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“Queremos promover a permanência das pessoas no seu meio natural de vida”

A secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, considera que a assistência pessoal deve libertar as pessoas da institucionalização forçada.
Ana Sofia Antunes, Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência.

Que balanço faz do trabalho realizado até agora?

Antes de mais, importa realçar que é a primeira vez que existe uma secretaria de Estado para a Inclusão, o que lhe confere uma característica inédita. Existiu em tempos uma Secretaria de Estado para a Reabilitação, que foi criada no último governo de Sócrates, e que foi extinta pelo executivo do PSD/CDS.

A adoção de políticas que vão ao encontro das necessidades das pessoas com deficiência são uma prioridade para o governo?

Desde logo, a criação desta secretaria de Estado é um sinal claro que este governo tem como uma das suas prioridades dar resposta a este grupo de cidadãos, proporcionando-lhe um conjunto de direitos próprios que, em certa medida, estão ainda por concretizar e, por essa razão, era um trabalho que se exigia.

Voltando um pouco ao início, insisto em perguntar-lhe se as medidas tomadas já têm reflexos na vida quotidiana das pessoas com deficiência?

Penso que os sinais que temos procurado dar para o exterior são de concretização, de efetividade, de políticas adotadas e, portanto, sublinho não só o que está em curso mas também o que está em vias de concretização, porque demonstram o trabalho que temos vindo a procurar fazer.

E é nesse sentido que surge a Vida Independente com vista a dar mais autonomia às pessoas com deficiência?

Eu diria que a Vida Independente é unânime em todos os setores, e é também um sinal de coragem, porque até aqui ainda não tínhamos visto ninguém com determinação suficiente para avançar e dizer o que pretendia fazer. Na verdade, não é uma medida de fácil implementação, é algo criado do zero, ao contrário do que muitos possam pensar.

Quer dizer que a nível internacional não há muitos governos que a tenham incorporado nos seus programas?

Embora Portugal não seja pioneiro, não há realmente muitos países onde ela esteja implantada, o que significa que o nosso país vai estar na linha da frente. Posso acrescentar que os modelos de apoio à Vida Independente existem sobretudo nos países que são tradicionalmente conhecidos como países desenvolvidos, mais desenvolvidos do que nós. Logo, temos de nos orgulhar daquilo que estamos a fazer, daquilo que estamos a procurar construir.

Quais são as principais dificuldades que têm de ser ultrapassadas para que a Vida Independente vá ao encontro das necessidade e anseios de quem dela necessita?

É um processo complexo que, a meu ver, para ser desenvolvido precisa de solidez, que se deve consubstanciar neste momento a que chamo fase piloto. Por vezes, pode parecer fácil falar em Vida Independente pegando nalguns documentos orientadores teóricos que definem a medida internacionalmente, mas depois quando se pretende pôr em prática essa realidade que se constrói tecnicamente, e que muitas vezes cria na mente das pessoas, uma ideia quase utópica daquilo que poderia ser eventualmente a Vida Independente, constata-se que esta não se pode realizar de um momento para o outro com os meios que temos à nossa disposição.

Mas não há um trabalho prévio que tenha em conta todos esses aspectos?

Com certeza que sim.

Quais os estudos que já foram feitos?

O primeiro dado que nos faltava era ter uma noção exata das necessidades da Vida Independente em Portugal, ou seja, eu tenho dito várias vezes que não sei se as pessoas compreendem a sua verdadeira dimensão, mas qualquer medida que se orçamente em Orçamento do Estado tem de ter uma provisão muito rigorosa, muito concreta de quanto nos pode custar. E ninguém sabe em Portugal, e nem eu sei neste momento, quanto pode custar a Vida Independente.

Mas o levantamento dos custos não está a ser feito?

Esse levantamento vai ser feito com base nos dados que estes projetos-piloto nos vão trazer, porque aquilo que nós queremos criar implica que as equipas associadas aos Centros de Vida Independente [CVI] sejam mais do que equipas de gestão do projeto e possam fazer levantamentos de terreno, divulgação da medida, para que possamos perceber qual o número mais aproximado daquilo que poderá vir a ser o universo dos interessados.

Mas, dessa forma, não há o perigo de criar medidas-tipo passíveis de não atender às reais necessidade de cada um?

Temos a noção que cada caso é um caso, cada pessoa é uma pessoa e tem o seu contexto próprio, a sua deficiência própria que lhe causa incapacidades próprias. Assim, o nível de apoio e o tipo de atividades para cada pessoa divergem e, por isso, eu posso ter duas pessoas com paraplegia que precisam de horas de apoio diferenciadas.

As horas de apoio previstas inicialmente no projeto governamental foram alvo de críticas o que levou à sua alteração.

Este foi um processo bastante participado, e só faz sentido que seja assim, porque temos de perceber junto das pessoas o que acham, o que sentem.

Esse trabalho conjunto permitiu limar arestas e chegar a consensos?

Inicialmente, definimos no documento que foi para consulta pública, o documento inicial, uma regra que determinava que cada beneficiário poderia ter no máximo 40 horas de apoio semanal. Não fizemos isto por acaso, não foi limitar por limitar, mas antes porque sabemos que temos um plafond cuja verba para estes três anos será de 15 milhões de euros.

Na sua opinião, esse plafond permite cobrir as necessidades existentes?

Sabemos que não vamos chegar a toda a gente, vamos fazer projetos-piloto que, na melhor das hipóteses, chegarão a um número que se pode situar entre 200 a 300 beneficiários e que serão, digamos assim, a nossa matéria-prima para daí extrair conclusões para o futuro. Quando temos o dinheiro previamente definido, se damos mais horas de apoio a uns vamos necessariamente chegar a menos pessoas.

A velha história do cobertor que é curto...

Se este tapa a cabeça não tapa os pés e vice-versa.

Mas essa estratégia não pode gerar situações de injustiça?

Quando procurámos inicialmente prever esta regra foi na convicção sincera que, mesmo trazendo alguma limitação, chegaríamos não só às pessoas como a mais pessoas. Compreendemos as críticas e, por isso, procedemos a essa alteração na sequência como disse da consulta pública.

A experiência resultante dos projetos-piloto tem de ser o mais diversificada possível, o que significa que deverá abranger beneficiários com tetraplegias, com paraplegias, com multideficiência, com deficiência intelectual, com cegueira... para com este leque de experiências perceber também quais as diferentes realidades de público para público.

Pretende-se dessa forma chegar a um equilíbrio relacionado com as necessidades reais de cada beneficiário?

Só com esses dados poderemos chegar à conclusão do número de horas que cada um destes grupos-alvo requer em média, porque se calhar vão ser muito diferentes. Não julgo que uma pessoa com cegueira ou deficiência visual precise de um número muito elevado de horas, a não ser em casos muito específicos, e uma pessoa com paraplegia não vai necessitar do mesmo número de horas que precisa um tetraplégico.

São estas médias que vamos ter de encontrar para, de alguma forma, termos dados mais seguros que sirvam de fundamento quando avançarmos com a proposta de lei no final dos projetos-pilotos, daqui a três anos.

A participação das IPSS é outra questão que tem levantado polémica porque, segundo alguns, estas têm uma visão das políticas para as pessoas com deficiência em tudo contrária à Vida Independente.

Sobre esse assunto direi que temos dois modelos de CAVI que são admitidos: aqueles que são constituídos por IPSS já existentes e outro modelo que prevê e permite que um conjunto de pessoas com deficiência possa juntar-se, ter uma associação, pedir o estatuto de IPSS e trabalhar como entender.

E não há o risco de se cair numa lógica institucionalizadora?

Se um grupo de pessoas com deficiência se junta para criar uma associação e dinamizar um projeto numa lógica perfeitamente autorepresentativa e começa a prestar este serviço, no fundo, é a filosofia delas que vai imperar. No entanto, eu percebo que haja quem me diga que tem algum receio que algumas instituições já existentes que têm pessoas a seu cargo venham a constituir um CAVI dentro dessa lógica mais fechada.

E não partilha esse receio?

Quanto a isso tenho a dizer que, na minha opinião, encarar todas as instituições que são IPSS como institucionalizadoras ou segregadoras é um bocadinho redutor.

Mas estão previstos mecanismos para o impedir ?

Tentámos encorajar, digamos assim, no momento das candidaturas, as instituições que tenham pessoas com deficiência nos seus órgãos diretivos, aquelas que, logo à partida, manifestam abertura para terem as próprias pessoas com deficiência na tomada de decisões, isto é, as que vêem as pessoas com deficiência como seus pares, como seus iguais, em detrimento daquelas em que a pessoa sem deficiência cria instituições para pessoas com deficiência.

Por esta razão, procurámos majorar este tipo de candidaturas tentando ao mínimo reduzir a adesão a este modelo das instituições com uma visão mais fechada.

Considera que essa atitude é suficientemente dissuasora?

Sinceramente, não acredito que as instituições que achem que as pessoas com deficiência devem estar institucionalizadas estejam interessadas em concorrer a este tipo de resposta, porque esta é mais aberta, é uma resposta na comunidade, e a nossa pretensão vai no sentido de promover a permanência das pessoas nas suas casas, no seu meio natural de vida a fazer aquilo que bem entenderem.

No entanto, não podemos deixar de ter em linha de conta que determinados tipos de respostas como o CAO [Centro de Atividades Ocupacionais] ou os lares residenciais são respostas necessárias, uma vez que há casos extremamente complexos de acompanhar se não for neste enquadramento.

 

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