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Belmiro: uma fortuna feita na Bolsa e nas privatizações

Faleceu esta quarta-feira Belmiro de Azevedo, empresário com uma carreira nos negócios marcada pela acumulação nas transações bolsistas. Os livros "Os Donos de Portugal" e "Os Burgueses" contam a história da fortuna de Belmiro, de que aqui publicamos alguns extratos.
Belmiro de Azevedo. Foto José Coelho/Lusa

Uma das fortunas emergentes do ciclo das privatizações é a da família de Belmiro de Azevedo. Ao contrário de Américo Amorim ou Soares dos Santos, que são herdeiros de empresas, Belmiro entra na Sonae por opção profissional e sem capital, ainda antes do 25 de Abril, como jovem engenheiro assalariado. A empresa de aglomerados de madeira integra a holding da família de Afonso Pinto de Magalhães, um homem que foi presidente do F.C. Porto e que é dono do Banco Pinto Magalhães (BPM) e de empresas seguradoras, industriais e de distribuição comercial.
 
O BPM é nacionalizado em 1975 e a Sonae, cujas quotas estão divididas entre a família e o banco, fica também nas mãos do Estado. Com a família dos anteriores proprietários já a residir no Brasil e em plena turbulência revolucionária, os representantes públicos na Sonae permitem que um conjunto de quadros controlem a empresa a partir das quotas simbólicas que um dia receberam de Pinto Magalhães. Belmiro de Azevedo é um desses quadros e já não deixará a direção da empresa.

Um "empréstimo milagroso" para mudar de campeonato

Quando Pinto de Magalhães regressa a Portugal em 1982 torna-o sócio, com 16% do capital da empresa. Depois da morte do patrão, Belmiro contrai um empréstimo vultuoso e aumenta a sua posição, adquirindo nova quota aos herdeiros de Pinto Magalhães. Belmiro conta a sua história: «a família ficou aflita, não queria mandar na gestão, vendeu-me metade da posição. Houve um banco que, de uma maneira quase milagrosa, me emprestou muito mais dinheiro do que eu imaginava que alguém me emprestasse. Eu disse-lhes que a família de Pinto de Magalhães queria 100 mil contos pelas acções e o gerente do banco respondeu-me: escreva o cheque» (DE, 22.04.2005). Consta que terá sido o Lloyds Bank a garantir o empréstimo milagroso que colocou Belmiro em paridade com os accionistas históricos da Sonae.

Isso acabará por desencadear um conflito prolongado, à medida que os aumentos de capital vão marginalizando os proprietários históricos. Belmiro joga e, após a primeira fase de privatização do BPA, em 1995, vende à própria Sonae 6,5% do banco, para no fim desse ano acorrer ao aumento de capital que reduzirá definitivamente o papel da família Pinto de Magalhães na empresa.
 
O caso é interessante, porque revela um traço constante da carreira de Belmiro: a acumulação pela transação bolsista. Com a entrada em Bolsa de empresas do seu grupo, o empresário financia a sua primeira grande superfície, o Continente da Amadora, aberto em 1986. No caso das “sete OPV” (ofertas públicas de venda), Belmiro encaixa numa engenhosa operação entre empresas do seu grupo 20 milhões de euros de incentivos à cotação em Bolsa, caso que motiva escândalo e mesmo a demissão de um secretário de Estado do ministro Cadilhe, além de um longo processo na Justiça, que termina arquivado. O outro secretário de Estado de Miguel Cadilhe, Elias da Costa, terá lugar nas administrações do grupo Sonae.

As vendas são realizadas com preço fixo, contrastando com o tradicional leilão. Segundo o DN, o esquema visava os benefícios fiscais às empresas que vendessem 25% de acções próprias. Dado o limite legal que proibia uma sociedade de comprar mais de 10% de acções próprias, Belmiro comprou precisamente 10% ao seu próprio grupo e distribuiu os restantes 15% gratuitamente entre as próprias empresas. Para Belmiro, o processo judicial foi «um problema menor – um bom gestor deve fazer uma interpretação ousada da lei» (DN, 27.02.2006).

Anos 90: Muita diversificação, metade do rendimento é bolsista

Ao longo dos anos 90, a Sonae expande-se sem freios nas grandes superfícies, mesmo especializadas (Sportzone, Maxmat), em Portugal e no estrangeiro. Em dois dos seus negócios mais importantes - a criação da Optimus e a abertura no Brasil (onde inaugura em 2002 o maior centro comercial da América Latina) - constitui sociedade com o próprio Estado português, que é acionista destas empresas do grupo. Entra ainda no setor do papel, com as aquisições na Portucel e Soporcel, mas acabará por vender a sua parte ao perder o controlo do sector para Pedro Queiroz Pereira. Desiste do Totta e perde o BPA, mas ao sair encaixa importantes mais-valias. Entra no BPI, onde chega a deter 4% e do qual é um pesado devedor ao longo da década. Entre 1993 e 2003, as mais-valias bolsistas acumuladas por Belmiro de Azevedo equivalem em valor aos resultados líquidos da própria Sonae nesse período (revista Exame, Maio 2004).
 
Elias da Costa, secretário de Estado das Finanças ao longo de toda a década cavaquista, é contratado pelo Santander-Totta mal o PSD sai do governo e, a partir de 2003, também pela Sonae. Nesse período, o Santander apoia diversos negócios milionários de Belmiro. Financia em 100 milhões a compra pelo Carrefour de dez hipermercados da Sonae no Brasil, comanda a emissão de 400 milhões de euros de obrigações Sonae/Modelo-Continente (DN, 25.01.2006) e toma firme a OPA de Belmiro à PT em 2006, «a maior operação promovida pelo Santander no mundo inteiro para um só cliente, ao ter sindicado onze mil milhões de euros de responsabilidades financeiras», refere Horta Osório, então presidente do Santander de Negócios, com Elias da Costa como vice ​​(Exame, abril 2009).

A zanga com a PT e a imagem de independência do poder político

O apoio do Santander a Belmiro de Azevedo surge a par de sinais de abertura da Sonae para, no caso de conquistar a PT, vender a quota da Vivo brasileira à Telefónica espanhola (DN, 18.1.2007). Henrique Granadeiro, então chairman da PT, acusa o Santander de ser um “banco traidor” da sua ligação à PT (Diário Económico, 7.3.2007). A OPA acaba bloqueada pela coligação do Estado com o BES/Ongoing. Belmiro acusa: «a vitória é tristemente a dos bloqueadores do progresso de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos» (P, 20.03.2007). Quando, já em 2010, estes mesmos acionistas apoiam a venda da Vivo à Telefónica, é de novo o Estado que bloqueia o negócio, com recurso à sua golden share. A Vivo haveria de fazer parte de um negócio maior, o da fusão Oi-PT, em 2013, sob maioria de capital brasileiro, com o desenlace que se conhece.

Tal como o seu concorrente Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo cultivou frequentemente uma imagem de independência do poder político. Sendo de facto o grande grupo com menos ex-governantes nas suas administrações, a Sonae não dispensou ao longo dos anos os serviços de um lote significativo de ex-ministros e secretários de Estado.

De Viana Baptista (PSD, ministro dos Transportes e Obras Públicas nos governos AD e bloco central) a Álvaro Barreto (do conselho geral da Sonae em 1990-92), Daniel Bessa (ministro de Guterres, hoje no conselho fiscal da Sonae, da GALP e da Bial, no AICEP desde 2008), passando por Cavaleiro Brandão (CDS, presidente da mesa da assembleia da Sonae e vice da do BPI) e Silva Peneda (ministro do emprego nas maiorias absolutas de Cavaco, na Sonae entre 1997 e 2004).

Nas eleições de 2011, o dono da Sonae participou na campanha de Pedro Passos Coelho, em nome da urgência "de uma autoridade forte que a esquerda não pode dar a Portugal" (Expresso, 2.6.2011).


Extratos editados dos livros "Os Donos de Portugal e "Os Burgueses"
 

 

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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