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Eutanásia: a vontade de uma maioria

Vão dizer-nos que a morte assistida não é necessária se houver cuidados de fim de vida de qualidade. Mas o que não pode ficar por dizer é que a maioria dos portugueses quer estes projetos-lei aprovados.

Vão dizer-nos que a morte assistida não é necessária se houver cuidados de fim de vida de qualidade. Mas o sofrimento não é apenas dor, é também a degradação de um corpo que definha, que deixa de poder executar as mais rotineiras e simples das atividades do dia-a-dia, é a perda da autonomia, a dependência de terceiros e a destruição da nossa auto-imagem corporal. Os melhores cuidados médicos do mundo não restituem o andar a um tetraplégico, não devolvem a deglutição ou a fala a alguém com esclerose lateral amiotrófica e não impedem a morte numa doença terminal.

Vão dizer-nos que o direito à morte assistida não fortalece a autonomia de um doente porque é o médico que o “mata”. Mas esquecem-se que atualmente já é o médico que decide antecipar a morte de um doente em estado terminal, suspendendo cuidados fúteis ou não iniciando determinados tratamentos que o próprio recusou em testamento vital. Se há diferença entre estas duas situações e a eutanásia, é que nesta última o doente está consciente e toma a sua decisão de forma livre.

Vão dizer-nos que os médicos estão contra a eutanásia. Mas um estudo de 2018, conduzido pelo Professor Miguel Ricou da Faculdade de Medicina do Porto, mostrou que 60% dos médicos Portugueses são favoráveis à despenalização da morte assistida. E já em 2019 a própria Ordem dos Médicos realizou um estudo no norte do país demonstrando uma maioria de médicos favorável à mudança da lei.

Vão dizer-nos que a morte assistida não é compatível com bons cuidados paliativos. Mas tanto Holanda como Bélgica têm cuidados paliativos de qualidade reconhecida internacionalmente e convivem com uma lei tolerante há quase duas décadas. Na Bélgica, foi inclusive a discussão da lei da eutanásia que despoletou um investimento significativo nesta área dos cuidados, permitindo a criação de uma rede nacional.

Vão dizer-nos que há uma “rampa deslizante”. Que a Holanda primeiro aprovou uma lei semelhante aos projetos que agora vão a votação em Portugal e que posteriormente alargaram o âmbito dessa lei. Mas a lei Holandesa nunca foi alterada desde 2001, ano em que foi aprovada. O recurso à eutanásia por doença psiquiátrica ou demência, que não será permitido pelos projetos-lei portugueses, era já possível na Holanda em 2001.

Porque sabem que é seu o direito a determinar o que é a dignidade e a autonomia. E porque já não vivem na escuridão, não se deixam amedrontar pelos anúncios apocalípticos da mudança e estão fartos do paternalismo de quem lhes quer ditar como viver a sua vida... e a sua morte!

Artigo publicado em publico.pt a 5 de fevereiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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