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Faço greve (também) pelos CEI que não podem fazer

CEI? CEI são os Contratos de Emprego Inserção. Na verdade, esta designação é um engodo: os mais de 60 mil CEI não têm contrato de trabalho; são pessoas desempregadas, obrigadas a trabalhar para o Estado ou para Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), a troco da prestação social a que têm direito.

Os processos de precarização originaram diversos tipos de trabalho atípico como os contratos a prazo, contratação através de empresas de trabalho temporário, falsos recibos verdes, constituição de trabalhadoras/es como empresas no sector público, estágios (remunerados ou não), formação profissional ou bolsas de investigação científica.

Cada uma destas realidades de precarização apresenta um acesso diferenciado a direitos laborais, criando desigualdades entre trabalhadoras/es e desequilíbrios no contrato social entre os cidadãos e o Estado.

Esta sucessiva desregulação originou também os Contratos Emprego Inserção (CEI) e Contratos Emprego Inserção+ (CEI+)1. Refira-se, por exemplo, que a função de auxiliar de ação educativa nas escolas é, atualmente, em grande parte, assegurada por pessoas colocadas a trabalhar ao abrigo destes programas.

A crescente precarização reflete-se no domínio das políticas sociais na transição do Estado-Providência para o workfare2. Assim, o Estado-Providência, apesar de distinto consoante os países onde vigora, pode ser caraterizado em traços gerais como uma estrutura de organização social onde os habitantes fazem transferências para o Estado, através de impostos proporcionais aos seus rendimentos, cabendo ao Estado redistribuir essas transferências por todas/os as/os habitantes em função das suas necessidades, garantindo uma vida digna a todas as pessoas.

Por outro lado, o workfare remete para a noção de que a proteção social não é um direito por si só, motivo pelo qual as pessoas que dela usufruem têm que trabalhar para aceder às prestações sociais. Este conceito, surgido nos anos 70, tem vindo a disseminar-se particularmente nos países onde o neoliberalismo domina, acalentado por um discurso contra as fraudes, a subsídio-dependência e o suposto atrofiamento ético dos pobres.

Em Portugal, o Estado-Providência instituiu-se na sequência do 25 de Abril de 1974. Ao longo dos anos, este Estado-Providência tem vindo a ser sucessivamente transformado em workfare. Veja-se, por exemplo, a situação das pessoas desempregadas e inscritas nos Centros de Emprego, que têm que proceder à procura ativa de emprego3ou dos beneficiários de subsídio de desemprego ou de rendimento social de inserção, obrigados a aceitar a inclusão em CEI ou CEI+, respetivamente, sob pena de deixarem de receber a prestação social.

É aqui que o grave problema de desrespeito social e laboral se coloca: obrigam-se pessoas a trabalhar, imputando-lhes todos os deveres de uma relação laboral mas nenhum dos direitos. Baixam-se salários e destroem-se carreiras profissionais. Criam-se expectativas de emprego junto de pessoas que nunca serão contratadas por aquelas entidades. Fomenta-se a ideia de que as/os desempregados/as têm que ser disciplinados a trabalhar, caso contrário tornam-se preguiçosas/os incorrigíveis e subsídio-dependentes que parasitam a sociedade. Atiça-se a ideia de que o país está como está por causa de quem é pobre e não quer trabalhar. E enquanto se acalenta esta falaciosa argumentação, distraem-se atenções do verdadeiro problema: há um roubo generalizado dos salários e dos direitos a favor do capital.

No dia 22, faço greve. Faço-a por mim, por todas/os e, em particular, pelas mais de 60 mil pessoas que foram obrigadas a trabalhar em 2011 (dados do IEFP) ao abrigo dos CEI e CEI+.


Bibliografia

Esping-Andersen, G. (1990). The three worlds of welfare capitalism. Cambridge: Polity Press.

Peck, J. (2001). Workfare states. New York: Guilford Publications.


Notas:

1 Regulados pela portaria número 128/2009, os CEI destinam-se a beneficiários de subsídio de desemprego e os CEI+ a beneficiários de rendimento social de inserção. Implicam o desempenho de funções “socialmente úteis”, pelo período de doze meses, em instituições públicas ou de solidariedade social, recebendo o subsídio de desemprego mais uma majoração de 20% (no caso dos CEI) ou 419,22€ (no caso dos CEI+).

2 Na ausência de um bom termo para designar, em português, workfare, optámos por utilizar o termo em inglês.

3 A procura ativa de emprego é um processo que implica a recolha de comprovativos (carimbos, mensagens de correio eletrónico, cartas registadas) comprovando essa procura, bem como a apresentação quinzenal no Centro de Emprego ou na Junta de Freguesia.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, deputada na Assembleia Municipal de Braga, ativista contra a precariedade
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