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Rescaldo das Europeias (1)

As eleições europeias do passado fim de semana, em Portugal e nos restantes países da UE, trouxeram importantes alterações no quadro político nacional e europeu. Por Jorge Martins
Eleições europeias 2019
Eleições europeias 2019

Neste primeiro texto, farei a análise dos resultados nacionais, ficando a do resto da Europa para um segundo.

A nível nacional, PAN, Bloco de Esquerda e PS saíram vencedores, enquanto CDS, PCP, PSD e Marinho e Pinto sofreram derrotas expressivas.

Analisemos, então, o desempenho das diferentes forças políticas e as perspetivas de futuro, em especial para as legislativas que se avizinham.

Bloco de Esquerda: um grande resultado após uma excelente campanha

Começamos pelo Bloco de Esquerda, que foi um dos grandes vencedores deste ato eleitoral.

O Bloco de Esquerda obteve 9,8% dos votos e elegeu dois eurodeputados (Marisa Matias e José Gusmão), mais que duplicando a sua votação de 2014, quando se quedara por 4,6% e a eleição solitária da Marisa.

O partido conservou cerca de 76% dos seus eleitores de há cinco anos, a que juntou 1,5% de abstencionistas de então, 4,5% provenientes do PS, 6% da CDU e 3,5% dos novos eleitores, mais 5% do MPT (partido pelo qual concorreu Marinho e Pinto) e uns “pozinhos” de outras opções de voto.

Em contrapartida, viu fugir à volta de 5% para a abstenção, outro tanto para o PAN, 4% para pequenas forças políticas, 2% para o PS e pequenas porções para as restantes escolhas eleitorais.

O melhor resultado ocorreu no distrito de Coimbra (13,0%), algo que se deveu ao “efeito Marisa”, daí natural. Seguiu-se Faro (12,9%), confirmando os tradicionais bons desempenhos no Algarve, e, depois, Setúbal (11,9%), Lisboa (10,6%) e Porto (10,3%), mostrando a força do Bloco de Esquerda nas áreas metropolitanas.

Já o pior ocorreu, algo inesperadamente, na Madeira (5,3%), logo seguidos pelos dois distritos transmontanos, Bragança (6,6%) e Vila Real (6,7%), onde é, tradicionalmente, mais débil.

De realçar o facto de ter sido a segunda força política em quatro municípios, apenas atrás do PS. Foram eles Condeixa-a-Nova, no distrito de Coimbra, o concelho natal de Marisa Matias (22,4%), o Entroncamento (15,0%) e os das cidades algarvias de Portimão (14,9%) e Lagos (14,8%). Conseguiu também essa posição em várias freguesias urbanas e venceu na da naturalidade da cabeça de lista, Vila Seca e Bendafé, no primeiro daqueles concelhos, com 45,8% dos votos.

Para além de um acréscimo nacional de +115%, o partido registou um forte crescimento em praticamente todo o país. Este foi particularmente expressivo em distritos onde a sua implantação é relativamente menor, como Vila Real, em que mais que triplicou a votação de há cinco anos (+235%), Castelo Branco, onde esteve muito perto disso (+194%), Viseu (+175%), Bragança (+164%), Beja (+162%), Guarda (+155%), Viana do Castelo (+154%) e Évora (+151%).

Apenas não duplicou os seus valores da última eleição europeia, mas esteve perto disso, nas áreas onde tem maior implantação: Faro (+87%), Lisboa (+96%) e Setúbal (+98%). A esses, há a somar a Madeira, onde, como referimos acima, o desempenho não foi tão bom, cifrando-se o acréscimo apenas em +43%.

Para estes resultados contribuiu a excelente campanha realizada. Não abdicando da crítica (ao governo, às instituições europeias, à banca, ao PS e à direita), não se deixou cair nos ataques gratuitos e inconsequentes aos adversários nem embarcou nos casos da “espuma dos dias”, optando, antes, por uma abordagem positiva das questões em debate.

Por outro lado, os temas escolhidos centraram-se nos problemas concretos das pessoas (serviços públicos, saúde, salários e pensões, emprego, transportes e alterações climáticas) e em questões que soam a abstrações ao cidadão comum, como há cinco anos, em que se privilegiou a rejeição do Tratado Orçamental e das políticas europeias. Porém, isso não implicou que a campanha deixasse de falar da UE e de criticar as suas políticas, mas fê-lo de forma pedagógica, procurando mostrar a relação entre as decisões tomadas em Bruxelas e Estrasburgo e os problemas nacionais. E a escolha do clima como um dos eixos temáticos ajudou a captar voto jovem.

O Bloco de Esquerda beneficiou, ainda, da minicrise ensaiada por António Costa. Acontece que a posição do governo face aos docentes levou muitos destes a “virar as costas” aos socialistas, tendo a maioria optado pelo Bloco. Ao mesmo tempo, para muito eleitorado de classe média, adepto da “geringonça”, mas crítico das limitações desta, o partido é visto como aquele que levou o PS a implementar algumas políticas de esquerda (mesmo que “poucochinhas”), algo que seria impossível com uma maioria absoluta “rosa”. O espectro desta acabou, assim, por funcionar em favor do Bloco de Esquerda.

E, por fim, há que ter em conta o carisma especial da Marisa Matias, cuja simpatia, espontaneidade e autenticidade vêm ao de cima em campanha. Consegue, assim, penetrar em setores das classes populares, onde o Bloco de Esquerda era, até há pouco, visto como uma formação de intelectuais bem-pensantes, mas pouco conhecedores da realidade do povo. Acresce, ainda, a presença constante ao seu lado da coordenadora do partido, Catarina Martins, que também ajudou na conquista de votos.

O partido fica bem lançado para as legislativas, mas há que conter a euforia e “não embandeirar em arco”. São eleições diferentes, onde a afluência às urnas será o dobro ou mais da de domingo e onde há bastante mais em jogo. Por isso, antevê-se uma campanha mais dura, com maiores ataques por parte dos adversários, em especial da parte do PS. Além disso, o crescimento do PAN significa, não só o aparecimento de um concorrente direto na disputa do eleitorado urbano mais jovem, mas também um maior número de opções pós-eleitorais para António Costa, se a sua representação parlamentar aumentar exponencialmente.

É certo que, com a clara derrota da direita, que dificilmente recuperará até outubro, a ameaça do “voto útil”, já posta em causa com os acordos que levaram à formação do atual governo, é vã. E as pessoas sabem que, sem a esquerda, a governação do PS teria sido muito menos positiva para as classes médias e baixas e bastante mais “amiga” dos grandes interesses que pululam (e poluem) a nossa sociedade. E que só um bom resultado do Bloco de Esquerda condicionará o PS para este se manter aliado à esquerda e não cair na tentação tradicional do “pisca-pisca”, que parece estar a voltar nos últimos tempos.

Contudo, sabemos que uma parte do voto bloquista tem uma componente de protesto, sendo, por isso, relativamente volátil. Daí que nunca esteja garantido, sendo necessário trabalhar para o conquistar em cada ato eleitoral. Para já, o partido está no bom caminho, mas há que continuar a “pedalar” com o mesmo ritmo até à grande meta de 6 de outubro.

PAN: uma nova “espécie” nacional em Bruxelas

O PAN foi outro grande vencedor da noite eleitoral, ao conseguir obter representação no Parlamento Europeu, através do seu cabeça de lista, Francisco Guerreiro, com um resultado que não deixa dúvidas: 5,1% dos votos. Há cinco anos, ficara-se por 1,7%, o que significa exatamente o triplo da sua votação de então.

Para além de manter perto de 80% dos seus votantes de 2014, conquistou 3% ao PS, 0,5% na abstenção e, ainda, 3% dos novos eleitores, 5% do Bloco de Esquerda e um pouco nas restantes opções de voto.

Ao invés, apenas registou perdas com algum relevo para a abstenção (cerca de 7%), já que, face à escassa percentagem obtida, os perto de 4% que saíram para PS e Bloco de Esquerda têm pouco significado estatístico.

Como seria de esperar, os seus melhores resultados ocorreram nas áreas mais urbanizadas do país, em especial nas do Sul, mais abertas à mudança. Assim, as maiores percentagens foram obtidas na região metropolitana da capital e nos dois distritos onde esta se inclui: Lisboa (6,8%) e Setúbal (6,6%). Segue-se, depois, Faro (6,2%), o que não se estranha, dada a grande extensão urbana do litoral algarvio, e o Porto (5,6%). Para além do seu grau de urbanização, são áreas onde existe uma faixa apreciável de eleitorado jovem.

Ao invés, os resultados menos bons ocorreram nas áreas mais envelhecidas do interior, com destaque para Bragança e Portalegre (2,2% em ambas), Guarda (2,4%) e Vila Real (2,6%).

Tal como no caso do Bloco de Esquerda, o seu crescimento verificou-se em todo o território nacional. A maior subida registou-se em Braga, onde quase quadruplicou o seu resultado de 2014 (+380%). Seguiram-se, com mais do triplo das percentagens de então, Viseu (+340%) e Aveiro (+338%), mas também o Porto (+329%), Vila Real (+325%), Castelo Branco (+320%), Coimbra (+315%) e Viana do Castelo (+308%). Ou seja, se é certo que as novidades “pegam” mais cedo e mais facilmente no Sul, acabam por se expandir para as áreas urbanas do Norte e Centro.

Ao invés, o menor acréscimo verificou-se, tal como no caso do Bloco de Esquerda, na Madeira, onde tinha obtido o melhor resultado nacional de 2014. O seu núcleo regional sofreu algumas divergências internas e, talvez por isso, apenas subiu +12%. O segundo menor crescimento ocorreu no distrito da Guarda, onde “apenas” duplicou a sua votação (+100%), seguido por Bragança e Portalegre (ambas com +144%).

Este êxito do PAN tem a sua raiz na inesperada eleição de um deputado pelo círculo de Lisboa nas últimas legislativas. Não só o acesso à representação parlamentar lhe permitiu um maior acesso aos “media”, saindo da tradicional obscuridade a que são remetidas as forças políticas extraparlamentares, mas também o desempenho de André Silva no Parlamento tem sido meritório, trazendo para a “luz do dia” algumas causas referentes à defesa dos animais, de que são exemplo a abolição das touradas, a criminalização da violência exercida sobre aqueles ou as deduções fiscais às consultas veterinárias. A essas, há a acrescentar outras propostas de cariz ambientalista, para além de uma atitude bastante liberal em matéria de costumes.

Acresce, ainda, a emergência da questão climática, que encontrou grande eco mediático após o apelo da jovem sueca Greta Thunberg, com as consequentes greves climáticas estudantis. Dadas as posições ecologistas do partido, este acabou por atrair uma parte significativa do voto jovem e urbano.

Resta, agora, saber o que fará o partido com esta votação, até porque as “dores do crescimento” nem sempre são fáceis de suportar. Se não cometer erros crassos, como sucedeu com Marinho e Pinto, que, após o seu sucesso de 2014, desperdiçou grande parte do seu capital político umas semanas após ter sido eleito, o PAN pode aspirar a um bom resultado nas legislativas, sendo quase certo que terá um grupo parlamentar e não apenas um deputado solitário, restando saber qual a sua dimensão.

Se se for libertando da imagem do partido “dos bichinhos” para se tornar numa força política semelhante aos Verdes que existem noutros países europeus, como pretendem os seus atuais dirigentes, as perspetivas são animadoras. Contudo, com o crescimento, podem surgir ambições pessoais e desejos de protagonismo difíceis de gerir e acentuar-se algumas divergências internas, em especial face à definição ideológica da formação. Com efeito, embora o essencial das suas posições se filie no centro-esquerda e a perceção da maioria dos eleitores vá, igualmente, nesse sentido, o partido recusa definir-se no espectro esquerda-direita.

Entretanto, António Costa começa a “piscar-lhe o olho”, tanto para tentar captar algum do seu eleitorado como, quiçá, sonhando com uma maioria parlamentar ancorada num acordo entre ambos, embora não pareça que a futura aritmética parlamentar favoreça tal devaneio.

PS: Não foi “poucochinho”, mas também não foi “muitinho

O PS foi o vencedor destas europeias, obtendo 33,4% dos votos, que lhe garantiram a eleição de nove parlamentares. Há cinco anos, fora, igualmente, o mais votado, conseguindo 31,5% dos sufrágios e oito eleitos.

Os socialistas mantiveram à volta de 76% do seu eleitorado de 2014, a que juntaram uma apreciável “fatia” de 1,8% de abstencionistas, mais 12,5% vindos da CDU, 17% do MPT, 6,5% dos novos eleitores, 2% da coligação PSD-CDS e valores residuais de outras opções.

Por seu turno, deixaram fugir 5,5% para a abstenção, 4,5% para o Bloco de Esquerda, 3% para o PAN e pequenas porções para outros lados.

O partido saiu vencedor em todos os distritos do continente, à exceção de Vila Real, embora as suas vitórias em Bragança e Leiria, tradicionalmente de direita, tenham sido tangenciais. Menos apertadas foram as que conseguiu noutros similares, como Guarda, Aveiro e, em menor grau, Viseu. Nas regiões autónomas, ganhou nos Açores e perdeu na Madeira.

De acordo com o padrão dos últimos atos eleitorais, o seu melhor resultado ocorreu em Portalegre (42,3%), seguido dos Açores (40,8%) e de Castelo Branco (39,1%). Já os piores verificaram-se, como é tradicional, na Madeira (25,8%) e em Leiria (27,6%), os únicos onde ficou abaixo dos 30%. De registar o relativamente fraco desempenho no distrito de Lisboa (32,6%), abaixo da média nacional, fruto da consolidação do Bloco de Esquerda e da fuga de alguns eleitores para o PAN e outras forças políticas de menor dimensão.

Relativamente à evolução relativamente a 2014, esta não é uniforme. Se o acréscimo nacional se fica pelos 6%, existem alguns cambiantes regionais.

A maior subida ocorreu em Setúbal (+20,8%), à custa das perdas da CDU, seguida da Madeira (+14,2%), onde foi buscar votos à direita e pouco perdeu para Bloco de Esquerda e PAN. Depois, vêm Leiria (+11,7%), Faro (+10,3%), Viana do Castelo (+9,2%), Lisboa (+8,6%), Aveiro (+8,3%), Coimbra (+7,6%) e Santarém (+7,5%), em que cresceu acima da média nacional. Estamos em presença de áreas urbanas, onde o “afundamento” do PSD e, em menor grau, do CDS, bem como, em alguns casos, dos comunistas, permitiu aos socialistas compensar eventuais perdas para bloquistas e animalistas.

Em contrapartida, sofreu uma pequena descida em três distritos do interior - Guarda (-2,8%), Vila Real (-2,6%), Castelo Branco (-1,8%) – e nos Açores (-1,2%). Curiosamente, o primeiro e o terceiro estão muito ligados ao antigo líder, António José Seguro, e o segundo e o terceiro a José Sócrates. Simples coincidência? Já no arquipélago açoriano, poderá estar relacionado com algum desgaste do governo regional. Por seu turno, Bragança (+1,2%) e Porto (+1,5%) registaram acréscimos modestos.

Na noite eleitoral de 2014, António Costa proferiu, então, a frase assassina que ficou célebre: “foi uma vitória por poucochinho”. Com ela, minou a liderança de António José Seguro, que acabaria derrotado pelo atual primeiro-ministro nas primárias disputadas uns meses depois. A questão que agora se coloca é esta: foi uma vitória por “muitinho”, como Costa e os dirigentes socialistas tentaram fazer crer após a saída dos resultados, ou foi um “poucochinho” escondido?

Há cinco anos, os 31,5% do PS contrapunham-se aos 27,7% da coligação PSD-CDS, ou seja, uma vantagem de 3,8% sobre a segunda lista mais votada. No domingo, o partido “rosa” obteve 33,4% contra apenas 21,9% dos “laranjas”, que foram segundos. Se ficarmos por estes números, não há dúvida que foi “muitinho”.

Mas como não queremos ser preguiçosos, vamos somar a votação de PSD e CDS e obtemos, para contrapor ao “score” dos socialistas, uma percentagem de 28,1%. A distância face ao PS é, então, de 5,3%, o que, sendo mais que “poucochinho”, não é assim tão “muitinho”. E se, ao valor conjugado dos dois maiores partidos da direita, somarmos a Aliança, de Santana Lopes, então ainda no PSD, temos 30,0%, o que reduz a vantagem “rosa” para 3,4%, isto é, o “poucochinho” de Seguro.

Por outro lado, mais que a distância para o segundo, temos de olhar para o resultado do partido em si. Ora, a verdade é que uma subida de 1,9% em termos absolutos, correspondente a um acréscimo relativo de 6%, está longe de ser um grande resultado. Até porque, mesmo sabendo que as europeias, onde o voto é mais livre, tendem a ser desfavoráveis para as maiores forças políticas, 33,4% está muito longe de perspetivar uma mirífica maioria absoluta.

No fundo, tudo depende da forma como olhamos para os números e os “martelamos”, sendo que cada um procura fazer a leitura que mais lhe convenha. E, aqui, muito honestamente, parece-nos que assistimos mais a uma grande derrota da direita (em especial, do PSD) que a um triunfo esmagador do PS.

Em todo o caso, é de realçar o facto de Costa ter vencido umas eleições europeias enquanto chefe de um governo em funções, algo que apenas sucedera com Cavaco Silva, em 1987, quando estas se realizaram em simultâneo com as legislativas, e com António Guterres, em 1999, quando os socialistas apresentaram Mário Soares como candidato.

Para este desfecho, muito concorreu a manobra do primeiro-ministro, que ameaçou demitir-se na sequência da votação do tempo de serviço dos professores. Com um cabeça de lista, Pedro Marques, que se revelou uma figura “cinzenta”, incapaz de criar empatia com o eleitorado, num verdadeiro erro de “casting”, e acossado pela polémica das nomeações de familiares para o executivo e respetivas assessorias, o PS descia nas sondagens e via o PSD a aproximar-se.

Com aquela manobra, o líder socialista “virou o jogo”. Ameaçando demitir-se em nome do sacrossanto mantra neoliberal das “contas certas” e cavalgando a inveja social face aos professores e a outros profissionais da função pública, retirou um argumento-chave das campanhas de PSD e CDS, obrigados a um humilhante recuo. A partir daí, aqueles entraram num estado de total desorientação, que pressagiava o desaire que sofreram na noite eleitoral.

Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro passou a ser a “estrela” da campanha, relegando Pedro Marques para um papel secundário, em que se limitava a responder aos ataques dos adversários. E acabou por ser compensado.

Resta, agora, saber quais as perspetivas para as legislativas. A não ser que, até outubro, se passe algo de muito anormal, tudo indica que o PS será o mais votado, mas nada indica que consiga chegar à maioria absoluta, até porque, se tem conseguido ir esvaziando a CDU, não tem logrado conter o Bloco de Esquerda e vê o PAN a poder “morder-lhe” franjas do eleitorado.

Quererá o líder do PS continuar a governar com o apoio da esquerda, como defende Pedro Nuno Santos, ou preferirá governar sozinho, com acordos alternados no Parlamento, como pretende a ala direita do “costismo”, onde pontificam Augusto Santos Silva, Fernando Medina ou o próprio Pedro Marques, para alívio de Mário Centeno?

A correlação de forças à esquerda, bem como o futuro das lideranças à direita, condicionarão, certamente, as escolhas de António Costa. E, gostemos ou não, todos sabemos estar em presença de um político hábil, capaz das mais inesperadas jogadas, em especial quando as coisas parecem complicadas para o seu lado. Foi assim na constituição da “geringonça” e, agora, na abertura da minicrise política. Convém, por isso, estarmos atentos!

Direita: Fraquinho, fraquinho…

Os dois maiores partidos da direita portuguesa sofreram uma derrota significativa nestas eleições, sendo o desaire particularmente pesado no caso do PSD, que registou o seu pior resultado eleitoral de sempre.

Se compararmos os votos da coligação PSD-CDS, que concorreu em 2014, com a soma da votação de ambos, verificamos que há uma subida muito “poucochinha”: de 27,7% para 28,1%.

Mas o problema é que, para além de não ser muito fiável somar o resultado de uma coligação com o de duas listas separadas, há uma questão fundamental que é a diferença de conjunturas políticas. Assim, há cinco anos, a direita encabeçava um governo altamente impopular, responsável pela adoção das medidas austeritárias impostas pela “troika” (e até, para além dela, como sublinhou, então, Passos Coelho), enquanto agora disputava as eleições após quase quatro anos na oposição. E a verdade é que nem um “cartão amarelo” conseguiu mostrar ao atual executivo. Por isso, podemos dizer, como o outro, que o seu desempenho foi “fraquinho, fraquinho, …”.

A direita viu fugir 16,5% dos votantes para a abstenção (ou seja, à volta de 1/6 do eleitorado), 5% para outras forças políticas (em especial, a Aliança, a coligação Basta! e o Nós, Cidadãos), 2% para o PS e valores residuais para outras opções. Ou seja, uma parte significativa do eleitorado deste espectro político optou por mostrar o seu descontentamento não votando, mais do que através de uma transferência do voto para os seus adversários socialistas.

Territorialmente, apenas na Madeira a direita tem uma subida significativa (45,8%), algo que também se deve ao resultado particularmente mau de 2014, pois a coligação não funcionou bem no arquipélago, onde PSD e CDS são rivais. Depois, é no Alentejo, onde a sua implantação é mais reduzida, que se verificam os acréscimos mais significativos: +10,9% em Évora e +9,7% em Beja. Seguem-se os distritos do Porto e da Guarda (ambos com +4,3%) e de Portalegre (+2,6%).

Já no que se refere a perdas, as maiores ocorreram nos Açores (-8,1%), a que não será estranha a polémica ocorrida no PSD local, que não viu nenhum dos seus em lugar elegível, seguida de dois distritos onde a direita tem, tradicionalmente, forte implantação: Leiria (-6,5%) e Viseu (-6,3%). Vêm, depois, Coimbra (-3,0%) e Lisboa (-2,9%).

CDS: a derrota de uma dupla

Dos principais partidos da direita, o CDS foi o que sofreu a derrota menos pesada do ponto de vista numérico, embora os 6,2% conseguidos constituam o pior resultado de sempre do partido em eleições europeias. A fraca votação obtida não lhe permitiu eleger mais que um eurodeputado, pelo que Nuno Melo continuará sozinho em Bruxelas e Estrasburgo.

Para lá dos 10% de votantes na coligação de direita em 2014, a maioria dos restantes votos veio de 1,2% de abstencionistas, a que se somaram, ainda, 3% vindos do MPT, 4,5% de pequenas forças políticas e valores residuais de outras opções de voto. Por seu turno, captou, apenas, 1% dos novos eleitores.

A nível geográfico, o seu melhor resultado ocorreu na Madeira (8,1%), seguido de Aveiro (7,7%), Braga (7,4%), Viana do Castelo (7,2%), Leiria e Lisboa (ambos 7,0%), distritos onde o partido tem, tradicionalmente, mais apoio.

Já no que respeita aos piores desempenhos, o seu resultado mais fraco ocorre, como habitualmente, em Beja (3,6%), mas os restantes distritos alentejanos escapam do fundo da tabela, sendo que o segundo pior resultado registou-se em Coimbra (4,4%), seguido por Faro (4,7%), Vila Real e Castelo Branco (4,8% em ambos).

Este resultado constitui uma desilusão para o partido, que falhou o objetivo assumido de recuperar o seu segundo eleito no Parlamento Europeu, perdido nas últimas eleições, devido ao mau resultado da coligação de direita. Algo que é ainda mais embaraçoso quando o PSD, seu concorrente direto na conquista de eleitorado no centro-direita, vive um dos seus piores momentos.

Com ele, as ambições políticas de Assunção Cristas, insufladas após o êxito da sua estratégia eleitoral nas autárquicas da capital, ficam em xeque, já que o CDS não parece capaz de alguma vez vir a liderar a direita.

Mas também Nuno Melo, que vai mantendo uma rivalidade surda com a líder do partido e que não esconde o desejo de um dia vir a liderá-lo, sai enfraquecido deste processo eleitoral.

Se, durante algum tempo, a estratégia do CDS, de crescer substancialmente à custa do PSD, pareceu ter alguma viabilidade, ela começou a perder “gás” quando Rio estabilizou, minimamente, a sua liderança no partido “laranja” e quando surgiram novas forças concorrentes: a Aliança, de Santana Lopes, entre os dois, e o populista Chega, de André Ventura, à sua direita.

Quiçá assustado pelo seu aparecimento, Nuno Melo cometeu um erro semelhante ao do PP espanhol, radicalizando o discurso à direita. E, para quem tinha como principal tema de campanha a colagem do PS ao alegado despesismo de Sócrates, aproveitando a carga negativa associada à imagem deste, a sua posição na questão dos professores e a “cambalhota” que se seguiu revelaram-se desastrosas. Sobrou, então, uma campanha feita de casos, com o candidato a revelar o seu pior lado, adotando um discurso demasiado trauliteiro e cometendo erros primários, como aquele em que acusou Costa de estar ligado a uma empresa de Berardo, algo que foi forçado a desmentir no dia seguinte.

Resta, agora, ver o desempenho do partido nas legislativas. A tarefa não se afigura nada fácil, embora o facto de o PSD estar “em cacos” possa ajudar. Mas, atenção, que tanto a Aliança como o Chega, apesar de não terem tido grandes resultados, não “morreram” nestas europeias e podem “comer” algum eleitorado dos “populares”. Apesar de tudo, não se deve subestimar a capacidade de Cristas, que, recorde-se, fez esquecer Paulo Portas, algo que, durante muito tempo, não parecia possível.

Apesar de tudo, se os resultados voltarem a ser negativos, é provável que a líder não sobreviva. Por algumas reações verificadas no seio do partido, Nuno Melo parece continuar a ser visto como alternativa. Mas o CDS é uma formação onde as surpresas não são raras, algo a que se deve ao facto de possuir um aparelho partidário relativamente débil. Por isso, não surpreenderia que outro “coelho saísse da cartola”!...

PSD: um rio que cai a pique

Ao obter 21,9% dos votos, mantendo os seis eurodeputados que já detinha, o PSD obteve o pior resultado eleitoral da sua história.

Tendo conservado apenas 56% dos votantes na coligação PSD-CDS de há cinco anos, somou 1,8% de abstencionistas de 2014 e mais 18% provenientes do MPT (de eleitores “laranjas” descontentes com as medidas austeritárias do governo de então e que, agora, voltaram à base), 8,5% de pequenas forças políticas, 4,5% dos novos eleitores e pouco mais.

Do ponto de vista territorial, apenas venceu na Madeira e em Vila Real, tendo sido derrotado, mesmo que tangencialmente, em distritos onde costuma triunfar, como Bragança, Viseu e Leiria, a que podemos somar Aveiro, Guarda e Viana do Castelo, onde ficou, claramente, atrás do PS.

Os melhores resultados ocorreram na Madeira (45,2%), seguido dos dois distritos trasmontanos de Bragança (40,6%) e Vila Real (38,9%). Seguem-se, depois, os da Beira Alta: Viseu (37,4%) e Guarda (36,6%). Algo que corresponde às suas áreas tradicionais de maior implantação.

Ao invés, os piores ocorreram, sem surpresa, no Alentejo e na península setubalense. Como sempre, o resultado mais baixo ocorreu em Beja (12,4%), seguido de Setúbal (14,1%), Évora (17,3%) e Portalegre (20,0%). Mas são, igualmente, maus os resultados de Faro (21,6%), Lisboa (23,4%) e Coimbra (25,6%). Ou seja, o partido “afundou-se” por completo nas áreas urbanas, em especial no Centro e Sul, estando o seu eleitorado resumido aos fiéis, em geral idosos e residentes em zonas rurais.

Passos Coelho encostou o partido à direita do ponto de vista económico e não aceitou o facto de ter sido derrubado pelos acordos parlamentares entre o PS e a esquerda, procurando aproveitar a iliteracia democrática de muitos para fazer passar a ideia de ilegitimidade do novo governo.

Após a sua demissão, na sequência do descalabro nas autárquicas, Rui Rio ascendeu à liderança, após uma renhida disputa com os setores “passistas”, agrupados atrás da candidatura de Santana Lopes, que, pouco depois, abandonou o PSD e fundou o Aliança.

Aquele recentrou o partido e Costa “agradeceu”, pois permitiu-lhe voltar a fazer funcionar o “bloco central”, sempre que enfrentava divergência com os seus parceiros da esquerda.

Dado o perfil “cavaquista” do novo líder, caraterizado mais por fazer ruturas que por construir “pontes” e o medo dos derrotados de virem a ser alvo de uma “limpeza” na formação das listas para as legislativas, o universo “laranja” entrou num clima de verdadeira guerrilha interna, de que o desafio fracassado do antigo líder parlamentar, Luís Montenegro, à liderança, foi corolário notório.

Após a derrota deste, Rio pareceu consolidar a sua liderança, ajudado pela escolha de Paulo Rangel, um eurodeputado experiente e com um pensamento estruturado sobre a Europa. E o certo é que o PSD foi subindo nas sondagens, travando o crescimento do CDS e aproximando-se do PS, em especial após capitalizar as denúncias sobre as nomeações familiares na esfera governativa e aproveitar a debilidade política do cabeça de lista “rosa”.

Porém, a forma desastrosa como geriu a questão dos professores, que deu a Costa o pretexto de que precisava para “virar o jogo”, foi-lhe fatal. A campanha nunca mais recuperou e o próprio cabeça de lista foi incapaz de encontrar um discurso. Depois do “tiro pela culatra”, que foi o sobrevoo da área ardida na zona de Pedrógão Grande, entrou num jogo trauliteiro de provocações aos socialistas, com graçolas e “piadolas” de gosto cada vez mais duvidoso à medida que as sondagens mostravam resultados cada vez mais negativos, que o ato eleitoral se encarregaria de confirmar.

Apesar do péssimo desempenho, o pouco tempo que resta até às legislativas torna quase impossível aos críticos remover Rio da liderança. Por isso, estes parecem resignados a esperar por outubro para, então, “afiar as facas”, tendo em conta que parece muito difícil ao partido recuperar até lá e inverter o desfecho das europeias. É certo que muito do mau resultado se deve à grande abstenção do eleitorado da direita, mas não é fácil mobilizá-lo após uma derrota tão expressiva e traumatizante.

A sua debilidade nas áreas urbanas e entre os mais jovens (onde, para além de estar atrás do PS, mostra, proporcionalmente à dimensão dos partidos, ter, percentualmente, menos apoio que Bloco de Esquerda e PAN) são sintomas de que a mensagem do partido está desfasada da realidade do país e não alcança os setores mais dinâmicos da nossa sociedade. Por isso, o partido atravessa uma crise estrutural, que, a não ser invertida, pode conduzir ao seu definhamento

Por outro lado, o aparecimento das novas forças à direita, já referidas (a Aliança e o Chega), ambas protagonizadas por dissidentes do partido, pode constituir uma dificuldade adicional para este. Contudo, o PSD, com uma rede importante de clientelas a nível local, tem, ao logo da sua história, mostrado grande resiliência e não será fácil retirar-lhe o estatuto de principal força da direita portuguesa. O CDS que o diga!

CDU: A terceira derrota e um dilema existencial

A CDU é outra grande derrotada destas eleições, ao obter apenas 6,9% dos sufrágios e dois eleitos, o último dos quais “por uma unha negra”, quando, há cinco anos, conseguira 12,7% e elegera três eurodeputados.

Mesmo sabendo-se que o resultado de 2014 foi excecionalmente bom e, por isso, dificilmente repetível, a quebra foi muito superior ao esperado, tendo a coligação encabeçada pelos comunistas perdido quase metade do seu eleitorado de então.

Ao contrário do que é habitual, os votantes da CDU revelaram-se pouco fiéis, tendo apenas repetido o voto cerca de 46% dos seus eleitores. Os restantes vieram de 0,3% de abstencionistas, 2,5% de pequenos partidos (em especial, do MRPP) e pouco mais de outras escolhas eleitorais.

Em contrapartida, fugiram-lhe 17,5% para a abstenção (que cresceu particularmente no Alentejo, região de maior implantação do PCP), 12,5% para o PS, 6% para o Bloco de Esquerda, 3% para o PAN e o mesmo para pequenos partidos e valores mais residuais para a direita, brancos e nulos.

Relativamente à estrutura territorial do voto, não se registam grandes surpresas. Os melhores resultados registaram-se a sul do Tejo, em especial na região alentejana. Nesta, Beja (25,2%) e Évora (20,2%) foram, como sempre, os distritos onde foi mais forte, seguidos de Setúbal (17,1%) e Portalegre (12,6%). Vêm, depois, Lisboa (8,2%), Santarém (8,0%) e Faro (7,3%).

Também, como é habitual, os piores registaram-se no Interior Norte - Bragança (2,3%) e Vila Real (2,5%) – e nos Açores (2,5%). Vêm, em seguida, Viseu (2,8%), Madeira (3,0%), Aveiro (3,1%) e Guarda (3,2%), regiões onde é tradicionalmente débil.

Quanto à evolução face às últimas europeias, as perdas são pesadas em todo o território, cifrando-se o decréscimo, a nível nacional, em -45,7%. As descidas mais acentuadas ocorreram nos distritos de Aveiro (-54,4%), Vila Real (-51,0%), Porto (-49,5%), Coimbra (-49,0%), Braga (-48,7%), Lisboa (-48,4%), Faro (-47,9%), Leiria e Bragança (ambos -47,7%). Ou seja, para além de Trás-os-Montes, onde sempre teve pouco apoio, foi nas principais áreas urbanas que a CDU sofreu as maiores quebras.

Ao invés, onde estas se revelaram menores, embora não deixem de ser significativas, foi na região alentejana, onde reside o essencial da força do PCP: Beja (-28,6%), Portalegre (-34,4%) e Évora (-35,5%). A estes, há a juntar as regiões autónomas dos Açores (-35,9%) e da Madeira (-37,5%), onde está relativamente pouco implantado, mas onde a queda foi ligeiramente menor, também por os resultados de 2014 não terem sido aí tão bons como no território continental.

Depois do fracasso da candidatura de Edgar Silva nas presidenciais e da perda de vários municípios (com destaque para Almada) nas autárquicas, os comunistas sofrem a terceira derrota consecutiva.

Ao contrário do Bloco de Esquerda, que tem conseguido capitalizar a influência que os acordos que levaram à criação da chamada “geringonça” lhe permitiram exercer sobre o PS, “puxando-o” um pouco mais para a esquerda, tal não tem sucedido com o PCP.

Para o eleitorado comunista, maioritariamente de classe baixa, a aproximação à área do poder provocou dois efeitos opostos, mas que se traduzem, ambos, em perda de eleitorado: uns, beneficiados com as políticas governativas de reposição de rendimentos, estão satisfeitos com o executivo e acabam a votar no PS; outros, descontentes com as limitações do governo de Costa e habituados a ver no PCP um partido de luta e de protesto, sentem-se órfãos de representação e refugiam-se na abstenção.

A isso pode juntar-se o alargamento da penetração do Bloco de Esquerda em estratos mais populares da população, algo que Marisa Matias consegue muito bem.

João Ferreira é, sem dúvida, um bom quadro, bem preparado e, honestamente, face à campanha realizada, não merecia um resultado tão pobre. Mas o certo é que, apesar de parecer uma pessoa simpática, talvez lhe falte a empatia que Cunhal e Jerónimo conseguiam estabelecer com o seu eleitorado.

Contudo, o problema do PCP não é de caras mais ou menos “engraçadinhas”, mas de políticas. A verdade é que o discurso do PCP “cola” pouco com as novas realidades do mundo atual.

Na esfera internacional, a incapacidade em caraterizar como ditadura o regime norte-coreano, a defesa incondicional de Maduro na Venezuela (que explicará o péssimo resultado em Aveiro e a queda na Madeira, zonas onde existe uma forte corrente emigratória para aquele país), bem como à China (apesar da exploração dos trabalhadores que aí se verifica), à Rússia de Putin (hoje, a grande Meca da extrema-direita) ou à cleptocracia angolana de José Eduardo dos Santos são incompreensíveis para a maioria do eleitorado mais esclarecido. Também o apoio expresso ao “Brexit” e à saída do euro não são acompanhados pela maioria da população, em especial da que tem familiares emigrados noutros países europeus.

Por outro lado, as posições algo conservadoras em matéria de costumes (como o ter contribuído para “chumbar” a legalização da eutanásia, a resistência ao aumento dos direitos das comunidades LGBT ou de outros no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, a oposição à greve feminista), a par com a desvalorização das alterações climáticas e o apoio às touradas podem contribuir para segurar o eleitorado mais tradicional do partido, mas afastam os setores mais jovens e urbanos da sociedade, que o consideram anacrónico.

O grande dilema do PCP é que, se se mantiver na mesma linha, arrisca um definhamento progressivo e, porventura, irreversível, até porque não consegue substituir as gerações que têm a memória do papel destacado do partido na luta antifascista e que, pela lei da vida, vão desaparecendo. Contudo, embora necessite de modernizar o seu discurso, tal como fez com o “marketing” eleitoral, após as autárquicas, não pode dar uma volta muito grande, sob pena de deixar de ser o que é e todos sabemos que, quando uma organização com uma identidade muito vincada contraria o seu ADN, arrisca-se a um rápido desaparecimento.

Da forma como conseguir resolver este dilema, equilibrando os dois lados da equação, dependerá, em muito, o seu futuro. As perspetivas para as legislativas não são risonhas, até porque a CDU tem, em geral, muto melhores desempenhos nas europeias que naquelas, mas é um facto que pode recuperar uma parte dos que agora lhe fugiram para a abstenção.

Independentemente de tudo o que possa vir a acontecer, há que não esquecer que o partido continua a possuir uma forte implantação sindical, várias autarquias e um papel importante em muitas organizações de base. Por isso, convém não subestimar a capacidade do PCP, que, ao longo dos seus quase 100 anos de história, tem dado provas de grande resiliência. E um partido com as suas tradições de luta nunca se dá por vencido!

Os pequenos partidos: esperanças, dúvidas e desilusões

Por não estar em jogo a formação de um executivo e por haver um único círculo nacional, o eleitorado sente-se mais livre nas eleições europeias para votar de acordo com as suas convicções, não usando o impropriamente chamado “voto útil”, ou aproveitar a ocasião para exercer um voto de protesto. Daí que as formações políticas de menor dimensão consigam obter aí, em geral, os seus melhores resultados eleitorais, embora seja difícil para a maioria atingir os cerca de 3,5% que permitem a conquista de um lugar no Parlamento Europeu.

A Aliança, formada e liderada por Pedro Santana Lopes, após a sua saída do PSD, foi o mais votado, obtendo 1,9% dos votos.

Paulo Sande, o cabeça de lista escolhido, é um bom conhecedor dos temas europeus, mas é mais um homem dos salões e não das feiras e dos mercados.

Por outro lado, ao abandonar o seu partido de sempre, após várias ameaças nunca concretizadas, Santana Lopes acabou por embarcar numa aventura quase solitária, já que muito poucos de entre os seus próximos o acompanharam. Com menos de um ano de vida e quase sem aparelho, era difícil fazer uma boa campanha. E, apesar de o ex-primeiro-ministro ainda ter algum apoio em alguns estratos mais populares, é considerado pouco credível pelos eleitores mais cultos e informados.

O acidente que ele e o seu cabeça de lista sofreram, se lhes deu alguma visibilidade mediática, impediu-os de fazer campanha em pleno, já que o desastre os deixou bastante combalidos.

O seu resultado mais relevante ocorreu em Lisboa (2,9%), com destaque para a capital e a Linha de Cascais, seguido dos Açores (2,4%), onde uma parte do PSD local se mostrou insatisfeita por a região não ter um candidato em lugar elegível na respetiva lista, e de Coimbra (2,2%), neste caso graças aos 4,6% na Figueira da Foz, a cujo município presidiu, e que foi o seu melhor “score” concelhio no país.

As legislativas serão decisivas para o futuro da formação. É certo que, tendo Santana como cabeça de cartaz, será possível atrair mais votantes. Porém, aquele não estará presente nos principais debates e a pressão para o “voto útil”, em especial fora de Lisboa e Porto, será muito maior. Os resultados de agora mostram que é bem possível que o ex-primeiro ministro seja eleito em Lisboa. O problema é que poderá não ter companhia em São Bento. E, se assim for, estaremos em presença de mais um dos seus “flops”.

A seguir ficou o Livre, que, com 1,8% dos votos, recuou face a 2014, quando obtivera 2,2%.

Concorde-se ou não com ele, Rui Tavares tem uma ideia de Europa e, por isso, as eleições europeias são a sua “praia”. A isso acresce o menor condicionamento dos votantes para o impropriamente designado “voto útil”.

Porém, com a formalização dos acordos parlamentares à esquerda, a sua agenda nacional acabou esvaziada de sentido e o que defende é assegurado pelo Bloco de Esquerda, à esquerda, ou pelo PS, à direita, ficando o partido “entalado” entre ambos. O próprio crescimento eleitoral do PAN constitui um obstáculo adicional à sua afirmação.

Além do mais, do ponto de vista territorial, só no distrito de Lisboa apresenta um resultado com alguma relevância (2,8%), graças aos 4,5% que obteve na capital. O que mostra que o seu “núcleo duro” está circunscrito a uma certa intelectualidade lisboeta bem-pensante.

Por isso, este resultado parece difícil de transpor para as legislativas. Se, há cinco anos, numa conjuntura muito mais favorável, com o Bloco sob pressão e a ideia de uma aliança de esquerda a ser reclamada por vários setores desse espectro político, não o conseguiu, mais difícil será agora.

A coligação Basta!, que integrou o Chega, da nova extrema-direita populista, fundado e liderado por André Ventura, que encabeçou a lista, o monárquico PPM, o CDC (antigo Portugal Pró-Vida), da direita católica reacionária, e a Democracia 21, um movimento cívico que se afirma liberal e defensor da democracia direta, obteve 1,5% dos sufrágios.

Apesar de, felizmente, ter ficado longe de obter representação no Parlamento Europeu, e de o seu resultado não ter sido nada de excecional, a verdade é, os 2,2% que conseguiu no distrito de Lisboa permitiriam ao líder do Chega chegar a São Bento, caso estivéssemos em presença de eleições legislativas.

Curiosamente, e para além da região da capital, os seus melhores resultados ocorreram no Alentejo, com 2,3% em Portalegre e 2,2% em Évora, ficando com 2,0% em Beja. Algo que poderá dever-se, por um lado, à recente vaga de imigração asiática (e não só) para a região e, por outro, ao efeito estatístico do aumento da abstenção. Já os bons desempenhos em Faro (2,1%) e Setúbal (1,9%), áreas mais urbanizadas e com maiores índices de imigração, eram mais ou menos esperados. Ainda ficou ligeiramente acima da média nacional em Leiria e Castelo Branco (1,6% em ambos), algo que também não se estranha

Ao invés, revelou-se bastante mais débil no restante Centro e, em especial no Norte, tendo registado o valor percentual mais baixo no Porto (0,9%). Terá o ferrenho benfiquismo de Ventura algo a ver com este fenómeno?

Recorde-se que, durante a campanha, o líder da candidatura trocou a participação num debate com os seus adversários políticos dos partidos mais pequenos pela sua habitual participação no seio de um programa televisivo de comentário desportivo, como comentador representante do seu clube. Se isso suscitou a indignação e o desprezo de muitos, o candidato não terá saído muito prejudicado junto dos seus potenciais votantes, pois a verdade é que Ventura fala para o eleitorado menos esclarecido, que acha normal alguém que se candidata a um cargo político trocar a política pela “bola”.

Para já, resta saber se a coligação, que serviu de “barriga de aluguer” ao Chega, se manterá para as legislativas ou se este concorrerá sozinho, ou por decisão própria ou por abandono do PPM, que nunca se sentiu confortável na coligação.

Mas, qualquer que seja a opção, a possibilidade de Ventura chegar ao Parlamento não é de desprezar, tudo dependendo da campanha que fizer e da maior ou menor visibilidade mediática que conseguir. Se, para Santana Lopes, entrar sozinho será um embaraço, para o líder do Chega será uma festa. Se esta vier a acontecer, teremos fortes razões para ficar preocupados!

O Nós, Cidadãos apresentou como cabeça de lista o ex-candidato presidencial independente Paulo de Morais e não foi além de 1,0% dos sufrágios.

Embora as suas preocupações com a corrupção sejam importantes, o certo é que a política não se pode resumir à luta contra esse flagelo. Ora, para além de não ser especialmente carismático, o cabeça de lista do NC é, cada vez mais, um homem de um tema só. Por isso, as suas votações não descolam.

A Iniciativa Liberal, formação estreante neste ato eleitoral, ficou-se pelos 0,9% dos votos.

Para além de o liberalismo económico não ter grande tradição em Portugal, nem mesmo à direita, o facto de o seu líder, Carlos Guimarães Pinto, ser quase um ilustre desconhecido não ajudou a que o resultado fosse melhor.

Em queda está o MRPP, que não foi além de 0,8% dos sufrágios, quando, em 2014, havia obtido mais do dobro (1,7%).

A expulsão de Garcia Pereira após as legislativas de 2015 e a morte recente de Arnaldo Matos privaram o partido de qualquer figura mediática relevante, pelo que é de prever o seu declínio daqui para a frente. O seu desempenho nestas europeias assim o parece indicar.

Já o PNR manteve praticamente inalterado o seu resultado de há quatro anos (0,5%), apesar do aparecimento do Basta! Felizmente, alguma visibilidade que adquiriu nos últimos tempos não se transformou em votos.

Um facto relevante deste ato eleitoral é o afundamento completo de Marinho e Pinto. Depois de, em 2014, ter sido a grande surpresa, quando a lista do MPT, por si encabeçada, obteve uns impensáveis 7,1%, que lhe valeram a eleição de dois eurodeputados, agora, o PDR, formação que fundou, após ter rompido com o partido pelo qual foi eleito, quedou-se por uns modestos 0,5%.

Com um discurso populista e truculento, rapidamente delapidou o seu capital político, ao afirmar que ficaria com a totalidade do seu ordenado de eurodeputado para ajudar a filha a pagar um apartamento em Lisboa. A tentativa de infiltração de um grupo de evangélicos no 1º congresso do partido e a condenação de um seu alto dirigente por participação no assassinato de um empresário de Braga, a par com um discurso errático e politicamente pouco coerente, contribuíram para a sua total descredibilização aos olhos da maioria do eleitorado. Daí que nem o facto de ter tido direito a participar nos debates da “1ª Liga” o ajudou a evitar um resultado humilhante.

Embora haja “ressurreições” em política, a verdade é que Marinho e Pinto parece politicamente “morto”. No fundo, apareceu rapidamente e, qual meteoro, com a mesma rapidez desapareceu.

Dos restantes, o PURP (0,4%) continua quase confidencial, o PTP (0,3%) está reduzido à família Madaleno, de Castelo Branco, e ao populista José Manuel Coelho, hoje uma “estrela cadente” da política madeirense, enquanto o MAS (0,2%) não vai além de uma pequena franja da juventude universitária.

Por seu turno, os votos brancos e nulos viram a sua percentagem reduzir-se ligeiramente, passando de 7,5% para 7,0% dos votos expressos, ainda assim um valor apreciável.

O paradoxo da abstenção

Uma das questões que mais controvérsia tem suscitado nas análises pós-eleitorais respeita à dimensão da abstenção.

A verdade é que, apesar de, em números absolutos, a afluência às urnas ter aumentado ligeiramente, o valor da abstenção oficial é superior. Assim, dos 66,2% de há cinco anos passámos, agora, para 69,3%.

Ora, este aparente paradoxo tem uma explicação. É que, com o recenseamento automático dos emigrantes registados nos consulados, o universo eleitoral aumentou de pouco mais de 9,7 milhões de eleitores para quase 10,8 milhões. Ou seja, de um momento para o outro, o país “ganhou” mais de um milhão de inscritos nos cadernos eleitorais.

Como os residentes no estrangeiro são os que menos votam, registando taxas de abstenção “estratosféricas”, mesmo nas legislativas, a abstenção disparou pelo simples efeito estatístico do acrescento ao recenseamento de um grande conjunto de eleitores não votantes. Nestas europeias, atingiu 99,2% na Europa, 98,8% nas Américas, 98,1% em África e 99,1% na Ásia e Oceânia.

Logo, a única comparação que faz sentido face às anteriores europeias é a da abstenção no território nacional, que não foi afetado por esse grande aumento do número de recenseados. E, aí, registou-se uma diminuição, embora muito “poucochinha”: de 65,3% para 64,7%.

Os valores mais elevados da abstenção registaram-se, como habitualmente, nos Açores (81,3%). Seguiu-se Faro (73,1%), onde o eleitorado é relativamente jovem, e depois Bragança (71,5%) e Vila Real (71,2%), dois distritos onde o PSD tem forte implantação. Também foi muito elevada em Viseu (69,5%) e Viana do Castelo (68,6%), onde PSD e CDS são tradicionalmente fortes, e nos distritos alentejanos de Beja (67,9%) e de Portalegre (67,8%), o que confirma que uma parte do eleitorado comunista foi, igualmente, “tocado” pelo “vírus” do abstencionismo.

Em contrapartida, Lisboa (59,9%) foi onde a afluência às urnas foi maior, o que talvez explique os bons resultados dos pequenos partidos no distrito. Seguiu-se, com alguma surpresa, a Madeira (61,5%) e, com naturalidade, já que a abstenção é aí quase sempre mais baixa, Braga (62,2%) e Porto (62,4%).

Relativamente à sua evolução, os maiores acréscimos da abstenção ocorreram nos distritos alentejanos: Beja (+11,3%), Évora (+8,7%) e Portalegre (+7,2%), em geral provenientes de eleitores do PCP. Vêm, depois, Faro (+5,9%), onde a direita se afundou, os Açores (+5,1%), provavelmente de eleitores do PSD descontentes com a lista, Vila Real (+3,0%) e Bragança (+1,7%), vindos do eleitorado “laranja”. Setúbal (+1,1%) e Santarém (+0,6%), onde o eleitorado comunista tem algum peso, também viram crescer o número de abstencionistas.

Ao invés, diminuiu fortemente na Madeira (-13,6%), o que pode ajudar a explicar algumas discrepâncias nos resultados do arquipélago relativamente ao ocorrido no resto do território. Também experimentou uma descida significativa em Leiria (-5,9%), onde uma maior mobilização da esquerda poderá explicar o péssimo desempenho da direita num distrito que, habitualmente, domina, em Lisboa (-5,8%), onde se encontra o grosso do eleitorado mais esclarecido sobre a importância da UE nas nossas vidas, e em Coimbra (-3,7%), muito provavelmente devido ao “efeito Marisa”, que mobilizou uma boa parte dos aderentes e simpatizantes locais do Bloco de Esquerda para as urnas.

Sendo certo que valores de abstenção tão elevados (independentemente dos números que adotemos para a sua análise) não são despiciendos e não podem ser desprezados, a verdade é que, para além de alguma desilusão (e, em alguns casos, indignação e raiva) face à política e à generalidade dos políticos, a maioria dos eleitores considera, erradamente, o Parlamento Europeu irrelevante para o nosso presente e futuro, pelo que não vota.

Porém, não podemos aceitar o discurso que utiliza os elevados níveis de abstenção para deslegitimar o ato eleitoral. Alguns chegam, mesmo, a falar de um hipotético “partido abstencionista”, que teria uma maioria esmagadora no país, como se a massa de abstencionistas fosse homogénea e as razões para a sua não comparência às urnas fossem semelhantes e determinadas por uma atitude militante.

Ora, se ninguém é obrigado a votar, não é menos certo que só não vota quem não quer. Mas essa liberdade não dá aos que não votam o direito de deslegitimar o ato eleitoral.

Aliás, é essencial respeitar quem vota, por vezes com grande sacrifício. Na minha mesa eleitoral, um senhor de 92 anos apareceu acompanhado da cunhada, que referiu que ele queria imenso votar e fez questão de vir exercer o seu dever cívico. Contudo, não conseguiu caminhar até à sala pelo seu pé, pelo que acabou por ser transportado por mim e por outro colega de mesa até à cabine de voto. Este foi um caso, mas outras pessoas houve que surgiram para votar em cadeiras de rodas fornecidas pela junta de freguesia, não falando já dos eleitores invisuais. Não merecerão essas pessoas mais respeito que os que foram a banhos para uma qualquer praia ou às compras num centro comercial perto de si?

Num próximo texto, analisarei os resultados a nível europeu.

Texto de Jorge Martins

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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