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O Jamaica é aqui

Chega de fingir que vivemos num país onde não há racismo. Existe e é abafado e escondido para que se possa continuar a dizer que não existe, que tudo se resume a uns episódios pontuais.

Perguntem à jovem cigana que há um par de semanas contava perante um auditório, em Lisboa, como perdeu a hipótese de um emprego porque a dona da loja a viu falar com a sua mãe e percebeu a sua origem. Prestem atenção a todos os batráquios, grandes e pequenos, mais ou menos verdes, que servem de “decoração” um pouco por todo o país para afastar ciganos. Perguntem a quem vive no Jamaica ou na Cova da Moura se têm o mesmo acesso ao emprego ou à justiça. Perguntem às pessoas que se levantaram para defender o direito à liberdade de expressão de um dirigente da extrema-direita num canal de televisão, mas que não se deram ao trabalho de gastar um segundo para ouvir as razões dos jovens que quiseram manifestar-se pacificamente e sair da invisibilidade forçada. Perguntem aos activistas anti-racismo que quase todos os dias vêem ameaçada a sua integridade e que têm de ter as costas muito largas para abarcar com todo o tipo de insultos e difamações.

Racismo é racismo é racismo. Violência é violência é violência. Um e outra condenáveis e repudiáveis, seja quem for o agressor. Mas chega também de fingir que não misturam. A violência racista existe e, como tem sido denunciado por organizações internacionais, as forças de segurança não lhe estão imunes. Não lhe estão imunes como não lhe está imune a sociedade onde se inserem as próprias forças de segurança. Como é óbvio, e a confirmar-se, não pode a violência racista de uns poucos pôr em causa a justeza e o brio profissional de uns muitos. Mas pode servir esse argumento para calar o que existe? Não, não pode. Por isso mesmo, foi a própria PSP a decidir abrir um inquérito às ocorrências, porque sabem as chefias das forças de segurança que pode existir violência racista nos seus meandros e que, a existir, tem de ser erradicada. Estiveram bem as chefias da PSP que não confundem a árvore com a floresta. Defender as forças de segurança é defender também a sua integridade, é saber que são compostas por homens e mulheres de bem que merecem a nossa consideração e defesa.

Quem procurou truncar o debate e silenciar uma parte dos acontecimentos não mais fez que diminuir o papel fundamental das forças de segurança e ignorar aqueles que sempre ignoraram. Está ainda tudo por apurar, mas mais humanidade é precisa, assim como mais inteligência e sensibilidade, mais empatia. E são também precisas caras que não se virem para o lado quando há quem esteja a ser agredido. São precisas mais vozes que falem em nome próprio das sistemáticas violações de direitos. Os Jamaicas ainda são aqui. Não é continuando a ignorar quem lá vive que nos tornamos melhores.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 26 de janeiro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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