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Sem espinhas ou sem espinha?

Qualquer que seja o desfecho das novas eleições na Grécia, a Syriza forneceu um bom exemplo da relação que a esquerda pode e deve construir com outras forças políticas e com o poder.

As novas eleições na Grécia são o desfecho de um processo em que nenhuma coligação maioritária foi possível, num contexto em que se intensificaram as pressões por parte do Governo Alemão, com o seu Ministro das Finanças a disponibilizar-se para apoiar uma saída da Grécia do Euro e a subida em flecha da Syriza nas sondagens na sequência das suas próprias tentativas para formar um Governo que rompesse com o resgate da Troika.

Qualquer que seja o desfecho deste processo. A Syriza forneceu um bom exemplo da relação que a esquerda pode e deve construir com outras forças políticas e com o poder. Definiu um conjunto de medidas prioritárias e convidou outras forças a apoiar um Governo com esse programa (incluindo o Pasok e até a ND). Começar pela política foi o que permitiu à Syriza uma estratégia de enorme abertura e clareza política.

Não deixa de ser curioso que os mesmos que habitualmente acusam os partidos de esquerda por rejeitarem os compromissos e o exercício do poder tenham agora chamado populismo a estes esforços exatamente pelas razões contrárias. São, aliás, também os mesmos que caracterizam como “extremista” uma força política que se predispõe a formar um Governo, inclusive com Partidos que combateu nos últimos anos. Com uma base programática, como é evidente, e como se exige a qualquer Partido que respeite a sua proposta política. O contrário é que não seria sério…

Mas as eleições deram também dois exemplos dos piores comportamentos que a esquerda pode ter perante contextos de elevada complexidade e responsabilidade. Por um lado, o Partido Comunista Grego (KKE), quando confrontado com as propostas da Syriza, rejeitou não apenas os termos que eram propostos como, inclusive, recusou-se a sentar-se à mesa com a Syriza para propor outros diferentes. Trata-se de uma decisão incompreensível, vergonhosa à luz da melhor tradição comunista, e completamente irresponsável em face do que está em jogo hoje na Grécia. As divergências entre KKE e Syriza sobre a questão da saída do Euro não justificavam que se desperdiçasse a possibilidade de uma convergência na defesa de direitos elementares.

O outro exemplo é o do Dimar. Este partido surgiu de duas cisões do Pasok e da Syriza, com a promessa de construir uma mais ampla unidade contra a política da Troika. Durante a campanha, foi alterando o seu discurso até chegar ao ponto de proclamar que estava de acordo com os “objectivos” da Troika, mas não com os seus “instrumentos”. A ambiguidade e inconsistência do Dimar custou-lhe uma queda abrupta que culminou num resultado muito abaixo daquele que as sondagens tinham inicialmente indicado.

Estes exemplos mostram um duplo paradoxo: estes dois partidos, que prometiam ser os mais fortes combatentes contra a política da Troika (um através da firmeza, o outro através da unidade) arriscaram-se (e ainda arriscam) a dar um contributo inestimável para a sua sobrevivência e continuação. O Dimar prometia tentar todas as convergências contra a Troika. O KKE prometia manter-se firme na recusa dessa política. Mas quem cumpriu ambas as promessas foi a Syriza.

O que é interessante é que para os outros dois partidos da esquerda, a política desapareceu. Substituída pelo sectarismo puro e duro ou pela confusão quanto aos objetivos, a agenda programática tornou-se irrelevante e foi, em ambos os casos, traída pela atuação concreta destes partidos.

No entanto, estes acontecimentos também revelaram aos gregos uma alternativa forte, com compromissos sólidos e uma grande vocação unitária. A tentativa de formação de Governo, ainda que gorada, clarificou os campos na política grega e foi reconhecida por todo o eleitorado à esquerda. A Syriza credibilizou-se como alternativa e o seu crescimento é a partir de agora a hipótese urgente para a mudança na Grécia. E quem diz Grécia, diz Europa.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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