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Grécia: o fim do centro?

O que se passa na Grécia é uma lição para toda a Europa. A amplitude da rejeição do extremismo da troika e da ditadura da dívida é um sinal de esperança que faz toda a diferença.

Nos telejornais portugueses, os correspondentes televisivos insistem que os resultados das eleições gregas são “problemáticos” e mostram a vitória do “radicalismo”. Na verdade, o que se passa na Grécia é uma lição para toda a Europa. A amplitude da rejeição do extremismo da troika e da ditadura da dívida é um sinal de esperança que faz toda a diferença. Nos escombros de um país destruído pelas políticas de austeridade, a luta social tem mostrado a sua força e os resultados destas eleições significam uma recomposição profunda do mapa político. O princípio do fim do centro pode ser o início de uma alternativa.

Os partidos que defendem a austeridade e o acordo feito com a Troika sofrem uma derrota histórica. O Pasok (PS), amarrado ao acordo, não chegou aos 15%. Os seus parceiros de governo (Nova Democracia) não passam os 20%. Somados, só conseguem ter uma maioria de deputados com a batota da atribuição de mandatos que dá um extra de 50 deputados ao partido mais eleito. Quando na Grécia se colocou a hipótese de referendar o memorando, a troika impôs um novo governo não eleito e impediu que os gregos fossem a votos. Percebe-se hoje muito bem o medo que a democracia provocou aos austeritários.

Na esquerda, ganha a combinação da coerência com a abertura. O segundo partido mais votado das eleições, a Syriza – coligação da esquerda radical, correspondente ao Bloco de Esquerda – distinguiu-se pela clareza programática. Sem hesitações, afirmou-se contra o memorando da troika, defendeu uma auditoria à dívida e a sua renegociação. Bateu-se por uma alternativa europeísta, rejeitando a saída do euro. Defendeu uma rotura com a austeridade e uma política centrada na criação de emprego e nos serviços públicos. E distinguiu-se também por combinar essa clareza e a presença na luta social com a enunciação de uma alternativa e de uma estratégia de abertura e de diálogos para a maioria. Fê-lo através da ideia, que foi bandeira da campanha, de um governo de esquerda que juntasse as forças que rejeitam a política da troika e que ganhasse nos movimentos e na sociedade a força de uma maioria para transformar o país. Deu à luta social a esperança de um horizonte alternativo – e também por isso ganhou.

Ainda na esquerda, perdeu força o KKE (partido comunista), cuja mensagem foi marcada pelo sectarismo, pela auto-suficiência e pelo nacionalismo que defende a saída do euro. Ficou aquém do que esperava a Esquerda Democrática (um partido novo), cuja posição de rotura em relação ao memorando nem sempre foi absolutamente clara. No meio da crise, perdeu também a extrema direita que esteve no governo (o Laos), e ganharam os neonazis (Aurora Dourada) que chegam, com um discurso nacionalista e de ódio, aos 7%.

É difícil, a quente, dizer muito sobre estas eleições. Mas há algumas coisas que começam a parecer evidentes.

Primeiro, a austeridade é inviável e dificilmente pode ser aplicada sob democracia. Num contexto em que a austeridade já é minoritária, ou a troika esmaga a democracia ou a democracia terá de esmagar a política da troika.

Segundo, as esquerdas definem-se pela rejeição da austeridade. No campo da esquerda que luta pelo socialismo, é preciso combinar a paciência da luta social, a urgência de um horizonte alternativo e maioritário, a inteligência da proposta e do programa e a coerência da rotura com a troika à qual o centro está amarrado.

Terceiro, somos todos gregos. Nunca como hoje foi tão determinante haver uma alternativa à escala europeia e uma articulação continental das esquerdas transformadoras.

Quarto, há imenso para fazer em toda a Europa. Nos movimentos, na resistência, no combate das ideias, nos diálogos entre setores em luta, na construção programática. É uma tarefa difícil e prolongada. Mas é aí que pode nascer a maioria social para mudarmos de vida.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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