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Nana e o Porco
Com Meat, Frederick Wiseman trouxe ao real aquilo que não se via, a macabra indústria da carne dos EUA. Um documentário de 1976 que expôs a crueldade do tratamento e comercialização do gado e da carne em escala industrial e o que isso implicava socialmente - a subjugação dos trabalhadores e sindicatos. Chocou pelos crânios de gado abertos em série, pela imagem que ninguém julgava que existisse.
'Nana' é uma menina de quatro anos que assiste à morte de um porco. A morte às mãos de dois homens, experientes, que eletrocutam primeiro, degolam depois, recolhem o sangue que roja e seguidamente assam com fogo e palha seca, tudo à frente de Nana. Isto são os primeiros dez minutos desta longa metragem, a primeira de Valérie Massadian. Premiado pelo Festival de Locarno e com uma circulação internacional que faria inveja a autores consagrados, 'Nana' recolheu críticas unanimemente positivas por onde passou. Não é para menos. Esta ficção, porque é de uma ficção e não de um documentário que se trata, ultrapassa a fronteira formal da construção cinemática a que estamos habituados, onde o real ficcionado nunca é mais do que isso, onde todas as cenas, por muito bem montadas que sejam, dão ao espetador a segurança de nada ter realmente acontecido, a doce segurança de que a Monica Bellucci que é violada em 'Irreversível' não o é realmente.
Esta suspensão da descrença é uma ferramenta inútil com 'Nana'. O espetador não tem qualquer hipótese a não ser deixar-se triturar pela implacável realidade, alguém matou para realizar uma ficção. Este hiper-realismo é o tom que enquadra todo o filme. 'Nana' vive com a mãe numa casa no campo. A mãe abandona-a por razões que desconhecemos, um drama paralelo que não se vê mas deixa adivinhar, 'Nana' desenvencilha-se sozinha. É propositadamente uma não narrativa, um olhar da câmara para um mundo mítico da criança em toda a sua maravilhosa inocência, sem história e sem drama, realizada de forma arriscada e aparentemente sem encenação ou intromissão. Porque a óbvia impossibilidade de obrigar uma menina de quatro anos a interpretar para a câmara obriga o espetador a subjugar-se perante a extraordinária presença de 'Nana', onde todos os movimentos que faz são uma revelação indiscutível de realidade.
É, em suma, uma mentira muito bem montada. Mas para tal Valérie Massadian transgrediu a inocência da arte. A realizadora matou para nos convencer da sua ficção, tem sangue nas mãos. A matança do porco não é aceitável. Massadian não se limitou a observar o acontecimento como Wiseman em Meat, mas provocou, encenou, montou em filme e projetou em cinema o próprio acontecimento. E para quê? Para uma não história. Sessenta e oito minutos de um idílio de criança que mais não passa de saudade da inocência perdida dos adultos. Não há política, não há sociedade, não há atualidade, não há arte. O porco morreu para nada. E de tal forma é violenta a cena que o mínimo que se exigia era um aviso prévio ao público.
É por isso incompreensível neste festival IndieLisboa a escolha de apresentar 'Nana' na mesma sessão de 'Rafa', curta de João Salaviza. Não há pontos em comum. 'Rafa' coloca o social e político no centro da narrativa, obriga ao repensar do futuro no presente. 'Nana' existe em lado nenhum. É um fetiche formalista, um desafio de realização de cinema muito bem sucedido e totalmente inútil.
Comments
Até que enfim, que se escreve
Até que enfim, que se escreve algo útil sobre este filme perverso. Desde o primeiro momento perguntei-me por onde anda a ética, do tudo é possível por uma suposta arte!
Obrigada, Tiago.
Não quero acreditar que o
Não quero acreditar que o porco não foi para o jantar da equipa de fillmagens. Vai mas é comer uma bifana.
Meu deus, que crónica mais
Meu deus, que crónica mais idiota, mais abstrusa e sem sentido. O sr. Tiago é atrasado para vomitar uma opinião destas??
Parvo? Talvez, mas não o
Parvo? Talvez, mas não o suficiente para escrever comentários idiotas de forma anónima. Se quiser criticar esteja à vontade, se apenas lhe apetece fazer ataques de carácter então esteja calado.
Cumprimentos,
Tiago Ivo Cruz
Caro Tiago Não o conheço, mas
Caro Tiago
Não o conheço, mas subscrevo na integra esta sua critica. Quero informar que estou a ter umas conversas violentes no facebook sobre o filme. Você é citado por mim e as respostas tem sido agressivas. É no endereço da Midas Filmes em que no mural anunciam: NANA de Valèrie Massadian na capa do ÍPSILON esta sexta-feira.
cumprimentos
Edgar Feldman
obrigado Edgar pela
obrigado Edgar pela informação, vou tentar acompanhar.
Um abraço
Tiago
Fui ver ontem este filme e
Fui ver ontem este filme e penso sinceramente tratar-se de uma (primeira) obra prima e que o prémio que ganhou em Locarno terá sido imensamente merecido. Não percebo o porquê de adoptar uma crítica baseada numa primeira cena ( que poderá ser um bocado chocante, mas nada de especial sinceramente). Parece-me muito redutor. Mas pronto, são opiniões e gostos. Esqueça-se o porco ( mesmo ignorando o facto de ser uma cena importantíssima para perceber o resto do filme) e admire-se a obra. E que obra! Recomendo vivamente a amantes de (bom)cinema.
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