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Profissão: Desempregado

Os falcões liberais querem fazer crer aos mais novos que a sua fila de espera para o mercado de trabalho se deve ao açambarcamento de lugares por parte dos mais velhos.

Há um incessante apelo para a guerra civil entre as gerações. Os falcões liberais querem fazer crer aos mais novos que a sua fila de espera para o mercado de trabalho se deve ao açambarcamento de lugares por parte dos mais velhos. Assim, a solução seria simples: bastaria empurrar os anciãos e ocupar as vacaturas. Amiúde “empurrar” tem um significado preciso: despedir. Repare-se como de revisão em revisão da legislação laboral aumentam as possibilidades de despedimento por inadaptação. A “inadaptação” contém em si todo um programa ideológico – os trabalhadores, em particular os mais idosos, tornar-se-iam incapazes de inovar, de funcionar com novos equipamentos e tecnologias, de se inserir em modernos processos e ritmos de produção, de manter ou aumentar níveis de produtividade. A referência aos mais novos surge como condimento de legitimação da inclemente decisão. Seriam estes o sangue novo, qualificado, produtivo e empreendedor, capaz de revolucionar as empresas e organizações, com a sua maior motivação e acrescida performance. A empregabilidade significa, antes de mais, disponibilidade para vender mais barata e sem exigências a sua força de trabalho. Mas obliteram-se várias variáveis. Em primeiro lugar, o desemprego dos mais velhos não tem significado um aumento da contratação de mais jovens. Se, por um lado, cresce o número de desempregados de longa duração, mais velhos (405,5 mil desempregados - 52,6% - encontravam-se numa situação de desemprego de longa duração, segundo os dados publicados no Observatório das Desigualdades), fazendo com que boa parte dos atingidos já nem sequer receba o subsídio social de desemprego, aumenta, paralelamente, o flagelo entre os jovens que atinge 35,4% entre a população ativa com idade entre os 15-24 anos e 15,8% na faixa dos 25-34 anos. Todos no mesmo barco. Por outro lado, o novo emprego é predominantemente precário, isto é, fica mais barato, tem menos direitos, menores possibilidades de oferecer qualquer tipo de resistência ou reivindicação organizadas. O elogio da mobilidade, da polivalência e da flexibilidade, geralmente associado às gerações mais novas, é um cálice envenenado. Além do mais, o ataque à ideia de “carreira” carece de fundamentação: por que razão a progressão numa dada organização e dentro de uma fileira tem de significar necessariamente estagnação, desleixo e preguiça?

Lembro-me do meu pai me falar de uma notícia que lera num jornal sobre um operário de mais de cinquenta anos que perdera o seu emprego. Enforcou-se na árvore do quintal de um vizinho e deixou-lhe um bilhete a pedir desculpa por se ter servido da propriedade alheia. O desempregado sente-se como um supra-numerário da sociedade, uma espécie de mercadoria descartável que já não tem uso.

Dizem-nos que a alternativa passa por dizimar rapidamente os postos de trabalho socialmente protegidos, substituindo-os pelos lugares instáveis. Um exército de jovens precários seria bem mais fácil de domar – afinal, é o ar que respiram, muitos assumem até o provisório como experiência ou projeto e a ânsia de autonomia pode desvanecer-se num individualismo estéril.

Nesta guerra civil de gerações empurram-se umas contra as outras. Dividir para reinar é a divisa. Mas os jovens também envelhecem e mais cedo do que tarde encontrarão a necessidade de uma âncora e um ponto para projetarem um futuro.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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