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“Desnormalizar” a extrema-direita
A perda de imunidade do Parlamento nacional face à nova extrema-direita não significa que ela deixe de ser o que é: residual. Há fatores que nos protegeram e há muitos desafios pela frente, mas a “desnormalização” da dita será um deles.
A História, a sociedade e a política pouparam-nos, até às últimas eleições, deste fenómeno que, sendo global, deve ser visto e combatido na sua dimensão doméstica. A memória da Revolução de Abril e do fascismo, a ausência de processos relevantes de imigração e asilo, a falta de condições para a paranoia securitária ou a captura pela esquerda do debate identitário ajudam a explicar porque nos safámos até 6 de outubro. A “geringonça”, a pressão dos direitos do trabalho, a convocação da política como negociação constante foram preventivas.
Hoje, a exigência à esquerda é maior, com o PS mergulhado no seu caldo maioritário, porque foi na derrota da social-democracia e na hegemonia do centro político e do neoliberalismo que estes partidos se afirmaram desde os anos 80. Os avanços do trabalho com direitos, das lutas com todos os seus nomes, do estado social, ditarão muito do que pode ser feito no combate ao crescimento desta direita radical populista, que é um dos traços mais marcantes do nosso momento histórico.
Posto isto, 1,29% para o Chega, mesmo considerando o frenesim das sondagens, ainda está longe da reconhecida “barreira do perigo” (10%) que permite a estes partidos apresentarem-se como uma alternativa “normal”, apostados em mudar o sistema por dentro (ver Enzo Traverso, The new faces of fascism…, pp. 7-8). O mainstreaming da direita radical populista é, aliás, o espaço onde a direita tradicional se reconfigura, favorecendo a diluição de fronteiras entre ambas (ver Cas Mudde, The far right today, p. 23) e contribuindo para a dita normalização.
Ora, não é fácil acertar na resposta a Ventura sem correr o risco de o “normalizar”. Não se deve entrar em histeria e não se deve ficar em silêncio; não se deve dar a dimensão que não têm, nem ignorá-los; não se deve responder ao insulto, mas a certeira resposta política recentemente dada no Parlamento não deixa de configurar uma disputa entre pares. A comunicação social, os partidos políticos e organizações, cada um/a de nós (e o que se partilha nas redes sociais) devem fazer avaliação de risco.
Há quem diga, e a investigação reconhece, que era mais eficaz bani-los. Sem o melhor recurso à mão de semear, e enquanto se avaliam outras modalidades de relação (demarcação, confronto, cooptação), reconheça-se que um dos mais úteis e preventivos instrumentos é conhecê-lo/s. E é conhecê-los bem como produto do sistema. É saber de onde vieram, de quem são criaturas, e para onde vão. Contará para isso a investigação que dispa o “rei” que se diz em confronto com a “elite dos políticos corruptos”, e que mostre que não é fácil encontrar alguém mais filho do sistema do que André Ventura.
O caso Tutti Frutti, a pensão vitalícia do seu porta-voz da segurança, as faturas falsas, o neoliberalismo radical do programa que prometia a destruição do estado social, tudo isto conta. É preciso continuar e ir mais longe, conhecer os amigos, os padrinhos e os compadres, os negócios e os sucessos na academia, a rede de poderes que fez desta criatura do PSD de Passos Coelho, apaparicada pela Cofina, o gancho da nova extrema-direita no parlamento nacional. Tudo bons rapazes, antecipa-se.
Artigo publicado no jornal “Público” a 9 de janeiro de 2020
Comments
Cara Cecília. O seu artigo
Cara Cecília. O seu artigo reduz o fenómeno Ventura à sua verdadeira dimensão. Mas atenção! Permita-me o atrevimento de defender a tese de que a questão da extrema direita em Portugal não está ainda suficientemente estudada. Os historiadores poderiam dar aqui uma ajuda preciosa. Dizia-se com grande despreocupação e alívio, que em Portugal não corríamos o risco do crescimento da E.D., que ela não tinha expressão. Nada de mais errado. Talvez porque muita gente só via essa corrente na area do PNR e dos Skinheads e outra coisas ultra minoritárias. Vejamos: onde está a extrema direita que conta? Logo após o 25 de Abril, Sá Carneiro com a pressa de constituir um partido da direita liberal, deixou entrar pelo PPD dentro praticamente toda a estrutura da ANP. Falo pelo que vi na região onde habito, mas estou certo que o mesmo se passou por todo o país. A extrema direita andou escondida dentro do PPD quiçá mais do que no CDS. É a extrema direita salazarista, manhosa, "bem comportada", rata de sacristia, cujos caciques vão dominando ainda vastas regiões do país. Esta é a extrema direita que conta, a de "Deus Pátria e Família" que se mobilizou contra a despenalização da interrupção da gravidez, que manda rezar missas contra a descriminilização da morte assistida, e outras causas "humanitárias". O Ventura é "apenas" uma bolha (a primeira) que rebentou. Outras se vão seguir. As bolhas mais perigosas ainda lá moram. Nada nos garante que o fenómeno Vox não se verifique em Portugal. Independentemente do que vier a acontecer nos próximos tempos, a esquerda tem que tomar as rédeas da luta contra a direita aproveitando a fragilidade que atravessa, combatendo todas as concessões que o PS vai continuar a fazer à direita. O combate à extrema direita deve inspirar-se na clareza e frontalidade da intervenção de Pedro Filipe Soares no parlamento. Saudações.
A extrema direita, é a
A extrema direita, é a resposta do sector conservador , à falência do modelo Neo-liberal, que ocorreu com a falência das bolsas de valores em 2008 , que fizeram desaparecer 6 Biliões de dólares e demonstrou que a sociedade humana , tem que ter uma gestão politica e não navegar ao sabor dos interesses dos conglomerados económico-financeiros. A perca de um modelo ideológico racional , levou a esta deriva autoritária, retrógada e irracional , que com vozeria e mentiras, tenta confundir os cidadãos. Aqueles que defendem o progresso da sociedade humana, tem que pugnar para uma melhor regulação da globalização económica e financeira, de forma a se verificar uma melhor redistribuição da riqueza e dessa forma a intensificarmos a economia mundial.
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