You are here

A nossa saúde em mãos mal pagas?

Há quase 10 mil trabalhadores qualificados que fazem andar o SNS mas estão sem carreira e a ganhar pouco mais de 800 euros líquidos.

Há milhares de trabalhadores da saúde que estão em greve há quase um mês. Durante a maior parte desse tempo, a maioria da opinião pública mal deu pelo protesto deste universo de 10 mil trabalhadores e da sua justa reivindicação. A bem do SNS, importa que escutemos as suas razões.

Em agosto deste ano foi criada uma nova carreira de profissionais de saúde. São funcionários públicos que trabalham há muitos anos no Serviço Nacional de Saúde, fisioterapeutas, terapeutas da fala, radiologistas, técnicos de análises clínicas, entre outros, que passaram a chamar-se Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (TSDT).

Sem eles o SNS não funciona. É por isso que estes trabalhadores já tinham uma carreira no âmbito do SNS, designavam-se Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica. Qual é a diferença? Na nova carreira, a referência ao termo “superior” vem reconhecer que estes trabalhadores são licenciados e qualificados para as complexas tarefas que desempenham quando temos de recorrer a um centro de saúde ou a um hospital para receber tratamento ou fazer um exame.

Esta qualificação implica enormes responsabilidades. É por isso que as carreiras superiores têm níveis remuneratórios mais elevados do que aquelas que exigem o ensino obrigatório. Tudo isto foi-lhes reconhecido - finalmente - em agosto. No entanto, o novo regime legal da carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica remete para regulamentação posterior quase todos os aspetos da nova carreira.

Apesar de haver um limite de 90 dias para a publicação destes diplomas próprios, nada aconteceu. Os TSDT estão num limbo, já não pertencem à carreira anterior mas também ainda não estão na nova. Resultado? Têm os salários mais baixos entre todos os licenciados da Função Pública e nenhuma perspetiva de direitos laborais.

Em resumo, há quase 10 mil trabalhadores qualificados que fazem andar o SNS mas estão sem carreira e a ganhar pouco mais de 800 euros líquidos. Porque lutam então estes trabalhadores do SNS? Pelo cumprimento da lei, e bem.

Tudo isto é absurdo. Não pode haver trabalhadores no fio da navalha porque o Governo “se esquece” de regulamentar uma lei. Sobretudo quando todas as carreiras vão ser descongeladas, estes trabalhadores só querem a garantia de que têm sequer uma carreira que possa descongelar-lhes a vida.

Este absurdo só compete com a situação dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), profissionais do INEM que nos acodem nos motociclos ou nas ambulâncias quando temos uma emergência médica. As pessoas nas mãos de quem colocamos a vida ganham 692,71 euros de ordenado base. Apesar de terem uma nova carreira, continuam a ganhar pela antiga.

Quando se fala em orçamento e carreiras convém pôr-lhe nomes, tarefas, funções. Torna-se muito mais fácil perceber por que razão ganhamos todos - utentes, trabalhadores, contribuintes - se os profissionais dos serviços públicos forem tratados com justiça.

Artigo publicado no jornal “I”, publicado em 22 de novembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
Comentários (1)