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José Luís Peixoto dentro do segredo da Coreia do Norte
Quando soube que José Luís Peixoto tinha escrito um livro sobre a Coreia do Norte, pensei que conhecera o país como convidado do regime, numa daquelas viagens montadas para fazer propaganda das proezas do Grande Líder.
A verdade, porém, foi um pouco diferente. O próprio escritor a explicou na última quinta-feira, no lançamento do livro “Dentro do Segredo”, editado pela Quetzal, no espaço Mob, em Lisboa. A viagem foi decidida, preparada e paga pelo próprio escritor (e não deve ter sido barata, acrescentamos nós). A ideia de ir à Coreia do Norte ocorreu-lhe em Los Angeles, quando estava alojado num hotel em pleno bairro coreano, a koreatown. Foi nessa altura que começou a arquitetá-la.
Ir à Coreia do Norte. Mesmo. Este “mesmo” foi sublinhado várias vezes pelo escritor na apresentação do livro. Ir mesmo à Coreia do Norte, isto é, passar dos sonhos e dos planos à realidade. José Luís Peixoto explicou às pessoas que enchiam a sala que foi motivado a fazer a viagem pela curiosidade que tem de conhecer sociedades fechadas e sistemas políticos totalitários. “Talvez isso tenha a ver com a data do meu nascimento: setembro de 1974. Perceberam? Nunca tive de responder à pergunta 'Onde estavas no 25 de Abril?'”, ironizou.
A viagem ocorreu em abril deste ano, e o livro estava nas mãos da editora no dia 25 de outubro. “Foi o livro que escrevi mais rapidamente. Mas todos os dias, quando chegou o final do prazo, a editora me telefonava a dizer que tinha que o entregar naquele dia mesmo, senão era impossível. Mas depois lá arranjava as coisas para no dia seguinte ainda ser possível, e no outro e no outro...”
“Dentro do Segredo” é a primeira incursão do escritor num género diferente do romance, o dos livros de viagens, que se aproximam mais do jornalismo que da literatura. “É muito diferente. Quando escrevo aqui que o comboio era verde, tenho fotografias a provar que era mesmo verde. Se fosse um romance, passado na minha cabeça, o comboio podia ser azul ou vermelho, tanto fazia. Mas aqui não”, explicou.
A viagem teve dezenas de pormenores saborosos, alguns dos quais relatados pelo escritor. Por exemplo, teve de entregar o telemóvel à entrada, e só lhe foi devolvido à saída. A única forma de se comunicar com o exterior à sua disposição era o telefone fixo do hotel de Pyongyang, em chamadas que custavam 6 euros ao minuto, começando a contar o tempo a partir do momento em que começava a chamar. “Se não estivesse ninguém, tinha de pagar os seis euros à mesma”, disse, mas o pior era mesmo quando falava com o filho mais novo, de sete anos, que lhe contava os desenhos animados que costumavam ver juntos, os jogos de computador que jogavam juntos... a seis euros por minuto.
Para ter a autorização de fazer a viagem, o escritor teve de assinar um documento em que se comprometia a não escrever fosse o que fosse sobre a viagem. “Como veem, não cumpri a promessa”, brincou, explicando em seguida que um advogado trabalhou bastante para protegê-lo de eventuais consequências.
E ainda bem. O livro mostra um José Luís Peixoto em grande forma, muito à vontade num género literário que não era, até agora, o seu, revelando em páginas saborosas os “segredos” da Coreia do Norte. Há uma fina ironia na escrita, mas também uma preocupação de fugir à caricatura fácil. É verdade que há muitas coisas caricaturais na Coreia do Norte. Mas muitas vezes descrever o que é dito oficialmente é suficiente, não é preciso acrescentar mais nada. Por exemplo, um artigo na revista distribuída no avião:
“Por fim, a fechar, havia um artigo que dava conta dos misteriosos fenómenos naturais que aconteceram após a morte de Kim Jong-Il: enormes bandos de pássaros que foram ao local onde estava a ser velado; um inédito brilho vermelho que cobriu o topo do pico Jong-il; a neve transformou-se em trovões e relâmpagos em Kaesong; na manhã em que morreu, a terra tremeu no monte Paektu, acompanhada pelo rugido do gelo a rebentar nas margens dos lagos.”
Fenómenos naturais, aliás, parecem ter marcado toda a vida de Jonj-il:
“Segundo a sua biografia oficial, Kim Jong-il nasceu numa cabana no monte Paektu, a elevação mais alta do território, e, nesse momento, uma estrela candente atravessou os céus e transformou o Inverno em Verão, surgindo no ar um bem definido arco-íris duplo. Exactamente, um arco-íris duplo.”
Um livro que se lê num ápice, apesar das suas 236 páginas, e que agarra o leitor a partir da primeira linha. A não perder.
Comments
Nunca teve de responder à
Nunca teve de responder à pergunta "Onde estavas no 25 de Abril?”, e na verdade nunca teve de viver nada, nem mesmo remotamente, parecido com o que foi e é a história real da Coreia do Norte.
Pretender equiparar a realidade dum país destes (para o bem ou para mal) com o Portugal do 24 de Abril, recorrendo para isso a estereótipos como "fechado" e "autoritário", só evidencia bem, embora a contrario, o quanto a esquerda portuguesa está mentalmente colonizada, e "en profondité", pela ideologia hoje em dia dominante.
A menos que, obviamente, se rejeite de forma liminar o próprio recurso esta última categoria, porque alegadamente démodée, "dinossáurica" ou, quem sabe, ela própria "fechada" e "autoritária".
Isto, é claro, pergunto agora eu. Também "ironizando", é claro. "Perceberam"?...
Caro João Carlos Graça, Eu, o
Caro João Carlos Graça, Eu, o autor deste artigo, vivi a ditadura antes do 25 de abril, lutei contra ela e não considero "démodée" o conceito de ideologia dominante. Dito isto, acho sim que a ditadura coreana, pela total ausência de liberdades, é perfeitamente comparável com a ditadura salazarista. E que a ditadura hereditária agora dirigida por Kim Jong-un é, sim, ridícula, sob qualquer ponto de vista. Por isso não é preciso ironizar, basta descrever. Se considera que o excelente trabalho do José Luis Peixoto é "colonizado pela ideologia dominante", sugiro, já não uma viagem ao país - caríssimo!, mas algo mais simples: uma visita ao site oficial da agência coreana de notícias em http://www.kcna.kp/goHome.do?lang=eng.
Na fotogaleria de abertura, só há fotos do "Grande Sucessor". Certamente por ter a cabeça cheia de ideologia dominante, acho isto "dinossáurico", "tirânico", "autoritário". Percebeu? Ou prefere que lhe escreva em francês?
Para este tipo de
Para este tipo de quase-intelectuais-de -esquerda - O bom é novamente repetir a historia da Libia: onde o vosso politico(zinho) decidiu que escrevendo em francês... de tal modo, que o ('regime') "dinossáurico", "tirânico", "autoritário" fosse assim terminado. Finalmente estão todos bem Felizes: só já lhes falta metade dessa tarefa. Força nisso... Estão conseguindo.
Na altura da maior crise dos
Na altura da maior crise dos últimos 100 anos da economia global e nacional, quando o desemprego e o assalto ao povo cresce para níveis inauditos, a preocupação de certas pessoas é a ameaça do Coreia do Norte... ui ui que eles vêm aí.....
Diabolizam tudo e todos, as bizarrias e injustiças de zonas remotas do outro lado do mundo... não confrontam é as bizarrias e canalhices locais...pois eu percebo.. até convém desviar as atenções.
Enquanto andamos cheios de medo do Assad, do Kadafi ou do lobo mau, os vilões locais fartam-se de vilanar...
Peço desculpa mas este livro
Peço desculpa mas este livro está a ser uma grande seca. Lê -se rápido? Estou à 15 dias a ler isto porque não tenho paciência. Enfim. Opiniões. Só estou a ler isto para a apresentação de português mas não estou a gostar!
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