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Nada sobre nós sem nós

Que a deficiência é causa de discriminações e de negação de direitos é uma evidência. Esse é um sinal de atavismo da sociedade e de continuada desatenção dos poderes.

Um e outra têm que ser combatidos com determinação. Para que, no respeito pelas diferenças, prevaleça a igualdade de dignidade e de direitos.

Nada se conseguirá, também neste domínio do combate pelos direitos humanos, sem sujeito coletivo, ou seja, sem mobilização forte do movimento social que transforme as biografias pessoais em representação coletiva. “Nada sobre nós sem nós”, esse é o princípio imprescindível, em que a primeira pessoa do plural é fundamental. Essa mobilização tem que ter um programa inspirador, metas de horizonte e objetivos de proximidade. E, com tudo isso bem definido, tem que contagiar quem legisla e quem adota políticas públicas.

O programa inspirador está escrito. Chama-se Convenção das Nações Unidas sobre as Pessoas com Deficiência. Foi ratificada por Portugal em julho de 2009. Está lá tudo o que é essencial. A garantia dos direitos comuns a todos é acrescida de direitos específicos e de um em particular que dá sentido às obrigações de discriminação positiva em favor das pessoas com deficiência: o direito a uma vida independente.

As metas de horizonte são claras: afirmar os direitos de autonomia pessoal e de autodeterminação como pilares de uma mudança radical de atitude social e política diante da deficiência: abandonar as políticas assistencialistas e institucionalizadoras e investir corajosamente na criação de condições legais e materiais para que a vida de uma pessoa com deficiência seja por ela plenamente decidida e que não sejam outros (médicos, familiares ou técnicos de serviço social) a ditar o que ela deve ser em cada momento.

Os objetivos de proximidade são as concretizações setoriais destas metas. Um inquérito nacional de caracterização sociodemográfica da população com deficiência, uma Lei da Assistência Pessoal e um plano de desinstitucionalização, a efetividade das quotas de emprego, a desburocratização e valorização da Prestação Social para a Inclusão, a antecipação da idade da reforma, o acesso efetivo a produtos de apoio e a garantia de disseminação do uso da Língua Gestual Portuguesa são porventura os prioritários. É a eles que os poderes públicos devem dirigir os seus esforços com o sentido de urgência que a persistência de tantos fatores de discriminação impõe.

Quando vos disserem que Portugal é um país que cumpre os direitos humanos, lembrem-lhes os direitos das pessoas com deficiência. O desconforto que isso causar é a prova do tanto que está por fazer.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 9 de novembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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