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Festa Brava, Festa Bárbara

Se às crianças e aos jovens são incutidas a aceitação de maus tratos aos próprios ou a outros animais, terão tendência a tornar-se tolerantes à violência gratuita.

Estamos em plena época taurina. Touradas e garraiadas têm-se multiplicado pelo país. Touradas onde sempre as há, mas não só. As empresas tauromáquicas estão a fazer um grande esforço empreendedor. Tentam, com algum sucesso, mas não muito, alastrar o seu negócio para terras a norte sem qualquer tradição tauromáquica.

Os protestos têm-se multiplicado. Envio de cartas às entidades responsáveis pela organização dos eventos, petições para impedir a sua realização e manifestações à porta daqueles eventos que acabam por se realizar. Estes protestos têm surgido muitas vezes de grupos de pessoas que se vão conhecendo nas redes sociais e decidem naquele momento juntar forças por uma outra cultura.

Pelo menos duas touradas foram canceladas. Uma na Maia, onde os bombeiros voluntários de Pedrouços, juntamente com alguma população local, decidiram substituir o espetáculo bárbaro por um festival alternativo, onde música, boa comida, bebida, muito artesanato e diversões para as crianças marcaram um dia que virou mais uma página na história da tauromaquia em Portugal. Chaves decidiu seguir o mesmo caminho e cancelar o espetáculo taurino agendado.

A época das garraiadas académicas também se deu com as queimas das fitas. Mas mesmo aí, algumas consciências se elevaram. Em Setúbal, depois de vários protestos, a federação académica decidiu cancelar a garraiada. Em vez de se divertirem a atormentar um garraio, as/os estudantes divertiram-se a cantar numa festa de Karaoke.

O dia da criança foi também marcado por espetáculos taurinos. Entre eles está um organizado pela A.C.A. “amigos da festa brava” em Arronches com os objetivos de “comemorar o Dia Mundial da Criança; proporcionar a todas as crianças o direito de assistir a um espetáculo taurino a um custo muito reduzido; e por último criar, fomentar e divulgar o gosto pela Festa Brava, para que a nossa identidade não se confunda num mundo de globalização imposta”1. Também Nisa terminou os festejos do dia mundial da criança com uma tourada à vara larga, organizada pelo Centro Infantil da Santa Casa da Misericórdia2.

O objetivo é claro: empreender, educando públicos. Na infância, na adolescência ou em populações sem qualquer acesso a cultura, o ataque fica facilitado. No vazio crescente3, há imenso espaço para preencher.

Mas se um filme violento, porque afeta negativamente o desenvolvimento psicológico, não é próprio para uma criança, uma realidade violenta muito menos. Já as/os jovens estudantes parecem levar até ao fim os valores que aprendem com certas atividades académicas: a submissão, o autoritarismo e o humilhante tormento.

Se a faculdade educa, a cultura também. Se às crianças e aos jovens são incutidas a aceitação de maus tratos aos próprios ou a outros animais, terão tendência a tornar-se tolerantes à violência gratuita. O público precisa de mais cultura e menos barbárie. Apostemos no teatro, na música, na dança, na arte plástica e em todas aquelas formas de arte que fazem despertar em nós o que há de mais profundo na nossa existência. Desistamos da violência gratuita e da dominação primitiva.

A violência não pode ser espetáculo numa sociedade que respeita e dignifica outros seres, humanos ou não. A violência não pode ser o palco onde se aprende o que é a cultura e o que significa viver em sociedade.


Sobre o/a autor(a)

Investigadora em engenharia biomédica
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