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Nuclear: brincar com as nossas vidas

Empresas, governos controlados por empresas e governos subjugados por outros governos, continuam a jogar com as nossas vidas ao permitir a extensão do nuclear na Península Ibérica perante todos os alarmes técnicos e sociais que foram dados nos últimos anos.

Dia 10 de Junho centenas de pessoas partem de Portugal, rumo a Madrid, para participar na manifestação ibérica contra a energia nuclear, contra a continuação das caquéticas centrais nucleares espanholas, e em concreto, contra a expansão da Central de Almaraz, agora com um aterro de resíduos, para mais 20 ou 30 anos. Empresas, governos controlados por empresas e governos subjugados por outros governos, continuam a jogar com as nossas vidas ao permitir a extensão do nuclear na Península Ibérica perante todos os alarmes técnicos e sociais que foram dados nos últimos anos.

O governo espanhol acaba de prolongar o período para que as empresas Iberdrola, Endesa e Gas Natural Fenosa, as proprietárias da Central Nuclear de Almaraz, possam pedir a extensão do funcionamento. Esta extensão foi dada depois de ter expirado o prazo para o pedido da extensão do tempo de vida de Almaraz, que ocorreu no passado dia 8 de Junho. O rumor que corre pelos corredores é que a Iberdrola, a Endesa e a Gas Natural Fenosa já terão feito entrar o pedido de extensão da central para além do tempo de vida determinado pelos construtores da mesma. O risco fica todo para as populações. A irresponsabilidade organizada das empresas do nuclear é assumida pelos governos.

O primeiro-ministro português, António Costa, e o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, já estão de joelhos perante o governo espanhol de Mariano Rajoy há tanto tempo, que agora têm de se deitar no chão para se aproximarem melhor das solas do Partido Popular vizinho.

A central nuclear de Almaraz está permanentemente a ter paralisações de emergência. É um equipamento velho, fora do prazo, podre e que em termos energéticos é um empecilho: não tem relevância no panorama energético espanhol (seguramente ainda menos no mix energético português) e impede o investimento necessário em energias renováveis que nos permita abandonar simultaneamente o letal nuclear e as energias fósseis que aceleram o caos climático.

Não é demais repetir que a rudimentar indústria da energia nuclear é filha da necessidade de obter armamento radioactivo e que produziu, em pouco mais de meio século de vida, três grandes acidentes de escala global - Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima – que ainda hoje não estão resolvidos, e pelo menos mais nove acidentes graves - Chalk River, Kyshtym, Sellafield, Windscale, Jaslovké Bohunice, Saint Laurent des Eaux, Tokaimura, Seversk e Lucens. A poderosa indústria do nuclear fez e continua a fazer todos os possíveis para evitar a divulgação dos seus frequentíssimos acidentes. Esta indústria tem 440 reactores nucleares em funcionamento e existe há 60 anos: o que significa que em média de 20 em 20 anos ocorre um acidente de escala global e mais ou menos a cada 5 anos há um acidente grave, que arruina localmente populações e territórios. Olhando para estas frequências de acidentes, eles estão a brincar com as nossas vidas. O Estado Espanhol tem 7 centrais em funcionamento, velhas, e maioria das quais já fora do prazo que os próprios fabricantes indicaram para as mesmas, e pretende estender sem prazo o seu funcionamento, cedendo em toda a linha às empresas proprietárias. Um acidente grave em Almaraz (e considerando que já foram cerca de 60 acidentes graves com mais de 35 paragens de emergência durante a sua vida de 34 anos) poderia perfeitamente acabar com Portugal. Isto para não falar naturalmente dos resíduos nucleares que não têm tratamento ultrapassarão amplamente a história da Humanidade, sendo o lixo que deixaremos para a eternidade.

Mas a quem está o governo português a fazer um favor ao deitar-se no chão perante o governo espanhol? Porque é que existe este deferência perante a Iberdrola, a Endesa, a Gás Natural Fenosa? Será porque anseiam pelo investimento em barragens, também elas inúteis? Esperam que pingue mais algum destes gigantes envolvidos em esquemas de corrupção internacional?

A ver se nos entendemos: o negócio da Iberdrola, da Endesa e da Gás Natural Fenosa não é fazer energia, é fazer dinheiro. Se no processo de fazer esse dinheiro também se produzir energia, é apenas um produto secundário. Se se produzir uma catástrofe, o que se torna cada vez mais provável com a extensão do funcionamento da central além do seu tempo de vida estabelecido pelo fabricante, e conhecendo-se já a história da indústria nuclear e a história de graves problemas de Almaraz, é apenas outro produto secundário, pois não serão os accionistas de Iberdrola, da Endesa e da Gas Natural Fenosa a arriscar perder desde os seus territórios até às suas vidas. Os accionistas destas empresas estão a jogar com as nossas vidas e as suas ferramentas são o governo de Espanha e, espojado no chão aos seus pés, o governo de António Costa.

"Conhece a Iberdrola?" - diz o anúncio. É a empresa que quer manter uma central nuclear a mandar resíduos nucleares para o Tejo e a ameaçar a integridade territorial de Portugal.

"Endesa, a alternativa clara" diz o outro anúncio. Alternativa a quê? A não termos todos os perigos da energia nuclear que a população portuguesa rejeitou nos anos 70?

A Gas Natural Fenosa, valha isso, pelo menos não nos põe a ouvir as suas lengalengas.

Precisamos de energia. Eles só precisam, e só querem saber, de lucros. E por isso produzem quase de graça, ignorando todos os riscos e recebendo chorudos apoios públicos (as rendas criminosas da EDP são outro capítulo desta história), para vender a energia mais cara da Europa. É preciso acabar com isso. Precisamos de democracia energética, de escolhas democráticas sobre como consumimos, como poupamos e como podemos ter sistemas eficientes. Precisamos decidir como e de onde vem a nossa energia. Não precisamos de uma bomba-relógio em Almaraz, ou de sete bombas-relógio em Espanha ou de 440 bombas-relógio nucleares no mundo para ameaçar cada dia das nossas vidas. Precisamos de produção e distribuição de energia públicas, controladas pelo Estado, em que o privado possa no máximo ter um papel marginal e complementar. Se não serve as "regras" da concorrência, é porque essas regras são as regras de um jogo viciado onde nós só perdemos para eles só ganhem. Nesse jogo o que se joga, sempre, são as nossas vidas. Rebenta a bolha.

Artigo publicado em sabado.pt a 9 de junho de 2017

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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