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A Crise e a Despesa Pública no Sector Cultural na União Europeia
Refiro-me aos artigos 5º e 6º que "reafirmam o direito soberano de formular e aplicar as suas políticas culturas" e que inclui em particular adoptar "medidas que se destinem a conceder assistência pública financeira". Defender este princípio contra a política da austeridade parece ser uma tarefa impossível. A ameaça nebulosa que o paradigma e a tradição europeia de investimento público na cultura iria acabar ecoou por vários governantes Europeus, no entanto o processo não tem sido linear. Importa perceber qual a tendência de investimento em reacção à crise e de que forma Portugal se posiciona comparativamente.
O quarteto Irlanda, Grécia, Hungria e Portugal
De forma a contextualizar a situação portuguesa devemos estabelecer relação entre estados-membros da União Europeia. De todos os países europeus destaco estes três devido a semelhanças económicas e contextuais — Irlanda, Grécia e Portugal fazem parte das economias periféricas da UE e estão actualmente todas sujeitas a intervenção do FMI — e a relativa semelhança populacional (Grécia, Hungria e Portugal em particular).
Seguindo os dados do Conselho Europeu, em 2008 a despesa pública do estado português per capita aproximava-se dos 19€ (em valores nominais 245 milhões de euros). A Grécia apresentava uma despesa per capita em cultura de 32€, um valor longe dos 100€ por cada cidadão Alemão ou 440€ por cada Norueguês, mas não obstante, tendo Portugal e Grécia 10 e 11 milhões de habitantes, isto indica grosso modo que a despesa do estado grego era o dobro da despesa do estado português em 2008.
A Irlanda, com uma população de 6 milhões, apresenta graus de despesa per capita de 52,46€ em 2007 (em valores nominais cerca de 220 milhões de euros), a Hungria de 73,12€ (cerca de 735 milhões de euros).
No advento da crise, Portugal, quando em perspectiva com os seus “semelhantes”, está tanto em termos nominais como proporcionais à sua população num plano extraordinariamente inferior de despesa pública, e parte por isso para a crise com um sector comparativamente fraco e previsivelmente menos preparado para resistir à austeridade.
Variação de despesa pública, tendências 2009-2011
Os últimos dados estatísticos de despesa pública da UE27 para o sector da cultura datam de 2008 nos melhores casos, pelo que não é possível estabelecer uma comparação actualizada e fidedigna entre os estados-membros. No entanto os dados recolhidos pelo Conselho Europeu até ao final de 2011 permitem estabelecer uma boa perspectiva sobre os últimos três anos e a forma como a crise afectou o investimento público na cultura.
O quadro anexo representa a variação de despesa pública para a Cultura de alguns estados-membros. Noto que representa apenas a despesa do estado central ou federal, não incluindo despesa regional e local (que no caso alemão representam 85% da despesa total), no entanto podemos assumir com pouca margem de erro que a tendência nacional corresponde à regional.
Observam-se três tendências entre 2009 e 2011: países que mantêm ou reforçam o investimento no sector (Alemanha, França, Finlândia, Suíça, Malta, Estónia, Eslovénia, Bélgica com ganhos que variam entre 3% e 22%); países que em dois dos três anos sofrem variações negativas mas mantêm o seu nível médio de investimento (Áustria, Chipre, Hungria, variando entre 3% a 7% negativos); e países em acentuado corte de despesa no sector. Este último grupo é exclusivo de todos os países sob planos de austeridade agressivos ou sobre pressão dos mercados de especulação (Grécia, Islândia, Itália, Hungria, Portugal, com cortes até 26%). Mas o caso Português é singular neste quadro, pois o que se torna claro é que ainda a crise não se tinha afirmado na zona Euro, ainda a Grécia não tinha sido empurrada para o FMI e já a Cultura vivia em estado de sítio em Portugal.
O caso positivo Finlandês explica-se por um aumento acentuado das receitas de lotaria que permitiu reforçar o orçamento estatal. A vizinha Noruega (não representada no quadro) mantém os níveis mais altos da europa com recurso a verbas dos seus recursos petrolíferos. França reforça o seu investimento no sector com um pacote de três anos destinado a combater os efeitos da crise na cultura. O caso da Alemanha é mais complexo, mas note-se primeiro que é no primeiro orçamento atingido pela crise, o orçamento federal de 2010, que a Alemanha reforça a despesa na cultura com um aumento de 2%, uma tendência que se mantém no ano seguinte. O impacto deste reforço não é grande mas surge como forma de colmatar os cortes regionais das províncias de Schleswig-Holstein e Sachsen-Anhalt. A redução do orçamento Austríaco neste quadro é igualmente enganadora. Em 2011, duas das nove províncias que constituem a federação austríaca reforçaram a despesa pública, e a capital, Viena, mantém o mesmo nível de investimento.
Conclusões
O caso português é singular pela antecipação e pela profundidade dos cortes que sofre partindo de um dos patamares de investimento mais baixos a nível europeu, um caso que nem os países em piores condições económicas conseguiram alcançar.
Duas conclusões se retiram desta análise. A primeira é que a crise financeira não é a fonte das escolhas políticas para a cultura, particularmente em Portugal. Em segundo lugar a tendência europeia favorece maioritariamente o investimento contra-cíclico, um investimento tanto mais justificável em países em recessão profunda como Portugal.
Fontes:
Council of Europe/ERICarts, "Compendium of Cultural Policies and Trends in Europe, 12th edition", 2011 - www.culturalpolicies.net
Convenção da UNESCO sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais
The effects of the economic crisis on culture, Péter Inkei, The Budapest Observatory
Comments
Parabéns pelo artigo! Só uma
Parabéns pelo artigo!
Só uma ligeira correcção, onde se lê "Conselho Europeu" deve ler-se "Conselho da Europa".
Parabéns Tiago. Só demonstra
Parabéns Tiago. Só demonstra o desprezo desta gente pela cultura.
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