You are here
O Pingo Doce e a luta de classes
A promoção dos supermercados do grupo Jerónimo Martins neste 1º de Maio foi uma provocação motivada por interesses de classe. Um dos maiores grupos capitalistas do país não se ralou nada de perder algum dinheiro (para eles não é perda, é investimento) para destruir uma conquista dos trabalhadores: o direito de não trabalharem, e de receberem o dia, no feriado do 1º de Maio, o dia internacional dos trabalhadores.
Para executar esse ato de agressão, usaram uma arma que não é nova: aproveitaram-se das dificuldades sofridas por setores da população para virá-los contra os direitos dos seus próprios funcionários e contra aqueles que os defendiam, nomeadamente os sindicatos e os cidadãos que tinham apelado ao boicote às compras nesse dia.
A manobra tem a marca dos métodos de classe patronal e é usada desde os primórdios do capitalismo selvagem. Nos tempos em que o direito de greve não estava minimamente regulamentado, os patrões recrutavam batalhões de fura-greves entre os desempregados. Desesperados, sem meios de subsistência, estes trabalhadores muitas vezes prestavam-se à quebra de solidariedade com os grevistas, em troca de uns trocos pagos por aquele dia de trabalho a furar a greve. Os grevistas desprezavam-nos; mas a melhor resolução deste dilema, a longo prazo, foi regulamentar a lei da greve e proibir os fura-greves. A proibição dos fura-greves é uma conquista dos trabalhadores, conseguida à custa de muitos piquetes de greve, de muitos confrontos com a polícia e os seguranças patronais, de muitas recolhas de fundo de greve. Os capitalistas acabaram por ser forçados a engolir o direito de greve, mas não perderão nunca uma oportunidade desafiá-lo e de pô-lo em causa. A isto, por muito que haja quem considere este termo ultrapassado, chama-se luta de classes.
A promoção do Pingo Doce seguiu exatamente o mesmo método: quis garantir que todos os seus funcionários iam trabalhar no feriado; ao mesmo tempo, derrotar todos os que tinham apelado ao boicote às compras nas suas lojas naquele dia. Para isso, aproveitou-se das dificuldades que atravessam largas camadas da população trabalhadora, e até de pequenos empresários, que invadiram as suas lojas para comprar, comprar, comprar. Um desconto de 50% não é desprezível para quem tem um orçamento apertado; não é desprezível para ninguém.
O sr. Alexandre Soares dos Santos deu uma boa demonstração de consciência de classe – da sua classe, a dos capitalistas. Mostrou que esta classe está perfeitamente sintonizada com o governo (onde está a proibição do evidente dumping?). E que capitalistas e governo estão empenhados em destruir todas os direitos conquistados, na sua maioria, com o 25 de Abril. Sejam eles o direito a gozar os feriados, a ter subsídio de desemprego, a ter contratos trabalho, e um longo etc..
Alguns comentadores maravilham-se com a “brilhante jogada de marketing”. Seria risível, se não fosse triste. Foi de tal maneira evidente a manobra dos donos do Pingo Doce, que chega a ser confrangedor ouvir estas “opiniões” e outros dislates sobre a “sociedade de consumo”. Quem foi ao Pingo Doce neste 1º de Maio não comprou Ipads, telemóveis, plasmas, Mercedes, até porque não estavam à venda. Comprou comida.
Quanto ao resultado do marketing, desconfio que foi negativo. Mas estes senhores não se preocupam muito com isso. O marketing da sua fuga aos impostos para a Holanda também foi negativo. Mas sempre haverá a Fundação Francisco Manuel dos Santos para explicar “cientificamente” que o grupo que a financia é muito correto, dinâmico e moderno – e que está ao serviço de uma sociedade de “concertação”, onde “não há lugar para luta de classes” – esse termo “fora de moda”. Pois.
Comments
Partilho a sua opinião.
Partilho a sua opinião. Bastante interessante, coerente e concisa. Um retrato do capitalismo selvagem em que vivemos.
Plenamente de acordo com as
Plenamente de acordo com as suas palavras,mas os cidadãos têm a última palavra e se não fossem às compras seria a melhor atitude,mas...devido à insatisfação das mais elementares necessidades...
Há sempre quem se aproveite da falta de consciencialização de classe.
Está na altura de dizer basta
Está na altura de dizer basta aos opressores, que com a desculpa da crise vão dia após dia tirando direitos que tanto custaram a conquistar. Quando ficarão satisfeitos os senhores do dinheiro? Quando ficará saciada a sua ganância insaciável?
Fico parva a ler-vos... Eu
Fico parva a ler-vos... Eu entendo-vos mas concluo que vocês não fazem a mínima ideia do que é passar fome, não ter acesso aos mínimos bens essenciais para a sobrevivência. Até já culpam os pobres pela sua "falta de consciencialização de classe"
Flap, flap, flap...bravo! Bravo!
E andei eu a levar porrada de pides para continuar a ler umas criaturas a quem nunca faltou o diário fardo de palha em cima da mesa! Sou de ESQUERDA, mas não posso tolerar este discurso cego, sobretudo se se dá ao luxo de criticar o povo desgraçado! Critiquem a montante!
Porra para esta gente!
Cara Nina, antes de soltar os
Cara Nina, antes de soltar os seus palavrões e insultos de mau gosto talvez fosse boa ideia ler o artigo. Não encontra lá nenhuma passagem a "culpar os pobres". Encontra sim um ataque cerrado aos atos de guerra contra os direitos dos trabalhadores feitos pelos donos do Pingo Doce, que tentam dividir os trabalhadores, os pobres, aproveitando-se da situação difícil que atravessam para ficarem eles, os capitalistas, a ganhar. Eu não iria comprar nada ao Pingo Doce no 1º de Maio. Mas não critico quem foi comprar comida 50% mais barata.
Gostei muito do seu
Gostei muito do seu artigo.Obrigada! E ao contrário da Senhora Nina Abreu não li e não encontrei nele nada do que a Senhora referiu. Bem saber lá.....
Tudo isto é vergonhoso! Aproveitar-se da "desgraça das pessoas" e ao mesmo tempo provocar!!!por isso NÃO é preciso dizer NÃO e nunca vou deixar de lutar por um mundo mais solidário e justo.
Estou estupefacto com o que
Estou estupefacto com o que tenho ouvido, e lido, sobre este tema.
Um supermercado fazer 50% de desconto é "um acto de agressão".
As pessoas que vão lá comprar são "zombies".
Acho que a esquerda está a seguir o caminho da igreja católica: o discurso é sempre o mesmo mas o mundo muda. O resultado é previsível.
Caro anónimo que mal usa o
Caro anónimo que mal usa o nome do coitado do Zé Povinho sem ter procuração para isso:
É verdade, um supermercado que dá 50% de desconto faz "um acto de agressão" contra os direitos dos trabalhadores porque só dá esse desconto no dia 1º de Maio. Sabe, o 1º de Maio é feriado e é o dia do trabalhador. Acredito que o sr. que se esconde atrás do nome do Zé Povinho não goste de feriados do 1º de Maio, e tenha saudades dos tempos da outra senhora, mas é um facto que o sr. Passos Coelho ainda não teve coragem de acabar com esse feriado. Se depender do sr., claro, lá chegaremos.
Quanto aos "zombies", isso é lá consigo. Aqui nada disso foi dito. O mundo muda, sim senhor. Depende de nós que não se torne numa escravatura de capitalismo selvagem, sob as ordens dos Soares dos Santos que fogem para a Holanda para não pagar impostos mas fazem descontos de 50% só no 1º de Maio. E com a cumplicidade de anónimos que se dedicam a encher caixas de comentários armados em "populares".
Add new comment