizer. É mesmo só ignorância política que está por trás deste tipo de coisa?

Que tal se passarmos a fazer piadas e caricaturas em que o alvo sejam esses grandes capitalistas e a deixar cair as dos tais políticos, não porque mereçam a nossa pena, mas tão só porque a nossa pontaria está realmente dirigida ao alvo errado?

Sobre o/a autor(a)

Investigadora em sociologia da cultura
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